Brasil é líder mundial em número de cesáreas

4 de novembro de 2014

Por que o número de cesáreas aumentou tanto no Brasil e quais são as alternativas de parto?

Carolina Lopes


O Brasil é o líder mundial de cesáreas, com mais da metade dos partos realizados por meio de cirurgia. Do total de nascimentos, 52% são cesarianas. O número é bem maior que os 15% recomendados pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Na rede privada, esse índice chega a 88%. Esses dados foram apresentados pela pesquisa Nascer no Brasil: Inquérito Nacional sobre Parto e Nascimento (divulgada em maio deste ano), coordenada pela Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) – Fiocruz.

Os idealizadores da pesquisa se basearam em estudos que apontam riscos pós-cesariana, influência do tipo de parto no aleitamento após a primeira hora de vida do bebê e números já existentes em relação à cesariana no Brasil – de 1994 a 2007, por exemplo, a proporção de cesáreas aumentou 44% no país. Outro fator apontado pela pesquisa foi o aumento de prematuridade no Brasil, que tem como uma das causas o crescimento do número de cesarianas e, ainda, a indução do parto.

A Nascer no Brasil entrevistou 23.940 mulheres em 266 hospitais públicos e privados localizados em 191 municípios, entre fevereiro de 2011 e outubro de 2012.

Há, ainda, uma diferença entre o desejo inicial da mulher e o resultado final do parto. A pesquisa aponta que 28% das mulheres querem a cirurgia desde o início da gestação, mas 52% acabam por fazê-la. Muitas vezes, a indicação para cesárea não passa de um pretexto. Muitas mulheres encontram apoio do obstetra para a realização do parto normal, mas chegando ao fim da gestação, elas acabam sendo convencidas de que a cirurgia deve ser feita. Foi o caso de Clarissa Gaio, mãe da Letícia. Desde o início de sua gestação, o parto normal era desejado, mas ela fez cesariana. “Fui praticamente coagida pelo GO (ginecologista e obstetra) que fez o meu pré-natal a me submeter à cesariana. Ele afirmou que meu parto era de risco, pois continha traços de mecônio no líquido amniótico”, conta Clarissa. 

Razões para o alto número de cesáreas no Brasil 

Não há só um motivo que dê conta de responder a essa questão. É um fenômeno multifatorial. “Até o começo do século passado, as mulheres pariam em casa. A realização dos serviços de saúde não contemplava maternidades. Foi ocorrendo a evolução do sistema de saúde e, então, a obstetrícia passou a ser focada no hospital, no médico. As parteiras começaram a parar de existir”, diz a obstetra Bernadette Bousada, que também explicou a questão do início do financiamento pelo Governo Federal. Começou-se a pagar pelos procedimentos médicos para as instituições (Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social – INAMPS, que prestava atendimento médico aos empregados de carteira assinada – e casas de saúde particulares). Eram chamados de indigentes os que não tinham acesso aos Institutos, os que não podiam pagar pelos serviços médicos. 

“Junto com esse movimento da medicalização, da questão financeira, da reorganização do sistema de saúde, veio a tecnologia. Até a metade do século passado, a cesariana significava um risco muito maior do que hoje. Com o advento da tecnologia, com o avanço das técnicas cirúrgicas, dos medicamentos, a cesariana, então, passou a ser um procedimento menos arriscado, mais seguro do que antigamente. A questão financeira influenciou muito. Passou a ser status, porque com aquela mentalidade do indigente, do que não pode pagar, então, só vai parir (parto normal) quem não tem como pagar”, completa Bernadette. 

Começaram a surgir os planos de saúde concomitantemente à desvalorização do médico, à queda na remuneração do médico. Com essa queda, o plano de saúde oferece uma alternativa ao profissional. Ele pode atender 20 pessoas em seu consultório e não mais apenas cinco. O que acaba deteriorando também a relação médico-paciente, pois o paciente passa a ser cliente do plano. Muitas vezes, o médico acaba vendo essa pessoa como ‘mais um’, sem individualidade. Há também a questão da remuneração pelo plano. “Um parto normal pelo plano de saúde paga um pouco mais que uma cesariana. No entanto, as horas de trabalho de parto não compensam a diferença, que não é tão grande. O médico ganha no volume de cesáreas que faz”, diz a formanda em Obstetrícia, Gabriela Hugues.

Há o fator cultural também. “Há os relatos de partos vaginais, cheios de intervenções e de violência obstétrica, que vem passando de mãe para filha desde quando os nascimentos mudaram da casa para o hospital no século passado”, aponta Gabriela. Com todos esses fatores, o parto passa a ser assistido de forma ruim, com muitas intervenções, e vira um procedimento, no lugar de algo fisiológico. Então, esses relatos de partos mal assistidos ficam na memória das pessoas, que acabam preferindo a cesárea. 

Por outro lado, existe a formação do médico. “Hoje o médico é colocado como vilão da história, mas você entende que ele também é vítima de um sistema e que ele foi se envolvendo sem perceber? E que há 20 anos, a cesárea passou a ser o normal? Imagina um obstetra que foi formado numa escola dessas de violência obstétrica. Você pensa que ele acha normal o parto?”, indaga Bernadette. Gabriela também chama atenção para esse fato: “Os médicos são formados num sistema em que eles só aprendem esta maneira de atenção ao parto. O parto é visto como algo perigoso e o parto fisiológico não é respeitado porque eles simplesmente não sabem como fazê-lo”, diz a estudante.

Não se trata de parto normal a qualquer custo

Há algumas indicações absolutas de cesárea, como placenta prévia centro total, apresentação córmica do bebê, sofrimento fetal e quando há risco de contaminação se a mãe tiver AIDS. Placenta prévia centro total ocorre quando a placenta fica na frente da saída do útero, obstruindo a saída. Nessas condições, não há como o bebê nascer por parto normal. Se o útero começar a contrair, a placenta pode sangrar e descolar. Nesse caso, há riscos de morte para a mãe e o bebê. Apresentação córmica é quando o bebê está atravessado. Ele encaixa o ombro ou o braço na saída do útero. Nesse caso, é possível tentar uma manobra para deixar o bebê na melhor posição, mas nem sempre a manobra dá certo. 

Quando é detectado sofrimento fetal, no trabalho de parto, é preciso identificar a maneira mais rápida para o neném nascer. “Por exemplo, a mãe está com cinco centímetros e o neném está sofrendo. Eu sei que para ele nascer de parto normal vai demorar muito mais do que se fizer uma cesárea. Mas se ela já está com nove centímetros e o neném lá embaixo, eu tenho como antecipar esse parto, por via baixa mesmo, dependendo da condição. Se a via mais rápida for a cesárea, ela vai ocorrer”, esclarece Bernadette. No caso da AIDS, é preciso detectar, já no pré-natal, a carga viral da mãe. Há dois casos em que a indicação é a cesárea: carga viral alta e CD4 baixo e carga viral e CD4 desconhecidos. A preferência é por tirar o bebê ainda com a bolsa, para não ter nenhum contato com o sangue da mãe. Mas, com carga viral baixa e CD4 alto, não há indicação absoluta de cesárea. 

Há também alguns mitos. Bebê grande demais, cordão enrolado no pescoço, mais de 40 semanas (normal esperar até 42, monitorando o bebê), se a mulher não entrou em trabalho de parto, se já fez uma cesárea antes. Em todos esses casos, a cesárea não é necessária, segundo a obstetra. E, quando ela não é necessária, há riscos como o de hemorragia, infecção, complicações na anestesia. O bebê pode ter complicações em decorrência da prematuridade, pois na cesariana eletiva, marcada, ele é tirado antes de estar pronto, antes de a mãe entrar em trabalho de parto. 

Parto humanizado

Muitas pessoas optam pela cesárea simplesmente porque acham que é o mais seguro, ou porque estará livre da dor do parto normal ou, ainda, porque não terá que passar por todo o processo do trabalho de parto. Também existem pessoas que não optam pelo parto normal por conta das histórias de parto violento, que passam de geração para geração. Muita gente não sabe que existe uma terceira opção, o parto humanizado. Primeiro, o parto humanizado deve ser entendido no sentido mais simples da palavra ‘humano’. A mulher é respeitada no parto, seja qual for a sua escolha. É preciso perceber também o parto humanizado não como um tipo de parto, ‘tem o normal, a cesárea, o humanizado’, mas uma forma de assistência ao parto que respeita a natureza e as vontades da gestante e sua família. A obstetra Bernadette Bousada enfatiza que até uma cesárea pode ser humanizada. “Uma cesariana pode ser humanizada. Porque humanização é respeito, é segurança. Se para aquela mulher e para aquele bebê o mais seguro, no momento, é uma cesariana, isso é humanização. Forçar o parto normal não é humanização”, diz. A humanização entende o parto como um evento fisiológico, não como um procedimento médico e dá protagonismo à mulher. 

Um movimento que vem crescendo junto com o de humanização é o de parto domiciliar. Em casa, o processo é acompanhado com segurança, sem nenhum tipo de intervenção. Um estudo provou a segurança dos partos domiciliares na Holanda (onde aproximadamente 35% dos partos são realizados em casa e a taxa de cesárea é inferior a 15%). O estudo analisou 529.688 partos domiciliares ou hospitalares planejados em gestantes de baixo risco. O estudo mostrou que não há diferenças significativas em relação à morte perinatal em partos domiciliares e hospitalares. A conclusão foi de que o parto domiciliar não aumenta os riscos de mortalidade perinatal, desde que o sistema de saúde facilite esta escolha através da disponibilidade de parteiras bem treinadas e um bom sistema de transporte. 

O problema é que, no Brasil, a estrutura para os partos domiciliares não é como na Europa, como explica Bernadette. “Na Europa, o modelo é esse. Existem cooperativas de parteiras ou parteiras pagas pelo governo que fazem avaliação da casa da mulher. Existem também as casas de parto. Aqui a gente não dispõe de um sistema que propicie isso; existe uma caça às bruxas. Quem atende domiciliar é tido como maluco”, afirma. 

O parto em casa é aconselhável apenas para gestantes de baixo risco. A mulher que tenha qualquer potencial de complicação da gravidez ou do parto não é aconselhada a parir em casa. A equipe de saúde orienta a gestante quando não é aconselhável para ela ter o parto domiciliar. Mas a escolha é sempre da mulher. Como a gestação é de baixo risco, o parto pode ser acompanhado por uma enfermeira obstétrica ou uma obstetriz – ou parteira (é quem fez graduação em Obstetrícia, que hoje só é oferecida na Universidade de São Paulo – USP). O acompanhamento do médico obstetra é recomendado quando há alguma complicação ou quando essa mulher precisa ser transferida para um hospital. Mas, novamente, a escolha da equipe de parto é da mulher. 

Apoio às gestantes

Existem alguns grupos de apoio às gestantes pelo Brasil. Um deles é o Ishtar – Espaço para Gestantes. O Ishtar é um grupo que dá apoio informacional, principalmente. Juntando todos os núcleos (Copacabana, Tijuca, Jacarepaguá, Baixada Fluminense e Niterói), as reuniões são realizadas todos os finais de semana. A intenção da criação desse grupo foi, principalmente, informar a respeito das várias opções da mulher. “Na realidade brasileira a gente já vê, diariamente, que é cesárea, cesárea, cesárea. Então a gente viu a necessidade de informar às mulheres que elas têm opções. Elas têm a opção de cesárea, mas também a opção de um parto respeitoso, fisiológico. A intenção foi exatamente essa, ajudar, apoiar e divulgar o parto humanizado, o parto ativo, na verdade, em que a mulher é a protagonista”, explica Ana Lúcia Andrade, uma das coordenadoras do núcleo Copacabana. Fazem parte do Ishtar psicólogas, doulas, consultoras de amamentação, fotógrafas. As reuniões são abertas para mães, pais, avós, a família em geral, até para quem ainda não é gestante. Nas reuniões são discutidos temas a respeito da gravidez, parto e pós-parto. 

Não são exclusivamente grupos que oferecem apoio às mulheres. Uma figura extremamente importante no cenário do parto humanizado é a da doula. Doulas são mulheres treinadas para dar suporte físico e emocional a outras mulheres antes, durante e depois do parto. Considerada uma ocupação desde 2013, de acordo com a Classificação Brasileira de Ocupações, essa profissional não realiza nenhum tipo de procedimento técnico, como esclarece Gabriela Hugues, que era doula e, agora, é formanda em Obstetrícia: “Além do apoio emocional e físico durante o trabalho de parto, a doula pode e deve dar apoio logístico em relação às coisas práticas. No entanto, precisa ficar muito claro que doulas não fazem procedimentos técnicos e seu suporte é físico e emocional, além de logístico. Digo isto, pois muitos confundem o papel da doula e acham que ela acompanha partos, ausculta, faz exames de toque. Todos estes procedimentos são técnicos e não são da alçada da doula”, explica. 

Qualquer mulher com mais de 18 anos pode ser doula, não sendo uma obrigatoriedade trabalhar na área da saúde. Existem cursos de doulas pelo Brasil; dois muito conhecidos são o da Associação Nacional de Doulas (ANDO) e do Grupo de Apoio à Maternidade Ativa (GAMA). Saiba mais sobre as doulas aqui: http://www.doulas.com.br/index.php.


‘O lugar que eu me sentia mais segura mesmo era em casa’

“Depois de ler tanto tudo o que eu já pesquisei, durante tanto tempo, percebi que era o melhor para mim. (...) A garantia, para mim, era essa. Uma equipe particular, que estaria na minha casa. (...) Algumas pessoas do meu círculo familiar são muito importantes para mim, então eu ficava pensando: ‘eu quero que todos estejam comigo’. Se eu for para uma maternidade, vou ter que escolher, porque só tem direito a um acompanhante e olhe lá. Temos o direito, oficialmente, mas nem sempre é respeitado. Isso teve um peso enorme (para decidir parir em casa), não precisar escolher entre estar com o meu marido, que é pai da minha filha ou com a minha mãe. (...) Então foi isso, segurança no atendimento, a presença da minha família e poder estar num espaço que eu reconheço como meu. O lugar que eu me sentia mais segura mesmo era em casa”

(Depoimento de Juliana Matos, 26 anos, formanda em Museologia e mãe da Olga e da Liz)

Juliana e Liz (Foto de Valéria Ribeiro)

Juliana e Liz (Foto de Valéria Ribeiro)

“Senti meu corpo trabalhando para aquilo”

“Eu tive uma cesariana, na primeira gestação, que não desejei e que se mostrou desnecessária. Não tinha nenhum motivo que justificasse aquela cesariana. Fiquei bastante tempo internada num hospital e a sensação é que eu estava ocupando um leito e que eles precisavam que eu recebesse alta. E como eu não queria passar por isso de novo – tive bastante complicação depois da cesariana, inclusive – eu busquei um caminho diferente no nascimento do Miguel. Desde o nascimento da Aninha eu já comecei a estudar sobre a possibilidade do parto humanizado. Descobri que o parto que intitulam como normal nas instituições talvez não seja tão normal assim, porque é cheio de intervenções. E não era isso que eu queria para o Miguel. (...) O Miguel nasceu e eu senti tudo, senti meu corpo trabalhando para aquilo. No parto da Aninha não, me operaram e tiraram ela”

(Depoimento de Natália Meireles, 26 anos, advogada e mãe da Ana Carolina e do Miguel)

Natãlia e seu irmão, Arthur (Divulgação da família)
Natália e Miguel (Divulgação da família)

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