17 de novembro de 2013
Gustavo Xavier e Rebeca Letieri
Depois de longa e cansativa caminhada até a Câmara de Vereadores de Niterói, cheguei ao ponto de encontro, combinado no mesmo dia, em uma segunda-feira. O gabinete do vereador do Partido Socialista, Henrique Vieira, era o menor de todos – não por escolha. Havia cinco pessoas presentes em reunião quando bati à porta. O horário combinado para começar, às 17h30, extrapolou uns 20 minutos. Nada fora do comum para a vida de um jornalista. Logo em seguida fui convidada a fazer um tour pelo gabinete, com tom de piada pelos então presentes. A “sala” – se assim pode ser chamada – não devia ter muito mais do que 30 m² e agregava cinco mesas espalhadas entre pequenos corredores de passagem.
Feitas as devidas apresentações, Paula Máiran, 46 anos, ofereceu-me o tradicional cafezinho “saindo do forno”, preferindo iniciar nosso “bate-papo”, estilo entrevista, na parte externa. A conversa, porém, foi concluída dentro do gabinete, após o término da reunião. Sentada com as pernas emboladas sobre duas velhas cadeiras que estavam no corredor vizinho, Paula aparentava se sentir à vontade e, mesmo ao fim do dia, bem disposta para uma entrevista com duração de duas horas.
Referência na UFF, a ex-estudante do IACS falou sobre suas experiências no jornalismo, sua atuação como assessora de imprensa do deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL/RJ) e a vitória como presidente da chapa eleita no Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro, festejada em 28 de agosto último, dia da posse. A candidata teve 143 votos dos 429 contabilizados na eleição para comandar a entidade no triênio 2013-2016.
Convidada da mesa que discutiu a cobertura política no cotidiano, no Controversas (UFF) de 2010, Paula Máiran trabalhou no Jornal do Brasil, Estado de São Paulo, O Dia, Detran-RJ, Infoglobo, Comunità Italiana, Resh Comunicação, Folha de São Paulo, O Fluminense e Destak. A jornalista ainda sente na pele as emoções advindas de suas histórias e conquistas.
“Eu nunca perdi a dimensão de que o jornalista se forma pra prestar um serviço à sociedade, e não ao patrão”
Cadernos de Reportagem: Por que você escolheu o jornalismo?
Paula Máiran: Na verdade eu tinha uma vocação pra ser jornalista, mas não sabia. Desde muito nova sempre fui muito curiosa, muito interessada em saber o porquê e o como das coisas. Passei a vida toda da adolescência pensando que seria médica, e na última hora do terceiro ano é que eu entrei em crise - aquelas crises típicas da adolescência - e fiquei perdida porque eu sabia que não era Medicina. Um belo dia, por causa de um verbete de duas linhas de um caderno da Petrobras de profissões que dizia “jornalismo, pra quem gosta de ler e de escrever”, eu falei: “gente, é a única coisa que eu gosto de fazer na vida”. E aí eu escolhi fazer jornalismo.
CR: E o que foi decisivo durante a faculdade pra você manter a escolha da profissão?
Paula Máiran: Eu fui me encantando pelo jornalismo na medida em que eu fui fazendo curso, ao mesmo tempo em que eu trabalhava no Jornal do Brasil vendendo classificados. Eu brinco que comecei no jornalismo pela porta dos fundos, porque comecei a ler o jornal de trás pra frente, pelos classificados. E eu realmente me motivei com a ideia de que o jornalismo era uma escola de vida e uma forma de lutar pela transformação da realidade a partir da conscientização das pessoas sobre o que existia, e que elas nem sempre teriam acesso diretamente. Um ano e meio antes de me formar, comecei a estagiar no Jornal do Brasil, que era proibido (estágio) na época. Foi quando eu realmente tomei gosto de vez, não tive a menor dúvida. E ser jornalista pra mim na época era ser repórter. Depois eu fui ampliando o meu olhar sobre a diversificação de atuação de um jornalista. Mas o meu grande sonho na origem era o de ser repórter e eu diria que ainda tem uma repórter aqui dentro, mesmo agora completando 20 anos de profissão.
CR: No Controversas, promovido pela UFF em 2010, você discutiu cobertura política no cotidiano. Você esperava trabalhar com jornalismo político na época em que foi convidada para cobrir as eleições pelo Jornal do Brasil?
Paula Máiran: Não passava pela minha cabeça atuar profissionalmente na política. Quando eu estava no Destak, recebi um convite para ir para o Jornal do Brasil cobrir as eleições de 2008. Não pensei duas vezes, pedi demissão e fui pro JB. Apesar de ter sido um momento de crise do jornal, pude fazer um trabalho que me empolgou muito. Depois o Marcelo Freixo me chamou pra participar do processo de seleção de uma nova assessora de imprensa dele. No primeiro momento, eu não quis. Mas em dezembro, ao fim da eleição e com o JB descendo a ladeira sem parar, somados a minha admiração pelo trabalho do Marcelo como parlamentar, resolvi aceitar e participar do processo. Fui sabatinada como os outros e acabaram me aprovando para o cargo. E aí eu diria que não foi só uma oportunidade profissional, foi uma oportunidade de vida, porque eu redescobri o sabor da profissão para além das paredes de uma redação. A partir daí eu mudei estruturalmente, na minha forma de pensar a profissão, de atuar, e ampliei muito o meu papel de militância política e social para além do meu trabalho profissional, sempre tentando contribuir pelo que eu conheço, que é a comunicação.
CR: Qual área você mais se identifica?
Paula Máiran: Eu nunca tive essa propensão em me especializar. Quando estava na faculdade pensava em ser repórter do Caderno B, o caderno de cultura do JB na época. Mas quando fui estagiar, acabei envolvida, engajada, na cobertura do dia a dia da cidade. E eu me apaixonei por essa oportunidade de conhecer a vida pulsante na favela, na cadeia, na Zona Sul, na Zona Norte, em Niterói, onde fosse. Eu amei ser repórter de Geral a vida inteira. Considero-me “clínica geral”. Mas a área de Direitos Humanos foi sempre a que me apaixonou mais. Só que, infelizmente, não existe nenhum jornal com uma editoria “Direitos Humanos”, e acho que isso não é por acaso. O enfoque traduz a lógica consolidada na nossa sociedade de que segurança pública é quase um processo bélico, então a gente tem editorias de Polícia, mas não de Direitos Humanos. Mas sempre busquei, não interessa em que setor estava tendo que atuar, ter o olhar de Direitos Humanos permeando a minha pauta. Nunca perdi a dimensão de que o jornalista se forma pra prestar um serviço à sociedade, e não ao patrão, não ao dono do jornal onde trabalha.
CR: Para você, qual é o papel das redes sociais, da internet e dos portais de notícia se compararmos com o jornalismo impresso?
Paula Máiran: Houve um impacto fantástico no jornalismo. Acho que infelizmente, por um lado, nada mudou, porque você vê que migra para as redes sociais todo esse poder de concentração de audiência dos conglomerados de monopólio da mídia. Os sites mais visitados são o G1, Globo.com, UOL, Folha... Então você acaba reproduzindo a mesma lógica de conteúdo que tem na mídia monopolizada por meia dúzia de empresários do país nas redes sociais também. Ainda há uma cultura no nosso país, de certo modo, de tratar essas informações como mais dignas ou mais capazes de reproduzir o que seria a realidade. Mas acho que a gente vive um processo de transição, porque começa a haver um abalo dessa visão da população sobre o que produz essa mídia monopolizada. Conseguimos ver uma resistência maior feita nas redes sociais, sendo hoje a grande trincheira de luta pela democratização da informação, no front de fato.
CR: Com uma câmera na mão e um perfil no Facebook, qualquer um pode ser jornalista?
Paula Máiran: Esse é um debate muito importante, porque existe o jornalismo e existe a comunicação popular. São coisas diferentes. Defendo um direito absoluto que é a comunicação popular, de filmar, botar nas redes, gravar seu depoimento e postar lá. Acho isso fantástico. Essa é outra revolução graças à tecnologia, ao acesso a um celular com câmera, com gravador. As pessoas estão podendo se comunicar muito mais. Estão tendo mais voz. Agora, não podemos confundir isso com jornalismo. A comunicação popular é a capacidade de indivíduos ou grupos se comunicarem diretamente, sem passar pelo filtro da mediação social que o jornalismo faz. O jornalismo é outra coisa. Acho que o papel do jornalismo é mais abrangente, mais aprofundado e mais complexo, e exige por isso mesmo uma formação específica. E aí eu defendo a obrigatoriedade do diploma para o exercício do jornalismo. Porque não é a mesma coisa que comunicação popular. Ela pode se aprimorar e ficar muito parecida com o jornalismo, mas ainda assim vai ser comunicação popular.
CR: Sobre as manifestações: qual é a diferença entre a cobertura da grande mídia e da mídia alternativa?
Paula Máiran: Quando você está falando da mídia comercial o problema está muito mais no mérito, na forma escolhida de se abordar os fatos, no recorte que se dá às coberturas, do que propriamente nas técnicas, nos recursos que são utilizados para fazer as coberturas. A mídia alternativa apresenta alguns problemas. Problema número um: financiamento. Você tem pouquíssimo recurso público investido em mídia alternativa, em pontos de mídia livre. E você tem um problema de apego a certas maneiras de se fazer mídia alternativa. A gente acaba cometendo erros que levam a perder legitimidade para o leitor. Acabamos falando para nós mesmos, produzimos e lemos. E como atingir um leitor chamado “senso comum”? A gente precisa ter mais estratégia, precisa ter mais qualidade técnica, mais articulação. Eu acho que se a gente se apropriar do que funciona bem lá e trouxer para cá, para a mídia alternativa, daremos um salto.
CR: Você já enxerga avanços na questão da democratização da comunicação?
Paula Máiran: Acho que a luta pela democratização da comunicação ganhou muitos passos de avanço a partir de todos esses debates capilarizados, no Brasil inteiro, envolvendo os movimentos sociais para efeito da Conferência Nacional, que ocorreu em 2009. Os debates resultaram em um caderno de propostas, não só para o marco regulatório que existe hoje, mas também para políticas públicas na área da comunicação. As nossas principais propostas foram aprovadas, como o fim do monopólio da mídia e o fim da propriedade cruzada. Porém, com a mudança de governo (saí Lula, entra Dilma) todas as propostas que tinham promessa de cumprimento pelo governo federal foram deixadas de lado. Mas isso não nos faz retroceder a ponto de acabar com os debates e a conscientização dos jornalistas a respeito desta luta, pela democratização da comunicação.
“A gente quer incomodar, a gente veio para incomodar”
CR: Partindo agora para a discussão sobre o Sindicato. Qual é a função do Sindicato dos Jornalistas? Ou qual deveria ser?
Paula Máiran: É importante colocar que a gente vem de uma conjuntura em que todos os sindicatos da classe trabalhadora sofrem. Eles vêm sendo vistos com muita desconfiança pela população, pelo senso comum, porque já não representam mais seus papeis de origem. No caso do Sindicato dos Jornalistas, ele vem de uma gestão que vai mudando de nome, mas mantém um mesmo grupo político que há 20 anos o controla no Rio de Janeiro, que é o mesmo grupo que controla a Federação Nacional, a FENAJ, atuando de maneira burocrática. São grupos políticos ligados aos interesses governistas, provocando o silêncio da Federação com relação a absurdos que a categoria vem sofrendo há algum tempo. O Sindicato existe para ser um instrumento da luta de classe. Serve como instrumento do trabalhador, para defender os direitos já existentes, e conquistar mais direitos. Ele tem esse papel, de dialogar com a sociedade em nome da categoria, e mostrar que a mesma não é inimiga da sociedade, e sim aliada. Precisamos melhorar a nossa correlação de forças. Queremos trazer a categoria de volta ao debate sobre si, sobre o seu papel na sociedade. Aí sim a população nos dará de novo nosso devido papel, com respeito.
RG: Quais são as principais reivindicações e pautas da diretoria vitoriosa?
Paula Máiran: A luta pela democratização da informação, com o recorte da necessidade do fortalecimento da comunicação popular, inclusive como estratégia para fazer o peso contra a comunicação patronal, obrigando os patrões a rever o seu conteúdo. Nisso se baseia a linha política do grupo que está à frente do Sindicato. Ou seja, a atuação para fortalecer o jornalismo, acabando com o preconceito que existe culturalmente entre jornalistas que trabalham na mídia comercial e jornalistas que atuam na comunicação alternativa e de esquerda. A gente quer fazer um trabalho para mostrar que todos os jornalistas estão em uma situação difícil, afinal patrão é patrão, seja de esquerda, seja de direita. Vamos ser mais transparentes e participativos com essas diretrizes. A gente quer repensar, reconceituar os atos. Neste ponto será fundamental a conexão com os movimentos sociais, com a galera que já está na rua com as plaquinhas, pedindo pela democratização da comunicação. A gente quer incomodar, a gente veio para incomodar.
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