22 de outubro de 2013

Fotógrafo freelancer, preso durante as manifestações no Rio,
alerta que a violência da polícia sempre existiu nas favelas

Clara dos Santos Barreto e Gabriela Novaes Feitosa
Fotos de Wesley Prado

Preso no momento em que fotografava a ação do Batalhão de Choque, na manifestação do dia 17 de junho, Wesley Prado se revolta com a maneira pela qual a polícia agiu, mas enfatiza o fato de que essa não é a primeira vez. Segundo ele, o excesso de violência usado pela polícia existiu em boa parte da nossa história, principalmente nos subúrbios. “A diferença é que a violência agora foi democratizada: o gás caiu nos olhos da classe média, perturbou o sono e o silêncio dos moradores da Zona Sul, atingindo seus filhos também”, disse ele. 

Durante essa manifestação, que reuniu cerca de 100 mil pessoas no centro do Rio de Janeiro contra o aumento das passagens, o fotógrafo, preso por não apresentar credencial de jornalista, foi autuado por formação de quadrilha e teve que pagar uma fiança para ser liberado, além de assinar uma confissão de culpa. “Lá dentro, senti um profundo desgosto por fazer parte de uma sociedade que está à mercê de uma polícia e governantes como o Cabral (governador do Rio, Sérgio Cabral)”, declarou Wesley.

Wesley Prado é, além de feelancer, graduando em Jornalismo pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Ele cobriu e participou de muitas manifestações no Rio. “Fui enquanto cidadão preocupado em exercer minha função de comunicador social”, disse. Para ele, a única maneira de reduzir a violência é desmilitarizando as forças de segurança, “com a criação de um modelo de polícia que respeite os direitos humanos e sirva à população e ao interesse público”.

Cadernos de Reportagem: O que tinha acontecido antes de você ter sido preso? Quanto tempo durou a prisão e como foi solto? 

Wesley Prado: Fui preso no dia 17/6 por volta das 23h em frente a Alerj (Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro) enquanto fotografava a ação do Choque depois que eles dissiparam a galera com gás. Fiquei preso por cerca de 10 horas. Fui solto após assinar uma confissão de culpa e pagar fiança de R$ 1 mil. Os advogados me aconselharam a assinar e pagar para não ir para Bangu, já que não poderia ficar lá na 5ª DP. 

Manifestante protesta em 20/06 na Av. Presidente Vargas

CR: O que sentiu quando estava preso?

Wesley Prado: Senti várias coisas: no começo, fiquei perplexo com a prisão arbitrária. Dentro do ônibus da PM senti medo, enquanto esperava ser levado, não sabia para onde. Lá dentro, senti um profundo desgosto por fazer parte de uma sociedade que está à mercê de uma polícia e governantes como o Cabral.

CR: Você pensou em desistir de fotografar?

Wesley Prado: Não, em nenhum momento.

CR: Você já vinha cobrindo os protestos antes de ter sido preso ou aquele dia foi o primeiro?

Wesley Prado: Acompanhei todos antes e alguns depois.

CR: Você concordou com a ação da polícia em algum momento das manifestações ou acha que ela sempre se excedeu?

Wesley Prado: A polícia tem por função, em situações como essa, auxiliar a manifestação, dar suporte, fechar as ruas, organizar o trânsito. Isso foi feito. O que acontece é que os excessos foram e são muito presentes na vida do Estado – e do país – e acontecem há muito tempo. A diferença é que a violência agora foi democratizada: o gás caiu nos olhos da classe média, perturbou o sono e o silêncio dos moradores da Zona Sul, atingindo seus filhos também. Não posso afirmar que sempre, mas em boa parte de sua história o excesso esteve presente. Basta pensar nos casos de desaparecidos, como o Amarildo (Amarildo de Souza, desaparecido desde o dia 14 de julho de 2013, depois de ação da polícia na Rocinha), e mortos nas favelas, no desrespeito à dignidade humana, na chacina da Candelária, no Carandiru e em muitos outros casos com policiais militares envolvidos.

Manifestação em 17/06: ação da polícia em frente à ALERJ

CR: Por que a policia age assim? O problema está no treinamento?

Wesley Prado: Acho que o problema está na estrutura militar, dentro da qual muitos fatores contribuem para que eles ajam autoritariamente. Há um código penal extremamente rígido que pune, por exemplo, policiais que se recusam a obedecer a uma ordem. O julgamento desses militares é feito por um foro também militar. A gente vê, ainda hoje, exemplos de comportamento que nos remetem à ditadura. Em Belo Horizonte, policiais deram toque de recolher nas ruas e chamaram os manifestantes de subversivos. No Rio, agrediram a imprensa com jatos d’água e balas de borracha, e falaram que a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) atrapalhou a ação dos policiais. São inúmeros os indícios de ataque à liberdade e ao direito de ir e vir que apontam problemas sérios no que tange à formação e treinamento desses policiais.

CR: Como isso poderia ser mudado? 

Wesley Prado: Pode ser mudado com a desmilitarização, com a criação de um modelo de polícia que respeite os direitos humanos e sirva à população e ao interesse público. Que pense mais na prevenção em vez de investir predominantemente em um modelo ostensivo e, como temos observado, em um modelo assassino e repressor.

CR: Por quais motivos você protestou?

Wesley Prado: Fui às ruas por entender que as pautas não só eram legítimas como fundamentais para construir uma cidade, um estado e um país mais justos. Cada um pode contribuir de uma forma para isso. Eu achei que contribuiria com minha presença e voz e também com minha atuação - fotografando e filmando - para divulgar o máximo possível o que se passava naqueles becos escuros do Rio quando não havia a chamada grande imprensa por perto. Fui enquanto cidadão preocupado em exercer minha função de comunicador social.

CR: Você concorda com o rumo que as manifestações tomaram?

Wesley Prado: Vejo que estamos em outro momento. Agora há atos de maneira mais isolada, com muitas pautas que acabam se misturando, como o Fora Cabral, pelo Amarildo, desmilitarização. Conseguimos algumas vitórias, mas ainda não chega perto da sociedade mais justa pela qual lutamos. Vejo que é positivo que os atos continuem acontecendo, ainda que não reúna um milhão de pessoas. O mais importante é a política estar em pauta, que as pessoas entendam o momento histórico que estamos vivendo. 

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