9 de novembro de 2014
Estudantes afirmam que a restrição da emergência apenas para casos de alta complexidade prejudica o aprendizado e a formação de novos profissionais
Gilberto Simões Perez dos Santos
A emergência do Hospital Universitário Antônio Pedro (Huap), em Niterói, tornou-se uma unidade referenciada em 2008. A partir de então, apenas os pacientes encaminhados pelos serviços de pronto atendimento passaram a ser atendidos. Para os alunos de Medicina e Enfermagem da Universidade Federal Fluminense (UFF), esse quadro precisa mudar. O problema, de acordo com os estudantes, é que a direção do hospital se recusa a discutir a situação da emergência quanto à forma de entrada dos pacientes. No dia 18 de outubro de 2013 houve uma audiência pública na Câmara de Vereadores de Niterói para iniciar um diálogo sobre o assunto. Alunos, servidores e gestores foram convidados para o debate, porém representantes da direção não participaram. Com a mudança no perfil da emergência, o hospital, responsável pelo atendimento a cerca de dois milhões de pessoas, em Niterói e municípios vizinhos, recebe somente os casos de alta complexidade oriundos da rede de saúde, o que, para os estudantes, prejudica o aprendizado.
O aluno de Enfermagem e membro do Diretório Acadêmico do curso Matheus Braz acredita que a ausência de uma unidade de emergência no hospital desvaloriza o currículo dos alunos. “A emergência é essencial tanto para nossa formação na universidade quanto para o atendimento à população desses municípios do entorno de Niterói. A ausência da emergência desvaloriza um pouco o nosso currículo na universidade. Por isso, somos a favor da reabertura. A gente deixa de ver muita coisa. No último período temos os estágios curriculares e escolhemos no que vamos atuar. A emergência poderia ser um deles. A emergência referenciada é um ambiente mais calmo. Temos alguns pacientes internados, mas não é aquela emergência onde vai aparecer, por exemplo, um politraumatizado (paciente que sofre diversos traumas)”, disse o estudante.
Os alunos do Diretório Acadêmico Barros Terra (DABT), do curso de Medicina, têm uma opinião semelhante à de Matheus. Eles acreditam que o fato de o Huap receber somente os casos de alta complexidade faz com que eles deixem de ver situações básicas da profissão, próprias de um convívio diário dentro de um hospital. Os alunos são muito críticos ao modelo de gestão da direção, principalmente nesse ponto, porque, segundo eles, a prioridade da gestão não é a educação e sim o desenvolvimento do hospital.
“A intenção da direção é tornar o Antônio Pedro um hospital de referência e deixá-lo cada vez mais especializado, mas esquecem que é um hospital universitário e precisa ser voltado para o ensino. Não que a direção queira abandonar o ensino intencionalmente, só não o tem como prioridade. O projeto principal é melhorar a estrutura física do hospital e ser de alta complexidade. Muitos professores concordam. A gestão dele é muito boa para dar nome ao hospital e transformá-lo numa referência. O problema é que, para o ensino universitário, isso é ruim. O fato de receber somente pacientes graves faz com que o hospital não tenha uma rotatividade, o paciente fica muito tempo internado aqui e os professores levam os alunos para ver o mesmo paciente várias vezes, o que gera um desgaste para ele e prejudica o aprendizado do aluno”, afirmaram representantes do diretório.
Os alunos acreditam que a reabertura da unidade de emergência do Antônio Pedro não é importante só para o ensino, mas também para a população de Niterói, São Gonçalo, Itaboraí, Tanguá, Maricá e Rio Bonito, que seria atendida pelo hospital diretamente e que hoje precisa ir a uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) para ser encaminhada ao hospital. Além disso, não são todos os pacientes que conseguem esse atendimento, devido ao baixo número de leitos. A fila de espera para o atendimento é demorada. Ronaldo Gismond, clínico-geral do Hospital Antônio Pedro e ex-aluno da UFF, acredita que a emergência é importante para o aprendizado, mas avalia que existem modos de capacitar os alunos sem a emergência no Huap.
“O ideal é que o aluno da UFF, para complementar o aprendizado, pudesse ter um acesso maior às unidades de pronto atendimento e que nós, do Antônio Pedro, ficássemos mesmo com os casos de maior complexidade. Alguns têm acesso através de estágios da rede estadual, mas não é uma coisa que acontece para todos os alunos”, afirmou Gismond.
O principal motivo para o médico defender que a emergência continue fechada, pelo menos por enquanto, é a falta de recursos humanos no hospital. Segundo ele, houve poucos concursos para novos médicos nos últimos anos e por isso faltam profissionais para atender a demanda de pacientes, pois alguns profissionais se aposentam e não há reposição. Segundo Gismond, enquanto não houver concursos para a entrada de novos profissionais é impossível reabrir a unidade de emergência e prestar um serviço de qualidade para a população.
“Nos últimos 10 anos quase não houve concursos para médico do hospital, muitos médicos se aposentaram e não tem reposição. Não sei se está claro para todo mundo, mas acho que os alunos não percebem sempre a diferença entre o professor e o médico do Huap. O professor é pago para dar aula Ele não é obrigado a dar plantão nem prestar assistência no hospital. Muitos fazem, mas não são obrigados. O médico é contratado para prestar assistência, ajuda o aluno a aprender no estágio, mas a função é prestar assistência ao paciente e esse concurso quase não houve”.
Falta de leitos prejudica o atendimento
Os alunos reafirmaram essa falta de profissionais, mas acreditam que não é algo difícil de ser resolvido. Além da falta de profissionais, a escassez de leitos, demanda necessária para reabrir a emergência no hospital, também atrapalha. Em 2008, quando a emergência foi fechada, o argumento utilizado é que seria temporário visando realizar reformas para a reabertura. Diversas obras foram feitas desde então, mas nenhuma delas para criar a estrutura necessária para a volta da emergência. O problema é que a Lei nº 5, sancionada e promulgada pela deliberação 2403, de 27 de janeiro de 1964, obriga que o Hospital Antônio Pedro tenha emergência em pleno funcionamento.
Em maio de 2013, o vereador Leonardo Giordano (PT) fez uma indicação legislativa sugerindo o encaminhamento de documentos ao reitor da UFF, Roberto Salles, para que o hospital tenha seu funcionamento completo restabelecido.
A escala do Sistema Único de Saúde (SUS) classifica como primário o centro onde o paciente vai procurar o clínico pela primeira vez. Quando há um procedimento mais complicado, um exame específico, o médico encaminha-o para um centro de referência de nível secundário, as policlínicas, por exemplo. Lá o paciente encontra um especialista e realiza exames de maior complexidade. O nível terciário abrange hospitais de alta complexidade (urgência e emergência), como é o caso do Antônio Pedro. O Huap seria esse centro para a região Leste Fluminense.
EBSERH gera resistência no hospital
A Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH) é uma empresa pública de direito privado criada pelo Governo Federal em 2010 para administrar os hospitais federais. O modelo adotado pela empresa para essa gestão gera controvérsias entre alunos e médicos do Antônio Pedro. Gismond acredita que o principal problema da empresa é o modo como ela é feita, uma parceria entre capital público e privado. A experiência das Organizações Sociais (OS) no estado do Rio de Janeiro faz com que muitos dos profissionais envolvidos na área de saúde sejam contra a entrada da empresa.
“O problema da EBSERH é a forma como é feita. A parceria público-privada já é realizada no município e no estado. Eles fazem um contrato com uma Organização Social (OS) e dão a ela um valor para atingir os objetivos traçados. Esse modelo não é correto, principalmente nos hospitais federais de referência, porque quando você entrega dinheiro para uma OS, você não tem controle sobre quem eles contratam, de quem eles compram e o que eles compram. O governo simplesmente estabelece indicadores de atendimento e dá o dinheiro para a OS adiministrar. O modelo ideal é que o hospital siga as regras como as empresas públicas fazem, tanto as de economia mista, como a Petrobras, quanto as estatais, tipo os Correios. Só contrata por concurso, só demite após um procedimento disciplinar, ou seja, há uma estabilidade no emprego. Só compra por licitação, seguindo regras parecidas com as empresas públicas. Isso seria o ideal, mas não é o que acontece na prática. Por isso é que os alunos e os profissionais são bastante resistentes à questão da EBSERH”, afirmou Gismond.
Segundo o médico, o hospital recebe recursos suficientes para ter um bom funcionamento sem a entrada da empresa. A estrutura física do Huap tem melhorado nos últimos anos. Alguns aparelhos, como um de ressonância magnética, foram comprados. Faltam, porém, profissionais para dar o atendimento adequado aos pacientes. Para isso é preciso que se façam novos concursos.
A entrada do capital privado através da EBSERH é motivo de reclamação entre os alunos. Eles acham que isso pode significar um caminho para a privatização do hospital. Matheus Braz acredita que um dos problemas da entrada da empresa seria também a perda da autonomia do aluno. “A gente acha que a EBSERH vai tirar a autonomia do aluno com o campo prático. Não vai ter mais a disponibilidade de chegar lá de manhã, ter o nosso estágio, sair e ter a aula à tarde. Além disso, se a gente quiser passar lá, fora do nosso horário de estágio, ir às enfermarias, pegar prontuário, ler... Hoje podemos fazer tudo isso, menos procedimento que precisa ser assistido. Mas se eu quiser ir lá agora e ver o prontuário eu posso ir, mostrar minha carteirinha e entrar. Com a EBSERH a tendência é que não haja essa autonomia. Fica tudo comprometido.”
Os alunos do DABT concordam que a empresa é uma forma de privatização da saúde que vem sendo praticada pelo atual governo, e temem que a entrada da EBSERH possa prejudicar a área de pesquisa que a universidade desenvolve no hospital.
“A tendência é que, com a empresa, percamos também a autonomia de pesquisa. As pesquisas são voltadas para o ensino e a empresa pode achar que não é interessante financeiramente e encerrar a pesquisa. A EBSERH é mais uma forma também de privatização da saúde. Você desvincularia o hospital da adiministração universitária e passaria para uma empresa que, apesar de ser pública, é de direito privado”, concluíram os alunos.
Reformas estruturais são elogiadas
Se alguns pontos, como a emergência e a EBSERH, geram reclamações dos alunos, as reformas estruturais foram elogiadas. Dentro da proposta da direção de um hospital de referência e alta complexidade, o que vem sendo feito em termos de melhorar as condições físicas do hospital foi destacado pelos alunos.
“O hospital já foi bem pior. Posso falar pelas próprias condições das clínicas médicas onde eu já trabalhei e na clínica cirúrgica também. Acho que poderia ser melhor, mas temos leitos eletrônicos que você manipula pelo controle – há uns três ou quatro anos, era tudo manual. A gente tem acesso aos medicamentos. É claro que há épocas em que existe uma diminuição. No meu primeiro dia de estágio na clínica cirúrgica a gente não tinha luva. Algumas vezes há limitações ao nosso trabalho, mas na maior parte do tempo que passei lá as condições são boas”, afirmou o estudante de enfermagem.
Os alunos do DABT também elogiaram as reformas, mas acreditam que não adianta melhorar a estrutura do hospital se o número de pacientes e de leitos continuar caindo nos últimos anos.
A integração dos profissionais de saúde com os alunos de Medicina também foi destacada pelo médico Ronaldo Gismond. Ele disse que o funcionamento é excelente, mas que pode evoluir em alguns pontos. “A integração dos médicos com os alunos é excelente. Tudo pode melhorar, é claro. Aqui eu trabalho na clínica médica, os doentes internados aqui ficam sob minha responsabilidade e dos outros médicos. Eu não sou professor, eu sou médico. Então o aluno fica comigo fazendo o estágio prático dos últimos dois anos de curso. Eu vou atender o doente e o aluno vai junto comigo, para aprender e ver como proceder no atendimento. Essa integração do meio para o fim da faculdade flui muito bem. O que pode melhorar é a multidisciplinaridade, a integração entre os profissionais das diferentes especialidades. Na rede privada, quando vão avaliar um doente, todos esses profissionais sentam juntos para discutir os procedimentos. No Huap, acho que, na falta de ter uma organização para isso, cada um dá a sua opinião, mas não sentam todos ao mesmo tempo para discutir”, concluiu Gismond.
A direção do Hospital Universitário Antônio Pedro não quis se pronunciar sobre as reinvidicações dos estudantes.
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