Novo Maracanã muda hábitos da torcida carioca

31 de maio de 2014

Érica Ramalho/Estadão

Baixo público no campeonato carioca reflete mudanças pós-reforma para Copa

Aline Ventura e Carolina Baldi

No dia 2 de junho de 2013, o Estádio Mário Filho, o Maracanã, era reaberto para o público brasileiro, após quase três anos. Era um novo Maracanã. Sem os anéis característicos e sem o fosso separando os torcedores do campo, o renovado estádio aproximou-se das arenas europeias e se separou de vez de sua antiga identidade. As mudanças não pararam por aí. Os ingressos bem como o preço dos alimentos dentro do estádio ficaram mais caros, fazendo com que até os torcedores mais assíduos passassem a frequentá-lo menos.

Em 2010, antes de o Mário Filho ser fechado para a grande reforma, as entradas para o setor de arquibancada de uma partida do Campeonato Carioca custavam R$ 40. Em 2014, após a privatização do estádio e das concessões de utilização feitas para os clubes, o torcedor do Flamengo – clube que cobrou o preço mais alto – pagou R$ 60 para assistir seu time em setor equivalente da mesma competição. Já os torcedores do Fluminense – clube que cobrou o menor valor – pagaram R$ 30.

Para que um flamenguista acompanhasse de perto as quatro partidas por mês que seu time fez, em média, no Maracanã, ele gastou um total de R$ 240 – apenas em ingressos, sem contar os custos do transporte e do possível consumo no estádio. Para quem recebe um salário mínimo (R$ 724), o gasto representa o comprometimento de 33% de sua renda mensal. Os números assustam e se refletem na média de público do clube no campeonato: 14.231, contra 21.092, em 2010. Ronaldo Helal, sociólogo e criador do grupo de pesquisa “Esporte e Cultura” da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), aponta o encarecimento do ingresso como fator de distanciamento do torcedor. "O preço dos ingressos acaba alijando uma parcela significativa (da população) que estava acostumada a ir (ao Maracanã)”, disse Helal.

Ir ao estádio costumava ser um programa popular, regra que tem mudado com o aumento não somente do preço dos ingressos, mas também dos produtos disponíveis em seu interior. Uma lata de refrigerante, que nos supermercados pode ser encontrada a menos de R$ 2, é vendida a R$ 5 no Maracanã; um cachorro quente sem molho, a R $6. O estudante André Raja, de 24 anos, frequentador assíduo do estádio, não escondeu sua insatisfação, mas ponderou sobre o assunto. “Os preços dentro do estádio são abusivos, mas não é difícil ficar duas horas sem comprar alguma coisa. Para mim, o pior é não poder entrar no estádio com produtos comprados fora, mesmo que sejam os mesmos itens que encontramos lá dentro”, disse Raja.

Menos lugares, ingressos mais caros

A diminuição da capacidade do estádio é outro fator que tem aumentado o preço dos ingressos e diminuído ainda mais o público das partidas. O local, que já abrigou cerca de 200 mil torcedores no jogo entre Brasil e Paraguai, em 1969, teve seu público máximo reduzido durante as reformas para o Pan-Americano de 2007, passando a 87.101 lugares, de acordo com a Superintendência de Desportos do Estado do Rio de Janeiro (Suderj). Para o novo Maracanã, o número de assentos diminuiu ainda mais, chegando a 78.838, de acordo com a Odebrecht, uma das empresas responsáveis pelo consórcio que administra o estádio.

A menor oferta provocou uma elevação dos preços. Com esse aumento, os setores centrais do estádio ficaram com ingressos muito caros, retirando dali a parcela dos torcedores que não podem comprá-los. Em seu lugar, o estádio passou a receber um público diferente. Para Ronaldo Helal, esse público “diferente” já podia, inclusive, frequentar o antigo estádio. No entanto, como “o estádio ficou menor, (esses torcedores) acabam ocupando um lugar de um público que agora não está podendo mais ir”, completou Helal.  

Um Maracanã elitista?

Fabio Peixoto

Na primeira rodada do Campeonato Carioca de 2014, no dia 18 de janeiro, três das quatro torcidas organizadas do Flamengo decidiram não ir ao jogo contra o Audax como forma de protesto contra o preço dos ingressos, considerado abusivo por eles. O campeonato chegou ao fim, mas as críticas aos valores das entradas continuam. Muitos torcedores defendem que o custo elevado é uma tentativa de elitização do esporte e do próprio estádio do Maracanã. Revelam também que, devido aos gastos, acabam escolhendo as partidas mais importantes para comprar os ingressos.

“Hoje, avalio os jogos que valem alguma coisa no campeonato”, afirma Raja. Apesar dessa avaliação acerca da importância do jogo, a final do campeonato carioca entre Vasco e Flamengo, no último dia 13 de abril, teve pouco mais de 42 mil pagantes, um número pequeno em comparação com os quase 80 mil lugares disponíveis. Ronaldo Helal ressalta que a elevação do preço dos ingressos é uma medida imediatista, visto que, em longo prazo, o clube tem mais a perder do que a ganhar. Em competições do tipo “mata-mata”, por exemplo, caso a equipe não passe de fase, o prejuízo não vem somente na menor quantidade de partidas a se jogar, mas na perda das premiações financeiras que poderiam ser obtidas em caso de conquista de títulos.  

O alto custo dos ingressos acabou restringindo os frequentadores do novo Maracanã, mas não tirou o torcedor habitual do estádio. O estudante Mayron Brito, de 20 anos, é um exemplo disso. “Até 2007 costumava ir a poucos jogos no ano, uns 10 e olhe lá, porque dependia do meu pai. Depois que passei a ir sozinho, em 2008, dificilmente perco um jogo, inclusive agora após a reforma”, declarou Mayron.  

Quanto à questão de um Maracanã elitista devido aos preços, Ronaldo Helal revela ser importante dissociar a imagem de um público com mais dinheiro da imagem de um público mais qualificado. “Um público mais elitista não é um público melhor, é somente um público com mais dinheiro. E mais dinheiro não significa ser melhor. Não é melhor nem pior que outra pessoa”, ressalta Helal.

“Um público mais elitista não é um público melhor, 

é somente um público com mais dinheiro” 

(Ronaldo Helal, sociólogo)

Sócio-torcedor

Uma alternativa que vem despontando no cenário do futebol carioca é a associação em massa do torcedor. Para os clubes, a maior vantagem é a geração de uma receita fixa vinda dos valores da mensalidade do plano de sócio. O torcedor tem benefícios como desconto e preferência na compra de ingressos. Tricolores que se associam ao Fluminense, mesmo por meio do plano mais básico, têm um privilégio que vascaínos, flamenguistas e botafoguenses só adquirem ao se tornarem sócios-proprietários: o de ter voz política no clube, com direito ao voto na eleição para presidente. 

O sociólogo Ronaldo Helal apontou os programas de associação como possibilidade para fugir dos elevados valores de entradas para o Maracanã, mas considerou negativa a imposição feita por alguns clubes a seus torcedores. “Há uma pressão muito grande para que os ingressos sejam mais acessíveis. O Flamengo, principalmente, está colocando preços muito caros, para obrigar todo mundo a virar sócio-torcedor. Acho que isso, de uma maneira, pode ser muito desrespeitoso com o torcedor e até mesmo com a instituição Flamengo, com a imagem de clube”, explicou.

Fim da mística?

O Maracanã pós-reforma pouco tem em comum com o estádio que foi remodelado. O resto de sua grandiosidade, já prejudicada com a obra para os jogos Pan-Americanos, desapareceu na opinião de muitos torcedores. “Quando entrei na arquibancada fiquei decepcionado. A primeira coisa que pensei foi: ‘onde está o Maracanã?’. Só depois de analisar tudo em volta notei que a emoção de entrar no estádio foi embora no momento que entrei naquela área. Sabia que estava diferente, mas não que o sentimento mudaria tanto”. Assim André Raja descreveu a primeira vez que entrou no novo Maracanã. Mayron Brito tem o mesmo sentimento. Para ele, o Maracanã de hoje não é o mesmo estádio: “não existe, não se sente mais o antigo estádio, tudo mudou.” 

“Não se sente mais o antigo estádio, tudo mudou”

(Mayron  Brito, estudante)

Apesar de parecer consenso entre os cariocas que a mítica que envolvia o Maracanã se esvaiu com a poeira da reforma, o novo estilo do estádio, mais intimista, tem potencial para agradar ao público. Conhecido antes como um campo neutro, pela grandiosidade do local e distância entre a torcida e os jogadores, o novo Maracanã aproximou o público de sua arte, o futebol, com o rebaixamento dos assentos e o fim do fosso que separava o gramado das arquibancadas. 

Saudosismos à parte, ainda é possível construir uma nova memória para esse novo estádio, afirma Ronaldo Helal. Essa construção está nas mãos dos jovens, como Mayron e André. “Quem vai construir essa memória é uma nova geração, a do meu filho, por exemplo, que não conheceu o antigo Maracanã, que conheceu o estádio depois dos jogos Pan-americanos. Ele adora o estádio, e na memória dele vai estar a conquista da Copa do Brasil do ano passado, eternamente. O torcedor que está frequentando o estádio está criando uma nova história, uma identidade”, afirma o sociólogo.