Autoridades preparadas para evitar eventual caso de ebola no Brasil?

11 de novembro de 2014

Médica infectologista Otília Lupi, em entrevista à Agência Fiocruz de Notícias, afirma que probabilidade de um infectado chegar ao país é mínima, mas situação preocupa sindicato dos aeroviários no Rio de Janeiro.

Ricardo Faria e Bruno Gavina

O atual surto de ebola já matou 3.439 pessoas na África Ocidental, segundo o boletim da Organização Mundial de Saúde (OMS), publicado no site da organização no último dia 3 de outubro. O atual surto é o mais extenso e duradouro desde que o vírus foi identificado, em 1976. O boletim quantifica em 45,9% o número de mortos em um universo de 7.492 infectados registrados em cinco países africanos. A maior parte dos casos fatais de ebola ocorreu na Libéria, Serra Leoa e Guiné. Na Libéria, o país mais afetado, cinco pessoas são infectadas a cada hora que passa, segundo a ONG Save the Children.

Em março, a OMS informou a possibilidade de um novo surto e passou a emitir boletins quase diários acerca da sua evolução. Em setembro, o secretário-geral das Organizações das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-Moon, telefonou para vários líderes globais pedindo mais empenho da comunidade internacional no combate ao vírus. Para a diretora da OMS, Margaret Chan, o surto superou a capacidade de resposta dos governos e parceiros. O Brasil, que tem um intenso fluxo de pessoas e bens em países relativamente próximos ao epicentro da epidemia, tais como Nigéria, Angola e Moçambique, vem acompanhando de perto a situação. 


Sintomas, transmissão e tratamento

De acordo com o Ministério da Saúde (aqui), o ebola produz uma doença cujos sintomas são o “início súbito de febre, fraqueza intensa, dores musculares, dor de cabeça e dor de garganta” seguidos de “vômitos, diarreia, disfunção hepática, erupção cutânea, insuficiência renal e, em alguns casos, hemorragia tanto interna como externa”. Todo caso suspeito deve ser notificado imediatamente às autoridades de saúde das Secretarias municipais, estaduais e à Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS) por um dos seguintes meios: telefone 0800.644.6645, preferencialmente; e-mail notifica@saude.gov.br ou formulário eletrônico no site da SVS.

“Existe uma evolução relativamente rápida, em alguns pacientes, para a forma hemorrágica grave, na qual há falência múltipla dos órgãos. Também acontece um distúrbio que leva à Coagulação Intravascular Disseminada (CIVD), que ocasiona sangramentos na mucosa, no intestino e no útero. Geralmente, é uma evolução para a forma terminal da doença”, informa a médica infectologista Otília Lupi, em entrevista à Agência Fiocruz de Notícias (aqui).

A transmissão só ocorre após o aparecimento dos sintomas e se dá por meio do contato direto com sangue, tecidos ou fluidos corporais de indivíduos e/ou animais infectados ou do contato com superfícies e objetos contaminados por esses fluidos. Nunca pelo ar. O vírus tem um período de incubação, isto é, o tempo entre a infecção e o aparecimento dos sintomas, de um até 21 dias: durante este período, a pessoa infectada não transmite o ebola. 

Não há, ainda, tratamento específico para a doença. Alguns tratamentos experimentais têm sido testados, mas ainda não estão disponíveis para uso geral. De acordo com o Ministério da Saúde, as pessoas suspeitas ou confirmadas de ter a doença “devem ser isoladas de outros pacientes e tratadas por profissionais de saúde usando equipamentos de proteção”.  Alguns pacientes podem se recuperar se receberem tratamento médico adequado, que envolve “a reidratação oral com soluções que contenham eletrólitos e fluidos intravenosos” visto que geralmente ficam desidratados.

Diferenças estruturais e culturais

Para Lupi, as diferenças estruturais e culturais entre os países infectados e o Brasil influenciam a dinâmica da epidemia: “A relação médico-paciente lá é de 1 para 10 mil pessoas, um número totalmente ineficiente. Nós não temos isso no Brasil”.

A prática funeral de preparo dos corpos pelos familiares que procedem a uma lavagem esvaziando o conteúdo intestinal,  tradicional naquela região da África, foi e continua sendo disseminadora do vírus. “Os agentes do CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças, agência de saúde norte-americana) que foram para localidade perceberam que essa prática estava no centro da disseminação da doença e, com muita dificuldade, fizeram um acordo para que a população realizasse essa prática com toda segurança de contato. A epidemia reduziu depois dessa iniciativa, pois pararam de surgir casos secundários. Ainda assim, muitas famílias, devido à tradição, se vissem que o paciente ia morrer, acabavam pegando o corpo e enterrando em algum local sem comunicar a ninguém”, relatou Lupi.

Outros hábitos locais,  como a caça e o consumo de animais silvestres, também são disseminadoras do vírus e não fazem parte da nossa cultura. Portanto, segundo Lupi, “caso sejam confirmados casos no Brasil, o que devemos ter aqui é uma estrutura que esteja preparada para os eventuais óbitos, sepultamento imediato e, em alguns casos, incineração de material utilizado durante o tratamento”.

Não há voos diretos entre os países afetados e o Brasil. O contato, portanto, é reduzido. O fato de o vírus poder ter um período de incubação longo dificulta o trabalho das autoridades, pois o infectado pode sair das áreas infectadas para outros países sem sintomas da doença e viajar para o Brasil. “A pessoa pode dar a volta ao mundo algumas vezes, sem estar com os sintomas”, declarou Lupi.

Probabilidade mínima

Na entrevista à Agência Fiocruz de Notícias, Lupi considera que, enquanto o vírus se restringir apenas às atuais áreas infectadas, a probabilidade de um infectado chegar aqui é extremamente baixa. “Devido a estudos sobre a malária (doença que tem uma dinâmica semelhante em relação à vigilância, mas não na transmissão) no Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas, sabemos que 49% dos pacientes febris notificados no Brasil são oriundos da África e da Ásia, sendo a maior parte da Angola e de Moçambique. O trânsito entre o Brasil e estes países é maior porque há grandes empresas brasileiras funcionando nesses lugares, em especial de prospecção de minério e empreiteiras.” Essa é, na verdade, “a grande questão”. Se a epidemia se alastrar até a Nigéria, Angola ou Moçambique “os riscos serão maiores”. Aliás, foram confirmados, até o início de outubro, 20 casos na Nigéria, dos quais oito morreram.

Aeroviários em alerta

Os trabalhadores dos aeroportos estão preocupados, dizem os representantes sindicais. Desconhecem se as empresas de aviação ofereceram algum tipo de formação aos funcionários. Para Carlos Lopes, do Departamento Financeiro do Sindicato Municipal dos Aeroviários do Rio de Janeiro (Simarj), “as empresas de aviação deveriam ser responsáveis por informar os aeroviários acerca desta doença que nos deixa preocupados”. 

Indagado sobre a simulação contra a contaminação do ebola realizada pelo Ministério da Saúde no Aeroporto Internacional Antônio Carlos Jobim, Galeão, no dia 29 de Setembro, Lopes duvida que todos os aeroviários saibam lidar com um possível infectado. “Teve essa simulação mas duvido que todos os aeroviários receberam formação”. A reportagem não conseguiu contactar nenhum representante da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) nem do sindicato que representa as empresas de aviação.

Fechamento das fronteiras

O fechamento das fronteiras dos países afetados é uma medida que deve ser analisada com cautela pois afeta economicamente as nações envolvidas. “Se lembrarmos do surto de Sars [Síndrome Respiratória Aguda Grave] na China, aparentemente, parecia que o país inteiro tinha sido afetado, mas foi apenas uma pequena província. A região sofreu muito com todo o fechamento em torno dela, mais do que pela própria doença. Existem artigos científicos publicados que indicam que o impacto financeiro matou muito mais que a própria enfermidade. Por isso, a OMS é tão cuidadosa em elevar o nível de alerta e realmente fechar as fronteiras, pois pode ser uma ação ineficaz que, no fundo, leva mais dano a uma população que, de fato, está precisando é de ajuda”, lembrou Lupi.

O pesadelo da mutação

Num artigo do New York Times, Michael T. Osterholm, diretor do Centro de Pesquisa para Doenças Infecciosas da Universidade de Minnesota, escreveu que os virologistas ao redor do mundo podem não estar comentando abertamente a possibilidade do vírus ebola sofrer uma mutação que o torne transmissível pelo ar mas estão certamente considerando a hipótese entre círculos mais restritos de pessoas (aqui). Osterholm argumenta que o atual vírus tem sido transmitido entre humanos nos últimos quatro meses em um ritmo inédito nos últimos 500 ou mil anos, o que aumentariam as chances de uma mutação.

O chefe da missão da ONU para o ebola, Anthony Banbury, admitiu que o cenário "é improvável, mas que não pode ser descartado", em entrevista ao jornal britânico The Telegraph. “Quanto mais tempo o vírus permanecer hospedado em humanos, maiores são as chances de mutação”, declarou Banbury.

Marcos Olivier Dalston, médico infectologista do Hospital Universitário Antônio Pedro (Huap), também comentou sobre essa possibilidade: “A transmissão por via aérea em determinadas circunstâncias é possível mas não tem sido observada até o momento. Quanto à mutação, é possível no futuro.”

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