4 de dezembro de 2013
A luta dos blogs independentes para alcançar maior visibilidade e melhor estrutura frente a um mercado concentrado e avesso aos novos modelos
André Borba e Marcos Kalil
Em sua carta de despedida, disponibilizada em março deste ano em seu blog, o “jornalista progressista” Luiz Carlos Azenha declarou que as Organizações Globo conseguiram o que não fora possível nem para a ditadura militar: calar a mídia alternativa. Após um litígio na Justiça com Ali Kamel, diretor geral de jornalismo e esportes da emissora, Azenha foi condenado a pagar R$ 30 mil de indenização. A multa veio se somar às justificativas dadas pelo repórter, que trabalha na TV Record desde 2008, para o fim do blog “Vi o Mundo”. As dificuldades para manter sua equipe e o patrocínio ocasional são outros desafios com que ele e as mídias alternativas precisam lidar. Como todo contraponto ao status quo, esses veículos não-tradicionais sofrem pressões de todas as ordens, mas resistem, sem perder de vista sua importante função social contra-hegemônica.
Um breve histórico
Os blogs surgiram na segunda metade da década de 1990 e tinham como ideia principal a disposição de informações, em uma página da internet, em ordem cronológica invertida, ou seja, as entradas mais recentes estariam sempre no topo. O termo weblog apareceu em 1997, criado pelo internauta John Barger a partir da contração das palavras web (rede) e log (diário de bordo). Com a oferta de softwares gratuitos de publicação em blogs, como o Blogger e o pioneiro Pitas, essa ferramenta ganhou notoriedade até ganhar um verbete no dicionário da língua inglesa Oxford, em 2003.
O ritmo de crescimento dos blogs é acelerado. Entre 1999 e 2006, segundo a empresa Technorati, especializada no setor, a blogosfera saltou de algumas dezenas de páginas para 57 milhões de publicações online. De acordo com empresa de estatística Nielsen, no fim de 2011, a internet alcançou a marca de 181 milhões de weblogs.
O sucesso do modelo incentivou, inclusive, a sua segmentação. O Twitter, espécie de rede social com postagem de mensagens em até 140 caracteres, é considerado um “microblog” e se tornou uma febre entre internautas independentes e empresas. O serviço obedece às mesmas regras cronológicas dos blogs convencionais, apenas limitando o tamanho das mensagens e permitindo uma visualização diferenciada das informações em um feed, o mural de informações atualizadas constantemente.
A popularidade dos blogs reside, dentre outras explicações, na facilidade de criar e personalizar seu “diário online”, conforme seus objetivos pessoais. A professora de Comunicação Social da Universidade Federal Fluminense Larissa Morais escreveu sua dissertação de Mestrado sobre o tema e comentou a simplicidade da ferramenta. “[o blog] Facilita muito. Antes a gente ficava um pouco dependendo de alguém que desenhasse. Eu sou jornalista e não sei fazer design de sites, e o blog é tão simples que ele te permite certa independência, sem ter que acionar ninguém”, afirmou.
Apesar dos números expressivos e da perene importância dos blogs, a docente faz coro à percepção de que as redes sociais suplantaram o protagonismo do antigo instrumento de postagem na internet. “Eu acho que eles são muito importantes, têm vários blogs que conseguiram se solidificar, mas o debate migrou um pouco para as redes sociais. Você percebe isso nos sites de jornalismo participativo que já estiveram no auge da moda, foram meio abandonados e, agora, está todo mundo indo para o Facebook”, comentou Larissa.
Os blogueiros progressistas
Nos últimos anos, a blogosfera passou a abrigar uma série de profissionais que buscava uma linha editorial com espaço negado nos grandes meios de comunicação. Se a mídia tradicional destinou seu espaço, no passado recente, sobretudo, às denúncias de corrupção e a uma pretensa fiscalização do governo, os jornalistas interessados em pautas menos moralizantes e, em alguns momentos, governistas, encontraram, na liberdade da internet e na flexibilidade dos blogs, o local ideal para desenvolver seu trabalho.
No sentido de construir um retrato mais fiel à situação da comunicação no Brasil, o projeto Donos da Mídia nasceu na década de 80. Três décadas depois, seu site contém informações abertas sobre a mídia brasileira. De acordo com os dados, há uma concentração de rádios e TVs na mão de poucos grupos. Como exemplo, a maior emissora de televisão do país, a Rede Globo de Televisão, comanda 340 outras emissoras de tv por todo o território nacional. Fazem parte da mesma organização outros 33 jornais impressos, 76 rádios FMs e 27 revistas. Os redatores dos blogs, assim, fogem a essa lógica monopolista do mercado nacional.
Nas eleições de 2010, esse grupo de blogueiros ganhou evidência, quando o então candidato do PSDB à presidência, José Serra, acusou o governo de financiar “blogs sujos”. A expressão entrou para o folclore da internet e do webjornalismo, reforçando a posição diferenciada de figuras como Paulo Henrique Amorim, do blog “Conversa Afiada”, Rodrigo Vianna, do “Escrevinhador”, e o próprio Luiz Carlos Azenha.
Esses jornalistas também são denominados de maneira mais positiva, como “blogueiros progressistas”. O apelido viria do embate entre conservadores e progressistas, direita e esquerda, mídia tradicional e meios alternativos, representando os polos ocupados pelos atores desse cenário que envolve a comunicação social e os políticos. As pautas esquerdistas englobariam um eventual reconhecimento das conquistas do governo petista e o destaque às minorias.
“Você não pode falar mal de remoções e ter patrocínio da Odebrecht, entendeu?” (Eduardo Sá)
O blog Fazendo Média, fundado há 10 anos por alunos da faculdade de Comunicação Social da UFF, preenche essa lacuna de progressismo no panorama da mídia carioca. O editor-chefe da publicação, Eduardo Sá, assinalou a importância desses espaços independentes. “No jornal diário são pouquíssimas expressões mais críticas, de transformação popular, então o público da mídia alternativa está mais na internet. A gente não tem espaço nos meios impressos, por isso nós [os jornalistas] também vamos pra internet”, afirmou o comunicador.
Eduardo Sá, editor do Fazendo Media: driblando a dependência dos anunciantes para produção de pautas alternativas |
No momento, Eduardo Sá atua praticamente sozinho, mantendo o conteúdo da página e reunindo esporádicas contribuições externas. O editor enumera uma gama de dificuldades enfrentadas pelo segmento: “Tem o custo operativo, no sentido de você ter uma equipe, que implica em estrutura, burocracia administrativa e contábil para coisa ser regularizada. Tem o lado propositivo: deveria haver políticas de propaganda pública para jornais, viabilizando-os. Porque se você tem uma postura crítica, você não consegue um patrocínio privado. Você não pode falar mal de remoções e ter patrocínio da Odebrecht, entendeu?”
Publicidade, financiamento e credibilidade
O modelo de jornalismo dependente da publicidade predomina nos meios de comunicação. Em geral, ele acaba vinculando o jornal aos anunciantes. Outros sistemas viáveis de captação de recursos ainda não foram completamente consolidados e os blogs, cuja proposta persegue pautas mais críticas ou abordagens menos convencionais, tendem a enfrentar a falta de dinheiro e a escassez de apoiadores.
“Essa questão ideológica remete ao aspecto financeiro do jornal. Obviamente, se você tem um jornal mais crítico, você não consegue apoio”, disparou Eduardo Sá, do Fazendo Média. O editor pontua que, no intuito de promover a pluralização dos meios de comunicação, o governo deveria também melhor distribuir as verbas de publicidade do próprio Poder Público. “É notável que o governo do PT avançou muito em relação ao anterior, mas ainda é insuficiente. É uma coisa que tem uma dissidência muito grande dentro do próprio governo quanto a isso. Eles têm um receio muito grande de enfrentar a mídia”, declarou o jornalista.
Em 2009 e 2010, o blog Fazendo Média ganhou o prêmio “Ponto de Mídia Livre”, promovido pelo Ministério da Cultura. A iniciativa visava, justamente, premiar os veículos independentes, movimento que marcou o governo Lula. Cada premiação garantiu a quantia de R$ 40 mil, o que trouxe um alento momentâneo às finanças apertadas da equipe de Eduardo Sá. Esse foi um dos esforços promovidos pelo ex-presidente para democratizar a comunicação, mas as verbas de Publicidade da União ainda se concentram majoritariamente na maior rede de televisão do país.
“Eles [o PT] têm um receio muito grande de enfrentar a mídia” (Eduardo Sá)
Autora de livros como “Pensando contra os Fatos” e “Repórter no Volante”, a professora do Departamento de Comunicação Social da UFF Sylvia Moretzsohn percebe outro obstáculo para a mídia alternativa: a audiência. Para ela, blogs como o do Nassif e do Azenha podem ser considerados contra-hegemônicos porque eles têm leitores e movimentam uma discussão na rede. No entanto, grande parte da mídia alternativa, não.
“O blog do Nassif só está consolidado por causa do Nassif. Isso que eu acho fundamental. O do Noblat, Paulo Henrique Amorim, Ancelmo, só estão consolidados porque esses caras têm 40 anos de profissão. Não tem um novo jornalista que consolidou um blog. Não existe. Em relação ao jornalismo, à audiência, à credibilidade, esses caras têm uma trajetória anterior no jornalismo”, afirmou a docente. A professora pontua que iniciativas como o Fazendo Media e Opera Mundi são muito relevantes, mas precisam de tempo para que se estabeleçam. “O Nassif é um cara que tem uma carreira reconhecida no jornalismo, é colunista de economia há décadas. É só ele dizer ‘Atenção, galera, tô abrindo um blog’ que as pessoas vão atrás”, concluiu Sylvia.
Ela ainda rebate aqueles que veem nos blogs - e nas redes sociais - uma ameaça ao jornalismo. Para alguns, a possibilidade de qualquer pessoa postar publicamente um relato com fotos e vídeos traria um perigo ao fazer jornalístico. “Claro que hoje o cidadão com um celular qualquer com câmera ou ligação à internet tem possibilidade de divulgar informações. Mas ele será sempre uma fonte. Eu sempre digo isso por causa da questão da credibilidade. [...] eles têm compromisso com a credibilidade, coisa que cidadão nenhum tem, em princípio. A questão da responsabilidade no relato da informação é atributo de uma determinada profissão, que é essa do jornalista”, assinalou a professora.
Há luz no fim do túnel?
Ainda que os grandes oligopólios da mídia também estejam presentes na internet, a docente Larissa Morais acredita que, mesmo assim, a rede mundial de computadores é um ambiente mais livre: “É mais democrático, isso é incontestável. Têm mais vozes, mais espaços. O controle da informação não é tão simples de ser feito”. Em junho, por exemplo, enquanto a mídia destacava a ação dos “vândalos” nos protestos que ganharam as ruas das cidades brasileiras, os blogs e redes sociais repercutiam um contraponto: vídeos mostravam policiais forjando depredações e atacando manifestantes.
Entre o manejo de arrobas e hashtags e a difícil contabilidade de alguns cifrões, os “blogueiros progressistas” almejam um futuro mais favorável. Se, alguns anos atrás, algumas poucas famílias detentoras dos meios de comunicação escolhiam o que seria divulgado ou não para a população, em tempos de Facebook e Twitter, isso já não é tão possível. Após a sugestão de leitores que não queriam o fim do blog “Vi o Mundo”, Luiz Carlos Azenha escolheu valer-se do crowdfunding em sua página, o financiamento coletivo. O jornalista recebe contribuições financeiras de pessoas físicas para manter sua equipe e os custos operacionais. Essa saída é muito utilizada por outros portais de jornalismo independente e por campanhas eleitorais que optam por não receber apoio de grupos privados. O desafio, no entanto, persiste: conseguir maior visibilidade e alcançar um modelo de financiamento viável no longo prazo.
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