O país do futebol


16 de janeiro de 2014

Apesar dos grandes gastos com infraestrutura para a Copa, a maioria dos jogadores e clubes de futebol do Brasil sofre com falta de estrutura e de apoio das entidades que comandam o esporte no país

Nathália Vincentis e Sabrina Nunes

Jogadores com salários astronômicos. Estádios padrão FIFA. Centros de treinamento de última geração. Grandes patrocinadores. Receitas milionárias. Quem acompanha o futebol pela televisão, muitas vezes pode ter uma ideia errada da verdadeira realidade do esporte no Brasil. Com estruturas deficitárias, a grande maioria dos clubes, sobretudo os de menor investimento, enfrenta no seu dia a dia uma série de problemas que prejudica o trabalho de muitos profissionais, obrigando-os a driblar dificuldades que variam da mais simples à mais complexa.

De acordo com dados divulgados pela imprensa, retirados do site da CBF, em 2012, dos 30.784 jogadores registrados no país, 82% recebem até dois salários mínimos e apenas 2% recebem mais de R$ 12,4 mil. A discrepância pode ser percebida quando comparadas as folhas salariais de Flamengo e Madureira. Enquanto o primeiro gasta mensalmente com salários de jogadores e funcionários cerca de R$ 6,5 milhões, o segundo tem folha de pagamento abaixo dos R$ 100 mil.

Um dos fatores que influenciam na remuneração dos jogadores é a cota de televisão. Durante a série A do campeonato estadual do Rio de Janeiro, devido à transmissão dos jogos, a obtenção de receita pelos clubes é maior e, consequentemente, os salários dos jogadores.  Contudo, ao término do torneio, os clubes tendem a diminuir o valor pago a seus atletas. “A média de salário aqui depende muito do campeonato. Nesse semestre, como não tem tanta receita de televisão, baixa um pouco. Acredito que atualmente a base seja de R$ 2 mil. Quando é o Carioca, por exemplo, o salário aumenta”, relata Allan Erick, volante do Madureira.

O Olaria Atlético Clube, no início de 2013, não conseguiu se manter na série A do Campeonato Carioca. Com isso, dificuldades que já eram grandes, aumentaram. Gilson Ferreira, gerente de futebol do clube, explica que “na série B não há patrocínio, investimento ou liberdade, e como (o campeonato) não é televisionado, também ficamos sem receber a cota, o que é muito difícil. Só a renda social do clube não cobre, o futebol é muito caro”. A maioria dos jogadores que compõe o elenco está recebendo apenas um salário mínimo, atrasado há dois meses. 

As dificuldades, porém, não se limitam à folha salarial. Alguns jogos da Copa Rio, torneio que leva o campeão e o vice-campeão à Copa do Brasil e à série D do Campeonato Brasileiro, estão sendo realizados de portões fechados aos torcedores. Os estádios que não podem receber público, como o Estádio de Moça Bonita, em Bangu, e o Estádio Mourão Vieira Filho, em Olaria, não possuem o laudo do Corpo de Bombeiros e da Vigilância Sanitária para funcionamento, devido ao não cumprimento de todas as exigências necessárias para a realização de partidas com portões abertos.

Jogos no estádio do Olaria ocorrem de portões fechados por falta de autorização do Poder Público: prejuízo financeiro e falta de motivação dos atletas
A proibição da venda de ingressos e o consequente não comparecimento de torcedores aos estádios, além de tornarem-se um empecilho para a obtenção de receita por parte desses clubes, atrapalham o rendimento dos times em campo. Luiz Antônio, técnico do Olaria, faz uma analogia para exemplificar o desafio que é motivar os atletas a disputarem partidas com público zero:

– É como ir ao teatro sem público. Como motivar o artista a encenar a sua peça? Você ensaia, treina e quando chega ao palco, olha e não tem ninguém. Aqui é a mesma coisa. Você trabalha, treina e sequer pode olhar para os seus familiares, para o torcedor te apoiando.

Os jogadores também percebem que o jogo rende menos sem a presença dos torcedores. “A torcida é um incentivo a mais para o time. A gente fica mais ligado em campo. Desse jeito (de portões fechados) o jogo fica sonolento para os dois lados”, fala Fabrício Macedo, goleiro do Olaria. “Jogar assim é muito ruim. A torcida joga junto, empurra o time quando estamos perdendo”, completa o atacante do Azulão, Renato Silva.

Para justificar a interdição do estádio da Rua Bariri, que já dura cerca de dois meses, Gilson Ferreira afirma: 

–A maioria dos clubes pequenos com estádios interditados está nessa situação porque não cumpre as determinações que deveria por falta de verba. São coisas caras e, a cada dia que passa, as exigências da FERJ (Federação de Futebol Estadual do Rio de Janeiro) aumentam.

Essas exigências são severamente criticadas pelos dirigentes dos clubes de menor investimento. “Para a realização de um jogo, precisamos pagar a FERJ, o INSS do jogo e da Federação, as taxas de arbitragem, que são caras, além de ter que pagar os funcionários da Federação que vêm aqui trabalhar, tendo, cada um, seu valor”, explica Ronaldo Carlos gerente de futebol do Madureira. “Dificilmente um jogo dá retorno. Por exemplo, um jogo entre Madureira e Olaria tem, em média, entre R$ 5 mil e R$ 6 mil de despesa. Além de o time correr o risco de perder, o clube ainda tem prejuízo”, complementa.

Mesmo nos jogos em que é permitida a entrada de público, a receita obtida com a venda de ingressos não é suficiente para cobrir todas as despesas do jogo. Na partida válida pela 1ª rodada da segunda fase da Copa Rio, entre Volta Redonda e América, as despesas necessárias para a sua realização totalizaram R$ 4.399,47, enquanto a receita foi de R$ 2.500, o que acarretou em R$ 1.899,47 de prejuízo para o clube mandante.

“É como ir ao teatro sem público. Como motivar o artista a encenar a sua peça? Você ensaia, treina e quando chega ao palco, olha e não tem ninguém” (Luiz Antônio, técnico do Olaria)

Um problema decorrente das altas despesas e que costuma ocorrer em campeonatos de menor investimento é o W.O. (Walkover). Quando uma partida é definida por W.O, a vitória é atribuída à equipe adversária da equipe que está impossibilitada de competir, sem nem mesmo o jogo ocorrer. “O fato é que os times não têm tanto dinheiro e como é preciso pagar ambulância, médico, arbitragem, entre outras exigências necessárias para a realização das partidas, os jogos acabam nem chegando a acontecer”, afirma Raffa Tamburini, repórter do FutRio. 

Sempre citada pelos dirigentes dos clubes, a falta de apoio da FERJ torna-se mais uma dificuldade para a alteração do quadro atual dos clubes. “A Federação teria que apoiar diminuindo as taxas e fazendo um calendário melhor. Montar o campeonato de uma forma que fosse disputada uma fase de classificação só com os times da capital e outra somente com os do interior, fazendo com que se encontrassem apenas em uma fase final. Assim, diminuiriam as despesas com viagens, alimentação e transporte. Seria muito melhor”, declarou Gilson Ferreira.

Contatada algumas vezes, por telefone, a Federação decidiu não se pronunciar alegando não estar apta a falar sobre o assunto.

Estrutura e educação

Apesar de expostos às mesmas dificuldades, Olaria e Madureira, atualmente, encaram realidades distintas. O primeiro, após o término da parceria com a Brasport, empresa que geria o futebol do clube, está tendo dificuldade em oferecer a infraestrutura devida a seus atletas. O segundo é reconhecido como um dos melhores quando o assunto é a estrutura dos clubes de menor investimento.

Os jogadores do time da Rua Bariri, além de não poderem fazer uso da musculação, que foi privatizada, tornando-se uma academia para os sócios, apenas em dias de jogos recebem alimentação.  Já os atletas do tricolor suburbano usam a musculação, recebem, todos os dias, café da manhã, almoço e jantar, além de moradia, caso precisem. “Normalmente quando os jogadores vêm de fora, como eu, moram em um condomínio aqui perto. O clube mesmo que paga a alimentação, a moradia, tudo”, conta Uira Marques, zagueiro do Madureira.

A falta de estrutura dos clubes, porém, não atinge apenas jogadores e funcionários. Raffa Tamburini comenta sobre os locais destinados ao trabalho da imprensa nos estádios dos clubes de menor porte. “Em sua maioria, a estrutura oferecida é bem precária. Há estádios que possuem cabine de imprensa bem feita, como o do Bangu, o do Olaria e o do Artsul (onde o Boavista tem mandado seus jogos na Copa Rio). Alguns têm o mínimo, que é a bancada, tomada e um teto. Em outros, você tem que dar o ‘jeitinho brasileiro’ para fazer a cobertura (no caso das transmissões radiofônicas). Muitas vezes, nem água a gente ganha, temos que comprar. Coisa que não acontece no Engenhão e no Maracanã, lugares onde recebemos bebida e alimentação”. 

Cabine de imprensa no estádio do Olaria: estrutura mínima para a cobertura jornalística dos jogos
Existem estádios, como o do Madureira, que além de não oferecerem internet aos jornalistas, têm a cabine de imprensa aberta e muito próxima das cadeiras sociais, o que faz com que a torcida presente no local, ao se manifestar, interfira na transmissão do jogo por algumas vezes durante uma partida.

Outro fato não muito discutido no mundo do futebol é a baixa escolaridade da maioria dos jogadores. Tentando reverter essa situação, alguns clubes oferecem a possibilidade de estudo a seus atletas. Porém, a busca por propostas de trabalho melhores faz com que alguns larguem o colégio no meio do ano letivo e se transfiram para outras cidades. O que acontece é que grande parte abdica dos estudos em nome do sonho de se tornar um grande jogador. “Saí daqui (do Rio) no 3º ano (do ensino médio), em 2009, fui para Florianópolis e não consegui concluir porque ficava com muita saudade de casa. No horário que tinha para estudar, ficava na internet falando com os meus pais”, relata Ryan, volante do Madureira, hoje com 21 anos.


Ryan, meio-campo do Madureira, 21 anos, não concluiu o ensino médio para tentar carreira em outro Estado
Apesar de entenderem que não vale a pena deixar de lado os estudos, os jogadores se justificam dizendo que, na época em que decidiram parar de frequentar o colégio, não viam como conciliar os estudos e os treinos. “Estou acabando o 3º ano (do ensino médio) agora. Fiquei três anos sem estudar quando jogava em São Paulo. Sei que não vale a pena, mas só parei de estudar porque, como eu morava na concentração, ficava difícil sair do CT para ir ao colégio”, diz Kevin Bueno, 20 anos, volante do Olaria.

No país do futebol, sede da Copa do Mundo de Futebol da FIFA, em 2014, a preocupação com a estruturação interna do esporte inexiste. O discurso repetido incessantemente de que o Brasil é uma fábrica de craques cai por terra quando conhecemos um pouco mais a fundo o sistema de produção que faz a grande máquina funcionar. Na esperança de modificar sua história oprimida, o futebol mostra-se como uma das poucas alternativas e alimenta os sonhos daqueles que querem se tornar estrelas como Ronaldinho e Neymar. Acolhidos por clubes que também sofrem com dificuldades, esses atletas levam um choque ao se depararem com a dura realidade do futebol nacional. Feroz, ela se faz lembrada a todo o momento. 

Uma luz no fim do túnel, contudo, apareceu. Propondo mudanças no calendário, férias, pré-temporada, fair play financeiro e participação de atletas em conselhos técnicos de entidades esportivas, foi criado o Bom Senso FC. Formado por jogadores que conseguiram chegar a um patamar elevado, como Alex, do Coritiba, Paulo André, do Corinthians, e Juninho Pernambucano, do Vasco, o movimento promete se manifestar em nome dos atletas do futebol nacional, principalmente aqueles que não têm voz, na tentativa de alterar o quadro atual do esporte no Brasil.

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