Somos todos (tão) jovens?

29 de outubro de 2013

Jovens de ontem que participaram da Passeata dos 100 Mil e “Fora Collor” analisam as manifestações de junho deste ano 
Por Luciana Maline e Gabriela Antunes

A sexta-feira de sol a pino era normal no demasiadamente urbano Centro do Rio de Janeiro. O dia da semana costuma reservar o intervalo entre 12h30 e 14h do Buraco do Lume, na praça Mário Lago, para o contato a céu aberto entre o partido político PSOL e os eleitores que passam por ali. Já quase no fim, um jovenzinho morador do Morro do Salgueiro engraxava os sapatos de Chico Alencar. “Tio, tira uma foto?”. Chico, que está em seu terceiro mandato como deputado federal, não hesitou e prontamente atendeu ao pedido, carregando como professor a crença no novo. 

Em sua opinião, dos pequenos aos grandes atos, os jovens são as engrenagens dos movimentos de mudança da história recente do país, como a Passeata dos 100 mil, em 1968, os “caras-pintadas”, em 1992, e as manifestações de junho de 2013. “O que há em comum nos três é a predominância da juventude. A juventude, até por razões físicas, tem mais disposição para marchar, caminhar, se manifestar. Claro que também há o elemento da cabeça mais aberta, não comprometida ainda com os esquemas que o sistema e a sobrevivência impõem. Isso facilita esse elemento mais contestador e rebelde”, observou.


O parlamentar, de 63 anos, quatro filhos e um neto, tinha apenas 19 anos  quando se juntou aos quase 100 mil manifestantes, no dia 26 de junho, no mesmo Centro do Rio para lutar contra a repressão da Ditadura Militar. “A Passeata dos 100 Mil foi a culminância de muitas manifestações estudantis mais pontuais, que eram duramente reprimidas. Vivíamos correndo da polícia pelo Centro da cidade. Quando subíamos em um poste para fazer um pequeno comício, a polícia logo chegava com sua cavalaria, de forma covarde. Para enfrentá-la, usávamos bolinhas de gude para os cavalos caírem e bomba de gás lacrimogêneo, que já existia naquela época”, recordou. Chico ainda acredita que a insatisfação social e simpatia aos movimentos, que ganham volume em função da repressão “desmedida, absoluta e covarde”, sejam um elo entre a passeata de 1968 e os protestos de 2013. 

A mesma repressão que, entre tantos anônimos, deu nome a duas de suas vítimas. Em 68, a morte do estudante Edson Luís marcou o estopim da passeata. Chico viu tudo com os próprios olhos azuis: estava na Câmara Municipal no exato momento da chegada do corpo do jovem Edson Luís. O estudante de 18 anos foi baleado pela polícia, no dia 28 de março daquele ano, durante um jantar no restaurante Calabouço.  Em 2013, foi a vez do pedreiro Amarildo de Souza, que desapareceu no dia 14 de julho, após ser levado por policiais à sede da UPP na favela da Rocinha, Zona Oeste do Rio de Janeiro. Quanto ao corpo de Amarildo, até o momento, ninguém sabe o destino. “Edson Luís era um estudante, que veio do Maranhão. Alimentava-se em um restaurante estudantil popular que havia aqui no Centro, o Calabouço, onde eram realizadas reuniões políticas. Já o Amarildo era um trabalhador, pedreiro da Rocinha, que foi morto pela polícia de maneira criminosa”, distinguiu Chico.

Em tempos de democracia, no entanto, episódios como o de Amarildo têm desgastado cada vez mais os representantes políticos. Na porta da casa do  governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, na esquina da Rua Aristides Espínola com a Avenida Delfim Moreira, no Leblon, Zona Sul da cidade, manifestantes chagaram a ficar acampados. Em cartazes, pediam a desmilitarização da polícia, o impeachment do governador e explicações sobre o desaparecimento de Amarildo. 

“É evidente que é um escândalo que deixa ainda mais acuado o Governo do Estado do Rio de Janeiro. Ele acaba sendo cúmplice desse tipo de crime e isso agrega desgaste a um governo que não controla a sua própria polícia. A polícia vê o pobre como inimigo, como suspeito, o que está aí para manter uma ordem burra e  discriminatória. Isso está sendo questionado nas ruas”, enfatizou Chico. 

Fora Collor

Em um salto para o meio do percurso histórico entre 1968 e 2013, Rodrigo Quik também era um jovem em 1992, quando sua geração, munida de riscos em verde e amarelo no rosto, foi às ruas pelo impeachment do então presidente Fernando Collor de Melo. Quick era presidente do Grêmio do Colégio Pedro II, da Associação Municipal dos Estudantes Secundaristas (Ames) e figura central no movimento dos “caras-pintadas”. “A bandeira predominante era o Fora Collor, que representava a privatização de setores estratégicos do país e o sucateamento dos serviços públicos”, alegou. 

Em 2013, o compartilhamento de informação imediata proporcionado pelas redes sociais facilitou o encontro dos manifestantes. Um dos protestos, no dia 20 de junho, pode ter ultrapassado a marca de um milhão de pessoas na Avenida Presidente Vargas. Em 1992, no entanto, a informação circulava sem o auxílio da Internet. “A gente panfletava de escola em escola. Entrávamos em contato com os grêmios mais organizados, telefonávamos pra Deus e o mundo, fazíamos reuniões madrugada adentro”, recordou Rodrigo. 

Como resultado prático do movimento dos “caras-pintadas”, Collor renunciou em 1992, e seu vice, Itamar Franco, assumiu o cargo de presidente. Quando questionado sobre os rumos das manifestações mais recentes, Quick analisou: “o Collor foi totalmente inocente no estilo de governar. Isolou-se achando que conseguiria governar sozinho. Já Cabral e Eduardo Paes (prefeito do Rio)  não têm essa característica. Além disso, ano que vem eles já estarão com os indicadores positivos novamente, pois o perfil de campanha eleitoral é totalmente diferente do de pesquisas de opinião”. Resta esperar, agora, se o espírito de mudanças acompanhará os jovens em caminhada até as urnas.  

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