24 de maio de 2016
Por Juliana Caldeira
Desde janeiro desse ano, lei assegura a pessoas com deficiência direitos básicos, como saúde e educação. Com isso, escolas são proibidas de cobrar ou negar vagas a alunos especiais
2016
começou com boas notícias para as pessoas com deficiência no Brasil, pelo menos
no papel. Sancionada em julho do ano passado, a “Lei Brasileira de Inclusão da
Pessoa com Deficiência” (LBI- Lei 13.146/15) entrou em vigor no dia 2 de
janeiro, eliminando
barreiras de acessibilidade em áreas de saúde, transporte, moradia, serviços,
educação, esporte e cidadania por meio do respaldo às pessoas com deficiência
para exercerem seus direitos em diversas esferas sociais. O estatuto vem para mudar de vez alguns
comportamentos da sociedade, pois com essa aprovação não é mais o deficiente
que precisa se adaptar. Tudo deve funcionar de maneira com que esse público
possa ser recebido sem nenhuma diferença. Segundo o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), atualmente no Brasil existem 45 milhões de
pessoas com algum tipo de deficiência.
Um
dos problemas enfrentados por essa parcela da população é o acesso à educação. Apesar de ser proibido por um decreto legislativo
(n° 186) do ano passado, surgiram casos de escolas que cobravam uma taxa extra
dos pais para o cuidado dos pequenos ao invés de investirem em profissionais
capacitados, colocando a inclusão dos filhos nas mãos dos familiares. A partir de agora, as escolas tanto públicas quanto
privadas não podem cobrar a mais do aluno especial e sim devem se adaptar às
necessidades desses estudantes. De acordo com o Ministério da Educação (MEC),
as unidades de ensino não podem recusar matrículas de alunos com deficiência,
pois a partir da nova lei, se isso acontecer deve ser considerado crime, com
pena de dois a cinco anos de reclusão e passível de multa. Logo, as
instituições não podem adiar ou cancelar a matrícula de algum aluno por ele ser
deficiente.
No
município do Rio de Janeiro, o trabalho de inclusão de crianças com necessidades
especiais nas escolas da rede pública tem avançado a cada ano. Para aperfeiçoar
o atendimento aos alunos da Educação Especial, a Secretaria Municipal de
Educação, em parceria com o Instituto Municipal Helena Antipoff (IHA),
desenvolve atualmente um trabalho pedagógico especializado, além de promover
aos profissionais de educação uma formação continuada para que eles atuem
diretamente com esses alunos.
Criado em 1959, o
Instituto Helena Antipoff (IHA), considerado centro de referência em Educação Especial
no Brasil e na América Latina, é responsável por implementar as políticas
públicas exigidas pelo MEC na rede de ensino do Rio de Janeiro. O IHA recebeu
esse nome em homenagem à Helena Antipoff, psicóloga e pedagoga de origem
russa que, depois de obter formação universitária em seu país, fixou-se no
Brasil a convite do governo do estado de Minas Gerais, em 1929. Helena era
pesquisadora e educadora de crianças e adolescentes deficientes, pioneira na
introdução da Educação Especial no Brasil. O Instituto Helena Antipoff possui
equipes de acompanhamento que auxiliam o trabalho das 11 Coordenadorias
Regionais de Educação (CREs), para garantir uma educação de qualidade para os
alunos com deficiência, sejam eles deficientes físicos, intelectuais,
audiovisuais, autistas, superdotados, dentre outros. Além disso, oferece
formação para os profissionais de Educação da Rede Municipal e produz e adapta
materiais específicos de acordo com as necessidades especiais dos alunos.
A
pedagoga especializada em Educação Especial e Inclusiva Kátia Nunes, diretora do Helena Antipoff, ressalta a
importância de ter alunos especiais em turmas regulares nas escolas.
“Atualmente, temos quase 1,6 mil escolas municipais e quase todas as unidades
já possuem alunos com alguma necessidade especial em sala de aula. Hoje, temos
14 mil alunos com deficiência matriculados na Rede Municipal. O objetivo é que
todas as crianças caminhem juntas. Então essa diversidade a gente fortalece. Da
mesma forma que entra o aluno autista entra o aluno com dificuldade de aprendizagem
e assim vai. Todos eles têm direito à escola”, afirma.
A
matrícula de alunos especiais em escolas do município é feita online, através
do site matriculadigital.rioeduca.rio.gov.br. Após a inscrição, o responsável pela criança deverá
comparecer a CRE a qual se é destinado, para uma avaliação feita pela equipe
técnico-pedagógica da Educação Especial, que procederá aos encaminhamentos
necessários para a inclusão. O aluno será, então, enviado à unidade que possui a
vaga para atendimento em uma Sala de Recursos Multifuncional e o responsável é orientado
quanto aos atendimentos necessários para o desenvolvimento do estudante.
O aluno com deficiência
tem direito à educação em turmas comuns, no turno escolhido, e participa de
todas as atividades sociais da escola. A professora Maristela Cristiano dá aula
atualmente para uma turma de Educação Infantil em uma escola na Zona Oeste do
Rio. Apesar dos desafios diários, a unidade escolar que ela trabalha recebe o
apoio necessário oferecido pelo IHA. “A novidade
é que nesse ano temos uma Agente Educadora da Educação Especial que fica na
escola 40 horas semanais. Na parte da tarde, ela fica somente na minha sala e
isso é bem confortante. Para planejar minhas aulas diariamente parto do princípio
de que todas as crianças são especiais e a diferença é que algumas têm suas
deficiências diagnosticadas pela Medicina, o que as limita em algumas coisas,
mas não as impedem literalmente de se desenvolver em qualquer área de
conhecimento. Temos que ter mais sensibilidade de facilitar a forma de trabalho
com eles, sem exclusão”, diz Maristela.
A
professora conta o que aprende todos os dias com essa experiência. “Apesar dos
obstáculos que enfrentamos diariamente, ao trabalhar com crianças especiais
aprendemos a perceber as diferenças como algo muito comum e normal. Passamos a
ter um olhar mais generoso para com o outro. Na realidade, trabalhar com essas
crianças nos propicia muito mais como crescimento pessoal, até mesmo para
desmistificar ideias e crenças que trazemos na vida. Elas nos ensinam a nos
perceber limitados, mesmo não sendo especiais como elas.”.
Além do direito à matrícula em turmas
regulares, as crianças com deficiência também têm direito a Atendimentos
Educacionais Especializados (AEE), fora do horário de aula. Esses atendimentos são realizados nas Salas
de Recursos da própria escola por professores especializados e atendem às
necessidades pedagógicas do aluno. Em 2015, já existiam 464 espaços implementados nas unidades
escolares. “Os AEE têm a função de auxiliar o processo de inclusão dos
educandos, eliminando barreiras para a plena participação dos mesmos nas
atividades propostas no cotidiano escolar. Cabe notar que este atendimento não
é substitutivo ao processo de escolarização, sendo ofertado no contraturno do
horário escolar dos alunos”, explica a diretora do Instituto Helena Antipoff.
O professor responsável pela Sala
de Recursos precisa quebrar a resistência ao atendimento especializado,
convidando a família e o aluno para conhecer o ambiente e, assim, possam se
sentir à vontade para conversar com outros pais, trocar experiências e observar
os benefícios desse tipo de atendimento. A fim de estreitar esse laço entre
escola e família, o IHA e a Secretaria de Educação trabalham em conjunto com o
Grupo de Trabalho dos Pais Representantes dos Alunos de Educação Especial,
formado por 22 pais, dois representando cada uma das 11 CREs espalhadas pelo
município.
Quando a educação em casa e na escola caminham
juntas
A presença e apoio dos pais junto
à escola influenciam diretamente no aprendizado da criança. Cláudia Oliveira,
43 anos, é tia de Lucas, de 14. Ele é deficiente auditivo e está matriculado no
oitavo ano do Ensino Fundamental na Escola Municipal Pio X, localizada no bairro de Jacarepaguá, Zona Oeste do Rio. Cláudia
diz que a adaptação do sobrinho à vida escolar surpreendeu a todos na família.
“O Lucas se adaptou muito bem na escola e fez amizades rapidamente, o que foi
uma surpresa bem feliz para nós. Seus responsáveis, principalmente a avó, são
muito presentes no seu dia-a-dia escolar e sempre comparecem às reuniões,
geralmente no fim de cada bimestre, muito preocupados em participar do
aprendizado dele. Mesmo com todas as suas dificuldades, faltas por consultas
médicas, ainda é esforçado e sempre passa de ano sem nem ficar em recuperação.
Ele tem uma relação incrível com os professores e funcionários da escola e
adora principalmente as aulas de Educação Física, sua matéria preferida. Não
sentiu discriminação por conta de sua deficiência e seus colegas de turma estão
sempre o ajudando com o material, com as matérias”, conta.
O suporte dentro de casa é
fundamental para que essa parceria entre escola e família dê certo. “O Lucas
recebe muita ajuda de toda a família com as tarefas de casa. A avó está sempre
acompanhando, estuda com ele para avaliações, com os trabalhos. Estamos todos
envolvidos nisso, e prontos para auxiliar meu sobrinho no que ele precisar para
continuar sendo esse menino alegre mesmo com os problemas”, conclui Cláudia.
Porém, ainda existem pais e responsáveis que
preferem colocar seus filhos em unidades específicas para crianças com
deficiência. Na Rede Municipal, são dez escolas especiais, equipadas com
materiais pedagógicos adaptados para o auxílio do aprendizado do aluno. De
acordo com Maria Lucia Soares, pedagoga e coordenadora da 7ª CRE, localizada na Barra da Tijuca, essas unidades
estão espalhadas por diversas CREs. Além disso, ela explica sobre a quantidade
de vagas destinadas aos alunos de Educação Especial nessas unidades.
“Em algumas CREs há unidade específica para atendimento ao aluno
deficiente. Em nossa CRE (7ª) temos a Escola Especial Maria Therezinha de
Carvalho Machado, situada na Rua Barão, na Praça Seca. O trabalho fundamenta-se
na perspectiva inclusiva, com a proposta de desenvolver habilidades e autonomia
para a inclusão em turma regular. No entanto, há alunos com um comprometimento
significativo (por exemplo, DMU - deficiente múltiplo) que necessita a
permanência na classe especial e beneficia-se de um atendimento específico
desta unidade escolar. Não há um quantitativo específico de vagas destinadas ao
público alvo da Educação Especial. Dependerá da oferta das unidades escolares e
da demanda”, afirma.
O sistema é bom, mas precisa melhorar
Apesar
do avanço no trabalho de inclusão de crianças com deficiência na Rede Municipal
de ensino do Rio de Janeiro, ainda existem problemas no sistema criado pela
Secretaria de Educação. Adriana Santos, 27 anos, é mãe de Carolina, de 5, e
teve que abandonar o emprego de secretária numa empresa de Engenharia para se
dedicar aos cuidados com a filha, portadora de autismo. Moradoras da Zona
Norte, mãe e filha tentaram, no ano passado, ser incluídas em alguma unidade
perto de casa, mas Adriana acabou desistindo. “Fui visitar três escolas. Não
são todas que têm as Salas de Recurso e ainda faltam mediadores (monitores que
acompanham o aluno em sala de aula). Não dá para deixar na escola porque infelizmente
a professora não dá conta, fica sobrecarregada porque as turmas tinham mais de
20 alunos. Minha filha acabaria não evoluindo no aprendizado. Preferi adiar
essa iniciação e fico com ela em casa até acharmos uma escola que a acolha como
ela merece”, conta.
“A inclusão ainda é um desafio quando percebemos a necessidade de
adequação dos currículos universitários de formação dos profissionais de
educação para o enfoque da educação especial e do processo de inclusão. Da
mesma forma, os profissionais já lotados na rede necessitam de formação
continuada para que se mantenham atualizados de forma a embasar o trabalho
pedagógico com o aluno, e de um trabalho de busca constante de dados e
interação com a família para a confecção do PEI (Plano Educacional Individualizado)”,
acrescenta a coordenadora da 7ª CRE.
Professora da Rede
Municipal há 14 anos, a pedagoga Ana Luisa Caldeira aponta algumas dificuldades
que os profissionais de educação enfrentam para oferecer uma educação de
qualidade aos alunos deficientes, embora a experiência no fim seja a mais
positiva possível. “Quando tive meus primeiros alunos especiais, fiquei
receosa se conseguiria, se teria competência, mas ao longo do desafio fui
aprendendo muito com eles e derrubando paradigmas. Não somos preparados
previamente para receber alunos portadores de necessidades especiais,
e, quando os recebemos, precisamos buscar informações sobre suas
necessidades, pesquisar, estudar para compreender um pouco sobre o
universo deles, atendendo-os de forma adequada e com o mínimo de qualidade, integrando-os
à classe de forma mais tranquila possível. A maior dificuldade é que, na
maioria das vezes, é muito difícil conseguir estagiários para acompanhar e
auxiliar em nosso trabalho com estes alunos, pois geralmente não querem
estagiar atendendo a alunos com algum tipo de deficiência. É um desafio
sim, mas no final é enriquecedor e muito gratificante”, declara.
A
fim de auxiliar e mostrar com clareza como funciona a Educação Especial nas
escolas do município do Rio de Janeiro, a Secretaria Municipal de Educação
preparou em 2015 uma cartilha que contém diversas dicas aos pais sobre como
acompanhar o aprendizado dos filhos. Além disso, mostra um pouco como funciona
o trabalho do Instituto Helena Antipoff e das unidades escolares da Rede. Essa
cartilha contém também todos os contatos das CREs e outros serviços, e está disponível nas
unidades de ensino da Rede Municipal.
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