Jovens do 'Vem para rua' não atendem ao chamado do 'Vem para urna'

22 de novembro de 2014

De acordo com dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), número de eleitores entre 16 e 17 anos é 30% menor que 2010, e apenas um quarto dos jovens dessa faixa etária optou por  votar este ano

Charles Soares

Em junho de 2013, manifestações de rua tomavam conta das principais cidades, mostrando uma população jovem disposta a tomar atitudes para mudar os rumos políticos do país. “Vem pra rua”, “O gigante acordou” e “Esse governo não nos representa” eram algumas das frases que ecoavam e se difundiam em hastags nas redes sociais. Uma onda de civismo e patriotismo revestia-se de esperança, contagiava a geração mais jovem e despertava lembranças de quem viveu outros grandes momentos históricos, como a abertura política marcada pelas “Diretas já” nos anos 1980 (movimento que lutava por eleições diretas para presidente, depois de duas décadas de Ditadura). 

Mais de um ano depois, a euforia parece não ter sido a mesma. Às vésperas das primeiras eleições após as Jornadas de Junho, como ficou conhecido o movimento, números do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) demonstraram um distanciamento dos jovens das urnas. De acordo com o TSE, o número de eleitores entre 16 e 17 anos que tirou o título de eleitor e, portanto, estava apto a votar era de 1.638.751, o que representa 30% a menos se comparado aos 2.391.352 registrado em 2010, data das últimas eleições gerais.

Eleitorado brasileiro está envelhecendo, afirma ministro

O ministro Dias Toffoli, presidente do TSE, em entrevista concedida à imprensa no dia 9 de junho, para falar do perfil do eleitorado brasileiro em 2014, citou três possíveis razões para justificar essa diminuição do número de eleitores de 16 e 17 anos: envelhecimento natural da população, mudança na metodologia de medição da faixa etária e motivações políticas. 

“De dois em dois anos esse número [eleitor jovem] tende a diminuir, devido à queda da fecundidade e natalidade da população brasileira”, explicou o ministro. Ele apontou os dados do IBGE para justificar a diminuição natural em perspectiva a cada eleição dos eleitores mais jovens em relação aos mais velhos. 
A segunda justificativa dada por ele foi a de que houve uma mudança na metodologia utilizada para aferir a idade dos eleitores. “Até as últimas eleições, a idade era contabilizada até dia 30 de junho. Sendo assim, se o eleitor fizesse 18 anos no dia da eleição, ele ainda estaria no rol dos 16 a 17 anos. Para este pleito, o TSE calculou a faixa etária do eleitorado já com a previsão de quantos anos cada sufragista terá no dia da votação”, argumentou Toffoli.

Porém o ministro reconheceu que apesar da questão do envelhecimento natural da população, como mostram os dados do IBGE, e da nova metodologia é possível que haja razões políticas que influenciaram na redução do número dos eleitores mais jovens não obrigados a votar. Mas o presidente do TSE não quis detalhar sua interpretação. Ainda que o TSE tenha veiculado na grande mídia campanhas de incentivo à participação do jovem no pleito eleitoral com o tema “Eu me represento: eu voto” e o slogan “Vem para a urna”, o resultado não foi tão satisfatório, uma vez que os números apresentados pelo próprio TSE representam apenas 25% da população desta faixa etária, 16 e 17 anos, segundo os últimos dados do IBGE.

'Já que é facultativo, prefiro não votar'

Andressa Abelha, aluna da segunda série do ensino médio da FAETEC - Escola Técnica Helber Vignoli Muniz, no município de Saquarema, faz parte da maioria da turma que optou por não tirar o título de eleitor para votar nestas eleições. Três de cada quatro alunos desse segmento de eleitores que podem escolher entre votar ou não votar  sem violar a lei eleitoral, decide não votar. Uma pequena abordagem entre dezenas de alunos converge para o desinteresse pelo processo eleitoral.

Andressa tomou a decisão de não votar por não se sentir preparada. “Já que é facultativo, prefiro não votar. Não quero decidir quem vai estar à frente das principais decisões políticas do meu país, se não consigo discernir um bom candidato. Hoje em dia você assiste à propaganda política e não consegue ouvir propostas. Cada candidato possui uma performance engraçada, chamativa que em nada esclarece sua plataforma ou suas intenções políticas”, disse ela, em tom exaltado.

Andressa Abelha - de casaco escuro - e seus colegas da FAETEC - Escola Técnica Helber Vignoli Muniz.

Já Marcos Calebe, aluno da terceira série do curso de hospedagem da mesma escola, foi um dos poucos da turma que tirou o título de eleitor. Ele nunca cogitou a possibilidade de abrir mão do direito de votar nas eleições. Ressaltou também a importância que vê em exercer a cidadania. “Acho muito importante o ato de votar. Por mais que digam que é apenas um voto, acho que a simbologia envolvida nesse ato é muito grande, pois muita gente lutou e até morreu no passado para que tivéssemos hoje esse direito”, disse ele. 

Legado das manifestações

De acordo com Andrea Medrado, especialista em marketing político e professora de Publicidade da UFF, esse desencanto dos jovens com as eleições não chega a ser surpreendente. Existem alguns fatores que podem ajudar a explicá-lo. As manifestações cresceram e ganharam corpo de maneira orgânica. Elas explodiram num momento em que existia um clima muito favorável para ir às ruas e representaram um verdadeiro caldeirão que reunia as mais variadas reivindicações. O que, aliás, não foi uma característica única das manifestações brasileiras. Outros movimentos que aconteceram em cidades como Nova Iorque e Londres já haviam sido criticados por não apresentar uma agenda unificada. Na opinião da especialista, essa diversidade e ambiguidade foram, ao mesmo tempo, os pontos fortes e fracos das manifestações. 

“Fortes porque conseguiram reunir um número expressivo de pessoas, principalmente jovens, em torno de um profundo desejo de mudança. E fracos porque, posteriormente, foi essa mesma diversidade que começou a revelar as fissuras ideológicas que existiam entre os diversos grupos, o que acabou por enfraquecer o movimento”, explicou ela.

Segundo Andrea, as ações do governo ou dos grupos políticos que atuam nas diversas esferas e modalidades de poder contribuem significativamente para minar a esperança e a confiança do jovem nas instituições políticas vigentes. O fato de a maior parte das reivindicações - como o projeto para tornar a corrupção um crime hediondo e as melhorias em educação, saúde e transporte - não ter sido atendida de forma satisfatória acabou contribuindo para aumentar o sentimento de desencanto. “Muito foi dito nessas eleições sobre o fato de haver um forte desejo da população por mudanças. Parece-me que nenhuma das opções apresentadas como alternativas ao atual governo tenha conseguido representar essa verdadeira mudança” concluiu.

Há quem não veja nessa diminuição do número de eleitores um caso pontual e sim uma pequena amostragem de uma questão muito mais complexa. De acordo com o jornalista Ricardo Machado, não devemos associar esse fato às manifestações ocorridas em junho do ano passado, que, segundo ele, não foram um movimento exclusivamente de jovens. Ele afirma que havia pessoas de todas as idades, de diversas categorias profissionais e classes sociais. 

“A desilusão que acomete, de modo geral, a população, em relação à pouca qualidade/representatividade dos candidatos, tanto na esfera estadual como federal, desencoraja e desmotiva o voto entre os jovens que não são obrigados a votar. Só que aos maiores de 18 a lei não dá a opção de não votar. Se fosse garantido a nós esse direito, certamente o comparecimento às urnas seria bem pequeno.” 

Ainda segundo o jornalista, a carência de vínculos partidários, propostas objetivas e ideologias é o principal fator responsável por deturpar os conceitos da função política e afastar cada vez mais o cidadão do processo eleitoral. “As pessoas acabam não se identificando com aqueles que deveriam lhes representar. Essa representação, na visão do eleitor, simplesmente não existe. E isso acontece com eleitores de qualquer faixa etária, não acho que seja um problema do jovem apenas”, afirmou ele.

Para Ricardo Lima, chefe de cartório da 62ª Zona Eleitoral em Saquarema, os jovens de hoje são mais preparados do que podemos imaginar. A internet, a mídia, a informação de um modo geral está ao seu alcance e ele tem maturidade suficiente para se engajar no processo político. “Não vejo o afastamento dessa parcela de eleitores do processo eleitoral como alienação ou desinteresse. Vejo sim como resposta ao modelo político instituído. Optar pelo não voto é sinal de amadurecimento, é um posicionamento também, uma forma de dizer que ele não quer participar de algo em que não acredita” concluiu.

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