Velhos problemas de um novo Maracanã

3 de junho de 2014

Pequeno número de torcedores no Maracanã reflete desafios de estádio reformado

Thiago Vaz e Renata Amaral

Com a decisão de realizar a Copa do Mundo de 2014 no Brasil, um clima de euforia e esperança foi criado em parte dos brasileiros. Porém a expectativa de avanços nas cidades-sede foi substituída pela preocupação com os gastos públicos e pela decepção em relação às melhorias para a população. A uma semana do início do megaevento, a população não vê efetivas mudanças no seu dia-a-dia. 

A promessa de reformas que melhorariam a mobilidade urbana e a qualidade de vida do brasileiro está distante, e o único legado que a Copa do Mundo FIFA deixará será a construção ou reforma de estádios que passam a figurar entre os mais modernos do mundo. Como grande símbolo desse processo está o Estádio Jornalista Mário Filho, o Maracanã.

Sede da final da Copa, o estádio sofreu uma grande reforma. Construído com cerca de 150 mil lugares, sua capacidade foi sendo reduzida gradualmente e, após a modificação para o evento Fifa, passou a contar com apenas 78 mil lugares. Porém, desde a sua reinauguração, apesar da significativa diminuição de assentos, o estádio não conta com públicos significativos, ficando longe de sua lotação máxima. Em 2014 chegou a registrar 2.487 pagantes em um jogo do Campeonato Carioca entre Flamengo, time com a maior torcida do país, e Madureira.

Flamengo registra pior público do novo Maracanã no jogo contra o Madureira, em 19/02/14 (Alexandre Cassiano / Agência O Globo)
Uma das causas para a queda de público é o aumento dos preços do ingresso, uma possível consequência da mudança de gerência. Antes pertencente ao Governo do Estado, através da Superintendência de Desportos do Estado do Rio de Janeiro (Suderj), hoje o estádio é administrado pelo consórcio Maracanã Entretenimento S.A, liderado pela Odebrecht Properties e pelas empresas AEG e IMX. Esta última realizou uma pesquisa, encomendada pelo Governo do Rio quando o estádio ainda estava em fase de licitação, sobre as medidas a serem tomadas com o novo Maracanã, chegando à conclusão de que seria favorável para os clubes a mudança no perfil dos torcedores. Um passo importante para essa modificação seria de fato o aumento dos ingressos.


Aparentando ser vantajosa, causando a redução de atos de vandalismo dentro e fora dos estádios, a reforma trouxe consigo os altos preços, que têm afastado o público que sempre compareceu ao estádio. O famoso “Clássico dos Milhões”, protagonizado por Flamengo e Vasco, contou apenas com 20.844 pagantes (renda de R$ 1,3 milhão) no primeiro jogo da final do Campeonato Carioca, realizada em 6 de abril deste ano. O clássico chegou a ter 174.770 torcedores em um jogo do próprio Carioca, em 1976.

Porém, segundo o jornalista esportivo Lucas Calil, a diminuição do comparecimento das torcidas nos estádios não é somente devido aos preços cobrados pelos clubes. “As pessoas não vão mais aos estádios por várias razões, não apenas em virtude dos altos preços. Transporte ruim, absoluta falta de segurança, horários difíceis e, algo normalmente esquecido, a falta de qualidade das partidas”, afirma. 

Calil vê também dois pontos positivos para o aumento dos valores do ingresso: o pagamento das despesas do próprio estádio e o crescente volume de despesas dos próprios clubes que, segundo ele, apresentam dívidas que aumentam a cada ano. Mas o jornalista reafirma que a qualidade do futebol é indispensável para que os torcedores compareçam ao estádio, além de condições de acessibilidade e conforto, ainda não oferecidas aos frequentadores. 

Para o publicitário esportivo André Sampaio, não houve melhora na estrutura do Maracanã. “Houve aumento de preços sem nenhuma melhoria no atendimento, regra básica para quem quer cobrar preços abusivos. O estádio está muito bonito, mas não está funcional. Ainda há filas para banheiros e lanchonetes”, afirmou.

Com a progressiva mudança do perfil do torcedor e a diminuição do público presente nos estádios durante os jogos, alterou-se também os hábitos da torcida. Essa é a crítica de diversos profissionais da área. “Não é para ser assim, o Maracanã faz parte da cultura do carioca. Famílias de todas as classes se divertindo com um espetáculo popular. Não deve haver mudança de público-alvo (nas campanhas publicitárias) para cobrir uma falta de planejamento dos dirigentes do futebol carioca e brasileiro”, disse Sampaio.

Já as condições de trabalho para os jornalistas que trabalham nos estádios, segundo Calil, melhoraram, mas os profissionais ainda contam com algumas dificuldades. “O Maracanã antigo, já reformado várias vezes em vão, sofria com vários problemas: cabines reduzidas, cadeiras desconfortáveis, dificuldades de deslocamento entre vestiários e salas de imprensa. O Maracanã novo, em vários aspectos, é excelente, mas com um problema: tudo é muito longe; é preciso andar dez minutos para chegar a qualquer lugar”. 

Sampaio e Calil têm o mesmo ponto de vista em relação à presença de torcedores nos estádios. Para eles, o futebol deve fazer parte de um show, que envolve inclusive o estádio em que ocorre. Na opinião do jornalista, a Alemanha se tornou uma referência no quesito relação entre torcedores e clubes. “Há muito, os clubes (alemães) aprenderam que o melhor caminho é uma política de relacionamento com o fã, com o sócio, e a estrutura financeira das equipes é organizada. Sabem compensar o preço do ingresso com outros faturamentos: por exemplo, mais de 90% dos assentos de Bayern de Munique e Borussia Dortmund são reservados anualmente”, diz Calil.

Estádio padrão europeu

Para os jogadores, as modificações no Maracanã são positivas. Luan, zagueiro de 20 anos do Vasco, acredita que, apesar de não ter jogado no estádio antes da reforma, foram feitas mudanças pontuais que oferecem conforto aos jogadores. “O Maracanã é sem dúvida o melhor estádio em que joguei. Ótimo gramado e uma estrutura de estádio europeu, digno de um palco de final de Copa do Mundo”, disse o jogador.

Como crítica, o zagueiro cita a redução do público que, segundo ele, é de fundamental importância para o trabalho dos atletas. Para ele, a força da torcida ajuda o time a lutar pelas vitórias, além de gerar recursos para os clubes, que assim podem assumir seus compromissos em dia. Em relação à estética do Novo Maracanã, Luan afirmou que o estádio não perdeu o seu charme e encanto. “Joguei no Maracanã com 60 mil pessoas e senti uma energia que nunca tinha sentido. Realizei um dos meus sonhos”.

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