24 de maio de 2016
Por Emanuela Neves do
Amaral
Estar na universidade pública hoje não é nada fácil. Antes mesmo de entrar no curso que escolheu, o estudante passa por uma maratona de processos seletivos e disputa vagas num cenário de intensa concorrência.Quando entra se depara com diversas dificuldades que uma instituição de ensino público hoje tem, como a falta de professores, infraestrutura muita vezes precária e falta de auxílio estudantil.
Agora, há um grupo de mulheres na
universidade que, além de enfrentar tudo isso, tem que lidar com o desafio de
ser estudante e mãe. Entre os cuidados com a criança, a mãe enfrenta a
dificuldade de acesso aos espaços da universidade, a falta de vaga na creche
universitária, pouco tempo de licença maternidade, falta de auxilio
satisfatório e diversas outras barreiras até o fim da graduação.
“Entrar na universidade pra mim foi
um sonho, que eu venho batalhando pra realizar. Mas é bem difícil, porque a
universidade hoje é muito excludente para as mulheres que são mães. Eu já fui
barrada com meu filho no bandejão. Trouxe ele várias vezes nas aulas, os
professores são bem flexíveis com essa questão mas os demais espaços não são
acolhedores. Eu me sinto excluída, porque várias coisas eu não posso participar
por ter um filho. Tem coisas que eu quero ir e que não pode criança. As
universidades embora tenham creches não é fácil entrar. Agora foi
municipalizado e as mães universitárias não têm acesso a isso. Isso complica
bastante o dia a dia”, conta Beatriz, estudante de Sociologia da UFF que foi
mãe do primeiro filho ainda no ensino médio, antes mesmo de entrar na
universidade.
Esse sentimento de exclusão e a
percepção de ser irreconciliável o fato de ser mãe e estudante são algo em
comum entre essas mulheres, principalmente quando elas descobrem que estão
grávidas. Andrezza, que passa pela gestação de sua primeira filha conciliando
as aulas do curso de Publicidade e Propaganda e o dia-a-dia da gestação,
compartilha esse sentimento: “Quando descobri que estava grávida, foi um susto,
porque me cuidava. Pensei que minha vida tinha acabado. Era meu sonho entrar na
universidade pública, e quando entrei na UFF eu consegui. Mas quando pensei que
eu estava gerando um filho, comecei a ver as coisas diferentes, principalmente
na minha carreira profissional”.
O primeiro passo que muitas delas
dão quando descobrem que estão grávidas é pesquisar sobre quais são seus
direitos, e é nesse momento que elas percebem que as informações são não só
desconhecidas para elas, mas também para muitas outras pessoas da própria
administração da universidade. “Quando eu falei com a coordenadora ela disse
que não sabia muito o que me dizer. Só sabia que eu tinha direito a uma licença
de três meses assim que o bebê nascesse e que depois eu voltaria normalmente.
Foi complicado porque eu pensei: 'o que eu ia fazer com três meses e com quem
eu ia deixar um bebê de três meses? quem vai cuidar? quem vai dar de amamentar?
Vou ter que escolher de novo em ser mãe ou estudar?'”, conta Andrezza.
A advogada de Direitos Humanos e
mestranda da UERJ em Diretos das Mulheres, Gabriela Azevedo, que também foi mãe
quando estava fazendo mestrado, confirma que esse direito é garantido a todas
as atividades que a estudante participa na universidade, e reforça a ideia de
que o tempo de licença ainda não é suficiente para as mães e bebês. “A aluna
que engravida deve dar entrada em sua licença maternidade, no período que for
conveniente. É possível requisitá-la ainda durante a gravidez, se houver
necessidade de afastamento. O acesso a provas e trabalhos deverá acontecer no
ambiente da casa. O CNPQ e a CAPES já regulamentaram a licença maternidade para
as bolsistas. Eu mesma me enquadrei nesse exemplo. Engravidei, sem que houvesse
planejado, durante o mestrado e solicitei a licença enquanto era bolsista da
CAPES, o que me propiciou a extensão da bolsa e dos prazos por quatro meses,
que é o período de licença previsto na CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas).
Essa licença, que ainda é muito pequena, foi importante para que eu conseguisse
me dedicar ao meu filho integralmente nos seus primeiros meses de vida, viver
meu puerpério sem os prazos acadêmicos - obrigatórios e apertados.”
Esse direito a licença é uma das
reclamações das mães que estudam hoje na UFF. É pouco tempo, é o que elas afirmam.
Andrezza também achou que três meses eram insuficientes, fazendo com que ela
questionasse esse período de licença. “Comecei a perguntar e questionar, e hoje
eu estou tentando junto com a coordenadora de comunicação que mudem essa
questão. Juntas nós estamos tentando ver a possibilidade de deixar as mães
continuarem de licença, e escolher as disciplinas que você quer fazer durante
esses três meses, mas estando em casa, sem precisar estar presente na UFF. E
depois desses três meses, no período seguinte continuar fazendo a mesma coisa,
criando um regime preferencial de gestante.” Esse regime preferencial ainda não
é oficial dentro da universidade, mas Andrezza recebeu a informação que ela,
depois de muita insistência, conseguiu esse benefício de ficar mais três meses
além dos concedidos anteriormente, abrindo precedente para que outras mulheres
possam também entrar com o pedido.
Outra questão no direito à licença
é que hoje na UFF não há a garantia de licença paternidade aos estudantes,
reforçando a ideia de que a responsabilidade maior do cuidado com as crianças é
da mãe. O debate sobre a licença paternidade vem crescendo fora da universidade.
Em alguns estados, projetos de leis estão sendo elaborados e alguns aprovados.
No Rio de Janeiro, o projeto de lei do Deputado Federal do PSOL, Flavio
Serafini, foi aprovado e já vigora o direito a licença paternidade de 30 dias.
Depois da gestação, a restrição
Outra barreira citada pelas
estudantes é a restrição imposta às mães, de direitos comuns a todos os demais alunos.
Entre eles, até mesmo os mais simples, como a entrada no bandejão , são
dificultados. Isso porque uma portaria de 2010 instaurada na UFF impede a
entrada de crianças no Restaurante Universitário (RU). A portaria existe, de
acordo com o próprio o texto, para respeitar as diretrizes do ECA (Estatuto da
Criança e Adolescente). Beatriz, mãe de um menino de 10 anos, relatou que
chegou a ser impedida de entrar no bandejão por estar acompanhada do filho.
“Meu filho tinha voltado da escola, já tinha jantado e ele só ia me acompanhar.
Vários funcionários já tinham me parado, falando que se eu falasse com sicrano
podia conseguir; falei com sicrano e ele disse que não. Fui falar com beltrano
e ele disse que não. Nisso eu fiquei naquele ping pong falando com várias pessoas. Alguns alunos do meu
curso começaram a protestar. Mas foi uma
situação muito vexatória. A hora que me falaram que alguém permitiu já tinha
sido muito constrangedor.” Funcionários do bandejão, quando questionados sobre a portaria, dizem que
às vezes ficam com as crianças na porta para que a mãe possa comer no RU.
Além da dificuldade de acesso ao
restaurante universitário quando estão acompanhadas de seus filhos, as
estudantes que são mães também têm o acesso negado à moradia estudantil quando
estão na companhia de seus filhos. As mulheres que engravidam e são residentes
da moradia logo são convidadas a se retirar pela direção. E quando já são mães
não podem concorrer à vaga como os demais estudantes porque crianças não são
recebidas no espaço. “A questão da moradia é outra forma que demonstra a
exclusão das mães na universidade pública. Porque se você é estudante você tem
que concorrer a uma vaga, mas se você tem filho você não pode nem concorrer. E
se você engravida quando tá na moradia você recebe quase um incentivo a
abandonar o seu filho, porque você pode permanecer na moradia, mas seu filho
não pode ficar, e isso não tem lógica. Acho que é outra forma de excluir as
mães da universidade. É não permitir uma mulher que seja mãe de estudar”, conta
Beatriz. A coordenação da moradia da UFF foi procurada, mas não se manifestou
sobre o porquê da negação ao acesso a moradia a mães com filhos.
Onde deixá-los?
Mais uma barreira que Beatriz e
outras mães relatam é a dificuldade de um lugar para deixá-los quando elas têm
que ir para as aulas, visto que muitas não têm a família ou um parceiro para
dividir os cuidados da criança. A creche universitária que deveria ser o local
de mais fácil acesso a essas mães hoje não cumpre esse papel.
“Tentei diversas vezes a creche da
UFF. O processo é extremamente difícil, porque eles municipalizaram as creches
federais e a gente acaba concorrendo com todo o resto da população, da
comunidade. Como você acaba concorrendo é difícil conseguir. Foi super
complicado, porque inclusive peguei VS em uma matéria porque tinha que sair no
meio da aula pra ir buscar meu filho na creche que ele estava.”
A creche universitária abre
anualmente uma média de 45 vagas, sendo que 50% das vagas são reservadas para
servidores e docentes. As outras vagas são abertas ao público geral e aos
estudantes. São preenchidas através de um sorteio concorrido, no qual os
números de candidato vaga (37,64 por vaga em 2016) superam inclusive o número
de concorrentes no vestibular de muitos cursos de graduação da própria
universidade.
Uma saída para a dificuldade de
acesso à creche para as mães que são estudantes da UFF seria a Bolsa Creche. O
auxílio financeiro existe desde de julho de 2011, e é voltado especialmente
para estudantes da graduação que são mães. Porém a bolsa tem uma tempo limite:
dura somente dois meses, tempo insuficiente na opinião das mães.
Estudante e trabalhadora
Algo presente na vida de todos os
estudantes de graduação é a experiência do estágio. E é nessa área que se vê
mais uma vez a dificuldade do que é ser mãe e estudante hoje. Isso porque se
uma estagiária engravida hoje, ela não tem nenhum dos direitos que uma
funcionária comum tem. “A Lei de Estágio é bem clara ao afastar vínculo
empregatício. Um emprego formal, regido pela CLT, prevê licenças e benefícios
para o trabalhador. A empregada, quando se descobre gestante, tem, por exemplo,
a estabilidade no emprego, ou seja, ela não pode ser demitida durante a
gestação ou na volta da licença maternidade. Se alguma coisa nesse sentido
acontece, a mulher pode acionar o judiciário contra o empregador que infringiu
a lei. No estágio, por outro lado, não existe previsão de qualquer licença,
estabilidade, salário etc. A bolsa só é paga durante a vigência do contrato que
pode durar por, no máximo, 24 meses. A Lei de Estágio foi falha ao não prever
qualquer garantia nesse sentido. Ao assumir que o estagiário deve
prioritariamente aprender enquanto é estudante, desconsiderando os fatos
imprevisíveis da vida, como uma gravidez, que pode ser não planejada, a medida
deixou de amparar alunas em condições especiais”, explica a advogada.
Isso acontece com a mestranda
Fernanda Constantino, que engravidou no fim da graduação e que trabalhava já havia
alguns meses como estagiária em uma empresa de Comunicação. “Quando soube que
estava grávida ,eu pensei que antes de comunicar pra eles alguma coisa eu
tentaria pesquisar e tentar me amparar de alguma forma. Descobri que toda
mulher tem direito à licença maternidade, se já tiver contribuído para o INSS.
Fiquei bem chateada na época, porque estagiária trabalha tanto quanto
funcionária, por mais que a gente trabalhe menos duas horas, às vezes nem isso,
porque a gente muitas vezes faz hora extra e trabalha no final de semana. Eu já
estava quase quatro anos fazendo estágio e quando eu tava precisando não recebi
nada. Só me deram adeus. E isso foi bem difícil pra gente.”
Avançar é preciso
Mulheres estão na universidade, e
mulheres são mães, então elas também estão nesses espaços. Apesar de todas as
dificuldades, elas vêm se organizando e reivindicando a necessidade de que seus
direitos sejam respeitados: o direito de ser mãe e estudante.
“Vou começar o mestrado agora. Não
conversei com ninguém ainda sobre a necessidade de talvez levar meu filho
comigo algumas vezes. Sei que as vezes é complicado com alguns professores, mas
não quero ter que explicar essa necessidade. É muito estranho ter a necessidade
de explicar porque temos bebês. O mundo é feito de bebês, isso é muito
estranho”, pontua Fernanda.
Na visão da advogada Gabriela
Azevedo é necessário avançar, não só nas universidades, mas no país para que
essas mulheres possam ser mais do que mães, mas também estudantes e
profissionais. “O Brasil precisa avançar muito nos direitos das mulheres e,
especificamente, nos direitos das mulheres mães. Para pensar um regramento e
uma expansão das licenças para as mães, é preciso falar também de licenças para
os pais, que devem estar tão obrigados quanto às mães com os cuidados de uma
criança.”
Comente
Atenção: Após a publicação, seu comentário estará visível na próxima aba: (x) Comentário(s)
Informamos que os comentários podem ser excluídos caso sejam considerados ofensivos, discriminatórios ou não tenham relação com o conteúdo das matérias.