O humor como 'arma' política: para não ser mais um na multidão

25 de novembro de 2014


Candidatos “personagens” são cada vez mais frequentes no cenário eleitoral brasileiro apostando na estratégia do excêntrico mas com plataformas políticas difusas

Bruno Marques, Luíza Calaça e Nycolas Santana

Placas de publicidade eleitoral em todas as janelas, panfletos com o rosto de candidatos espalhados pelo chão e carros de som gritando jingles políticos evidenciam que, no município de São João de Meriti, onde Regina Célia de Souza Bento mora, às vésperas da eleição, a política marca presença. A casa fica nos fundos e logo na entrada uma placa de publicidade carrega o nome e a foto de sua personagem: Super Zefa Ostentação, “Aqui o seu voto tem poder”. A ideia foi criada inicialmente com o intuito de integrar um programa de humor da televisão, sem sucesso. Regina optou então por se lançar na política como candidata a vereadora.

A presença de “personagens” políticos nas eleições brasileiras cresceu nos últimos anos. São sósias do Barack Obama, Raul Seixas, Hulk e Mick Jagger. Há também super-heróis como Super Zefa, Homem-Aranha e Rocha do Sucatão (o "Transformers da População"). 

A entrada de pessoas do meio artístico e esportivo no campo da política abriu espaço para o surgimento e a consolidação destes “personagens”. Quando em 2010, Tiririca foi o deputado federal mais votado, com 1,3 milhão de votos em todo o país, ele se tornou também o cabo eleitoral do PMN. Essa foi uma estratégia pensada para angariar a maior quantidade de votos para a legenda do seu partido.

Candidatos com esse perfil são personagens criados com a certeza de que não irão trazer propostas mentirosas ou desonestas. O que os marca é justamente essa falta de uma plataforma bem definida e a exploração de sua figura como objeto central de sua campanha.

O contexto de democratização do Brasil na década de 80 incentivou a utilização de ferramentas de marketing na política A professora de Publicidade da Universidade Federal Fluminense (UFF) Andrea Medrado explicou o contexto favorável.  “O Brasil tem uma tradição muito marcante de mídia comercial inspirada nos moldes americanos. A publicidade sempre teve um papel de destaque. Ao combinar essa tradição com o sistema multipartidário brasileiro, temos uma combinação muito favorável ao marketing político”, analisou Andrea.

Contudo, antes de elaborar uma campanha, o marqueteiro precisa realizar uma pesquisa quantitativa, de opinião, e uma qualitativa, para obter um diagnóstico do candidato. Andrea acrescentou ainda o exemplo da candidata à Presidência Marina Silva (PSB). “A estratégia foi apresentá-la como a nova política, e deve ter surgido da constatação de que há um forte desejo de mudança entre os eleitores.”

Estratégia do excêntrico


No caso da Super Zefa, a cada eleição ela assume uma identidade diferente baseada no contexto político do país. Em 2008, alegando que seu município vivia “na era das cavernas” criou a personagem “Zefa das Caverna”. Dois anos mais tarde, após o escândalo dos “Anões do Orçamento” – esquema de fraude no Congresso Nacional -, assumiu a personagem “Zefa de Neve”. Em 2012, diante da CPI das Milícias no Rio de Janeiro, criou a “Bat Zefa”.

O cenário político brasileiro permite que nas eleições haja um número elevado de partidos políticos, candidatos e cargos - nas eleições deste ano, o eleitor votou para presidente, governador, deputado estadual, deputado federal e senador. Desta forma, a estratégia de alguns candidatos foi se destacar no meio desta multidão. 

Sem plataforma política definida, apostam na estratégia do excêntrico. “É muita gente e é muita informação. Acredito que a estratégia seja mesmo a de se fazer lembrar, mesmo que pelo aspecto bizarro. Falem mal, mas falem de mim”, explicou a professora da UFF. Nesse contexto, entra também a questão do humor. “Já que as pessoas estão muito descrentes com a política, pelo menos podem dar algumas boas risadas com personagens como a Super Zefa no horário eleitoral na TV”, afirmou Medrado.

O cenário político brasileiro vem sendo marcado por alianças partidárias que ocorrem em busca de maior representatividade no Congresso. Segundo o sociólogo e também professor da UFF Carlos Eduardo Fialho, essas alianças são feitas ao sabor dos interesses eleitorais ou eleitoreiros. “Descaracterizam de tal maneira os partidos que não só a instituição partidária, mas também a personagem candidata vê como resultado a otimização de votos”, completou o sociólogo. 

A deformação ideológica partidária transforma o cenário político, gerando descrença nos atuais candidatos. A própria Super Zefa se disse apartidária. “Prometi que a cada candidatura me lançaria em um partido novo. Quero conhecer quem está por trás de cada um, já que não tenho um partido próprio”.

Zefa passeou por diversos partidos políticos, como forma de conseguir a maior quantidade de votos. “Meu primeiro partido foi o PFL. Escolhi porque em 2004 era o partido que ia ter o maior tempo na televisão, já que eram apenas quatro candidatos para aquele tempo todo”, diz Regina. “Naquela época, para conseguir 500 votos em São João de Meriti você tinha que investir muito em propaganda. Consegui 1030 votos”. Regina circulou com seus personagens também pelo PT do B (em 2006 e 2014), PR (2008), PMN (2010) e DEM (2012).

Dessa forma, a conjuntura política atual legitima a candidatura destes personagens. “O cara se lança como Vaca Brava, Gato do Trem, Super Zefa porque a bizarrice da política brasileira dá esse espaço", continuou Fialho. “A objetividade dos fatos políticos autoriza o seu surgimento, ou seja, no imaginário do candidato ele está garantido pelo panorama que ele vê”.

Repercussão 

Questionada sobre a receptividade do público, Super Zefa contou que muitos eleitores abraçam a ideia e aceitam sua personagem facilmente. No entanto, a aprovação não é unânime. “Ao mesmo tempo em que uns aceitam, uns dizem: 'está maluca?'. A política é uma coisa séria. E não vai nem pesquisar quem eu sou, saber das minhas intenções.”

Em breve entrevista realizada com eleitores para saber a opinião sobre estes candidatos personagens, respostas variadas sintetizam o pensamento do brasileiro. O advogado Felipe Lima acredita que “não podemos julgar um livro pelo título. Às vezes tem nome engraçado, mas ótimas propostas. Teria que analisar e ver se votaria ou não”. Já Maria Luiza Dias, secretária, acha que eleição é coisa séria, e muitos desses candidatos agem como “palhaços” e que esses “apelidos são desnecessários”. 

Uma condição imposta pela própria Regina para se manter na carreira política é a aprovação do público em sua maioria. “Só continuo se tiver 80% de aprovação. Quando eu não tiver mais essa aprovação, eu saio disso”.

Regras

De acordo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o cidadão com nacionalidade brasileira, pleno exercício dos direitos políticos, alistamento eleitoral, filiação partidária, domicílio eleitoral na circunscrição e idade mínima de 35 anos para presidente ou vice, senador, governador e vice e 21 anos para deputados federais e estaduais pode disputar cargo eletivo. Entretanto, cada partido político ou coligação só poderá requerer registro de um candidato a presidente da República com seu respectivo vice, um candidato a governador e seu vice, um candidato a senador e até 150% o número de lugares a preencher de deputados federais ou estaduais.

 “Eu procurei um partido para me candidatar e perguntei se haveria alguma implicação jurídica em participar com um personagem. Disseram-me que não. Pesquisei no TRE (Tribunal Regional Eleitoral), e não havia nada que impedisse você de se candidatar como quisesse. Você pode ir de chapéu, com ou sem óculos, criar um personagem. Do jeito que quiser”, explicou Regina em relação à sua primeira candidatura. “Eu fui a primeira personagem política em 2004. Até então ninguém tinha se candidatado como um personagem propriamente dito”, garante.

Segundo Fialho, a descrença da população e indefinição no panorama da política favorecem a candidatura destes personagens. Eles aproveitam o sentimento de indignação para se lançar em busca de votos como forma de se destacar perante os demais. O marketing é feito através da própria figura.

O uso corrente de discursos genéricos é o método mais eficiente que esse tipo de candidato tem para propor uma nova visão sobre como pensar a política. “A Super Zefa é o discurso da ação. 'Eu sou a Super! Eu tô aqui pra resolver!'”, destaca Carlos Eduardo Fialho. “Ela se faz notar pela capacidade de produzir um estardalhaço no cenário político, não pela suas propostas e sua plataforma.”

Diversidade de bandeiras

A criação de Zefa foi uma estratégia pensada por Regina, que se diz indignada com a política atual do país. “Achei que não podia ficar parada sem fazer nada, só observando da cadeira de balanço.” A exploração da figura do personagem é uma forma que ela encontrou de driblar a barreira financeira e diminuir a distância entre os outros candidatos.

A candidata a deputada federal apresenta há dez anos a mesma plataforma política baseada em três bandeiras: defende os idosos, os animais e as crianças. “Tudo que eu puder fazer por eles eu farei. Não tenho como dizer exatamente o quê, porque depende do que vão me deixar fazer lá”.

Fialho critica a falta de experiência no âmbito das plataformas propostas pelos candidatos. “Você não tem uma atuação, uma história, um acúmulo de experiência em trabalhos relacionados no âmbito das suas plataformas. Se você não tem isso, qual é a sua proposta? É eleitoreira.”

Ainda em fase inicial de estudo, o sociólogo apresentou uma conclusão para explicar a candidatura desses personagens. “Esses políticos aproveitam a espetacularização da política para tirar proveito”. E de fato, graças a seus contatos políticos e sua exposição midiática, Regina tem conseguido ajudar famílias, amigos e vizinhos a resolverem problemas pessoais, sejam eles médicos, legais ou burocráticos.

Regina é formada em Direito pela Estácio de Sá e está cursando Jornalismo na Unigranrio. Seu discurso é uma mescla do tom sério e acadêmico com o descontraído e o bem humorado. “Ela caminha na contramão de tudo que eu faço. A Zefa não está dentro de mim, ela está ao meu lado. Eu sou tímida, ela é mais extrovertida. Às vezes ela quer fugir de mim!”, conta, em tom descontraído.

A primeira experiência na política foi sua candidatura a vereadora pelo município de São João de Meriti, atendendo pelo nome de “Zefa, a Emergente Brega da Baixada”, em 2004. O comerciante Antônio de Souza, marido de Regina, afirma que por ter boa repercussão, a esposa não cogita se candidatar de "cara limpa". “Essa posição dela atrapalha muito pouco; ajuda mais do que atrapalha.”

Regina assume que gostaria de criar seu próprio partido político e chamá-lo de PQP, o “Partido do Qoração (sic) Partido”. 


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