25 de outubro de 2012
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Filipe Galvão (texto) e Douglas Nascimento (texto e fotos)

Unir prazer e trabalho em uma mesma sentença talvez pareça um contrassenso para maioria das pessoas. Mas não para Claudia Evangelista. Durante o expediente a niteroiense de 53 anos bate papo, toma cerveja com amendoim, ouve música e ainda pega um solzinho. É a primeira vez que Cláudia consegue um trabalho assim. “Pena que só dura um mês”, lamenta, olhando o fim de tarde refletido nas águas da praia de Icaraí. Sua função: cabo eleitoral.

Claudia recebe R$600,00 para sentar-se ao lado de uma placa de dois metros por três do candidato petista Rodrigo Neves, das oito da manhã às cinco da tarde, na esquina da Praia de Icaraí com Paulo Alves. Segundo os comitês de campanha, os cabos eleitorais devem proteger o material de campanha de danos físicos e morais. O papel de Claudia no primeiro turno não seria somente proteger a imensa placa de sair voando com os fortes ventos da praia ou de um eventual ataque de pedestres que precisam rebolar entre tanta bandeira, cavalete e panfleteiros. Afinal de contas, material de campanha não falta e se quebrar tem mais. Mas como calcular o dano de um vistoso bigode de caneta na foto do sorridente candidato?


Os cabos eleitorais estão nas ruas para defender a imagem que os candidatos procuram construir em suas campanhas. São eles que fiscalizam a ação dos interventores urbanos: grafiteiros, pombos, barro, crianças com canetinhas. E, apesar de passarem um mês inteiro com bandeiras nas mãos ou sentados ao lado de imensas placas de campanha, não refletem sobre sua atuação no jogo eleitoral.

Felipe Almeida tem 28 anos, é formado em administração, mas se define como “playboy”. Está desempregado e passou o mês de setembro flamulando a estrela petista aos motoristas apressados do bairro Ingá. Felipe é filiado ao partido desde o ano passado por influência da militância dos pais, pelo menos 10 anos mais longa que a sua. Mas apesar da militância ele não foi às ruas de graça: também está sendo pago para defender algo em que diz acreditar. Quem sintetiza o grau comum de engajamento dos cabos eleitorais é o estudante Diogo Bittencourt, que cumpria a mesma função que Felipe: “Eu não estava fazendo nada em casa e resolvi vir fazer nada aqui e ainda ser pago”. Para eles a importância de se empunhar símbolos de projetos de gestão e ideais econômicos, culturais e políticos pelas ruas parece não existir. Ou não importar, desde que ganhem para isso.


Diogo é um jovem articulado, usa roupas caras e vai começar o curso de Gestão Empresarial na Universidade Estácio de Sá. Ainda assim assume: está ali pelo dinheiro. Não parece se incomodar muito com o mundo ao redor, apenas se escora em uma árvore à espera de receber os R$200,00 semanais acordados com o comitê de campanha. Passou todo o primeiro turno com um mp3 duelando contra o barulhento trânsito niteroiense enquanto amparava a bandeira em sua bermuda. Manteve essa postura durante toda a entrevista, realizada ainda antes do primeiro turno. Só se movimentou quando precisou responder em quem votaria. Diogo tirou os fones do ouvido e se aproximou para confessar em voz baixa: “vou votar no Flávio Serafini”.

Diogo é o reflexo de uma parcela dos cabos eleitorais que têm uma consciência política paradoxal: jogam por um candidato, mas votam em outro. O esvaziamento do compromisso ideológico dos eleitores é um processo que vem se acelerando nos últimos anos. O resultado é o afastamento do processo democrático e sua desvalorização refletida pelo lugar comum: político é tudo igual.


Outra pessoa que trabalhou como cabo eleitoral no primeiro turno foi Rosalina Graça, de 61 anos. Negra, evangélica, catadora de latinhas e com o ensino fundamental incompleto, Rosalina não ouvia música para passar o tempo, tampouco aproveitava o dia com cerveja e amendoim. Era mais uma que estava ali pelo dinheiro, o dobro dos R$300,00 mensais que ganha com as latinhas recolhidas. Mas, ao contrário de Diogo, a catadora não tinha um posicionamento político definido. Não conhecia as propostas de Felipe Neves, para quem trabalhava, nem quais eram os concorrentes. Rosalina não sabia nem mesmo o nome do atual prefeito de Niterói. Iria votar no moço da placa, afinal passavam “o mês inteiro se olhando e (com o segundo turno) dá mais um dinheiro”. A justificativa da senhora é que “qualquer um que entrar vai fazer igual, vai roubar, é tudo igual”. Ainda existe um grupo pequenino, mas que parece fadado à extinção: os que se sentem recompensados por simplesmente defenderem o seu ideal de mundo.

Com o segundo turno garantido em Niterói entre Rodrigo Neves, PT, e Felipe Peixoto, PDT, era de se esperar que Rosalina conseguisse mais dinheiro, que Diogo pudesse continuar fazendo nada a troco de algo, ou que Claudia pudesse ser paga para comer seus amendoins enquanto se bronzeia. Por enquanto os partidos parecem estar se contendo e colocando poucas pessoas nas ruas e nenhum dos entrevistados voltou à função de cabo eleitoral para o período de campanha do mês de outubro. Pena, só durou um mês.

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