O jornalismo para Jorge Antônio Barros, o menino pobre que queria cobrir arte e conquistou prestígio cobrindo crimes

19 de maio de 2013

Por Daniela Reis do Nascimento e Igor Pinheiro

“Meu sonho ao entrar no jornalismo era cobrir artes plásticas, pintura... Por ser mulato, de origem pobre e nascido na Zona Norte, fiquei na editoria de Polícia. A maior parte da redação era de 'mauricinhos' e 'patricinhas' da Zona Sul. Acabei gostando.” A frase é de Jorge Antônio de Barros, há 31 anos na profissão. O jornalista nos recebeu com um largo sorriso na sede do jornal O Globo, no Centro do Rio.

Diante do agito da redação, nos acomodamos para fazer a entrevista em cadeiras no canto da lanchonete do prédio. Nosso nervosismo de entrevistadores de primeira viagem rapidamente foi aplacado pela simpatia do entrevistado. Entre latas de Coca-Cola e blocos de papel, ouvimos os relatos de Jorge sobre o que viveu como jornalista.

Depois de quase 15 anos na editoria Rio do Globo, os últimos deles como editor Adjunto, Jorge agora está na coluna Ancelmo Gois. Faz notas para impresso, mas também produz reportagens para o blog Ancelmo.com – a turma da coluna. Uma vantagem da mudança foi poder voltar à reportagem. “Ser repórter é a melhor parte da profissão. Os editores ganham melhor, o que é um erro do jornalismo brasileiro. Dentro de um jornal, o repórter é como um trabalhador braçal, quando na verdade deveria ser mais valorizado. A reportagem é a alma do jornalismo. Sem reportagem não há esperança”, observa Jorge.

O início da vida profissional

Aos 19 anos, Jorge pediu ao editor-chefe do Jornal do Brasil para ser estagiário e foi aceito. Começou a estagiar em 1981, já na área de Polícia. No início fazia rádio patrulha, uma prática comum dos jornais quando a frequência das forças de segurança pública ainda podia ser sintonizada livremente. O primeiro “furo de reportagem” surgiu de forma inesperada. O jornal havia recebido telefonemas de parentes de presos que ficavam no galpão da Quinta da Boa Vista, onde acabara de acontecer uma fuga. Os familiares relataram que os presos estavam sendo espancados pela polícia. Jornalistas de outros veículos também tinham recebido as denúncias, mas alegaram que não poderiam fazer nada, já que as fontes não queriam se identificar.

Coincidentemente, Jorge era amigo de um dos presos e conseguiu se infiltrar no local como visitante. No presídio, ouviu o relato de detentos que estavam sendo espancados há seis dias. Durante a fuga, um dos presos matou um policial, o que desencadeou a vingança dos demais. Os presos eram acordados de madrugada para apanharem e serem torturados. “A matéria foi a minha carta de alforria da escuta de rádio. Após esse episódio, passei a fazer matérias externas”, conta.

Técnicas de apuração 

Jorge acentua que, quanto melhor for a apuração, mais fácil será escrever a matéria. Durante a apuração, se percebe o que é mais importante, a hierarquia dos dados. A construção do texto precisa ser antecipada mentalmente, assim o repórter percebe o que falta e precisa ser verificado para concluir a matéria. O jornalista ressalta que, em determinados casos, ao conversar pelo telefone a fonte se sente protegida e dá informações que ao vivo não passaria. Hoje em dia, a apuração também pode ser feita por e-mail e mídias sociais. Ele, por exemplo, costuma fazer entrevistas pelo Twitter com a ajuda de seguidores.

“É bom ter as falas das fontes gravadas como prova. Mas o ideal é não ligar o gravador logo no início da entrevista, para que o entrevistado não comece a se censurar. A narrativa de uma reportagem também é fundamental. Uma história pode ser contada através de texto, áudio, vídeo... O repórter tem que estar preparado para tudo. Quando comecei só andava com bloquinho, caneta e no máximo um gravador”, diz o jornalista.

Ele explica que a diferença entre a apuração da reportagem comum para a grande reportagem está no tempo e nos recursos que o jornal investe. Há quem considere que toda apuração é investigativa, mas ele não concorda e explica que investigação exige uma dedicação muito maior e demanda mais tempo.

Reportagem de crime e adrenalina

“Uso a expressão reportagem de crime em vez de reportagem de polícia para não dar a impressão que o jornalista é um porta-voz dos policiais. A maior parte das notícias de segurança tem como fonte o poder público: a polícia é a principal e, muitas vezes, a única informante. Assim como se cobre política, cultura, economia e esportes, também se cobre o crime, que é um problema social incorporado principalmente nas grandes cidades”, explica Jorge.

O que mais o atrai nessa área do jornalismo é a adrenalina. Para ele, é mais fácil escrever sobre crime do que sobre assuntos mais complexos. Por outro lado, considera a apuração sobre o tema uma das mais difíceis: “A maior parte das fontes envolvidas não quer que as informações venham à tona. As vítimas podem se sentir envergonhadas pela violência que sofreram; o criminoso não quer que conheçam a forma como age; a polícia não pretende revelar as informações enquanto estiver no processo de investigação. Os repórteres muitas vezes atrapalham”.

Câmera oculta, ética e segurança pessoal

Jorge acredita que o método da infiltração completa, quando se usa a câmera escondida e não se assume a identidade na apuração, é muito arriscado porque deixa o repórter completamente vulnerável. “No jornalismo, a prática da infiltração deve ser muito bem pensada e garantir toda segurança possível. Também é preciso agir com ética. Ao apresentar a reportagem, o jornalista tem que esclarecer para o leitor como conseguiu a informação. O leitor é o mais importante, visto que representa a sociedade”, analisa.

Para ele, há matérias complicadas de se apurar nas quais se o jornalista se identifica simplesmente não consegue a informação. “Em alguns momentos há que se escolher entre ‘subverter’ a ética ou dar informações de interesse público que denunciam práticas criminosas”, afirma. “Se o jornalista não fizer isso, quantas máfias continuarão atuando e prosperando? A imprensa precisa auxiliar esse trabalho, mas com grandes precauções”, complementa.

Jorge pondera, contudo, que não se pode praticar atos ilegais para denunciar crimes e que nenhuma notícia vale a vida humana. Para ele, quando uma reportagem põe alguém em risco, precisa ser relativizada.

Perigos da vida de repórter

A morte do Tim Lopes foi um divisor de águas quanto à preocupação dos jornais e dos jornalistas com a segurança das equipes em coberturas de risco. “Não cogitávamos a possibilidade de um bandido matar um jornalista. Agora o próprio jornal cobra que sejamos cuidadosos”, compara.

Em novembro de 1987, Maria Helena Pereira da Silva, líder comunitária da Rocinha, foi morta por criminosos. O crime, provavelmente cometido pelo líder do tráfico na região, na época, causou muita comoção. Jorge passou a ir diariamente à favela pelo Jornal do Brasil, e chegou a morar lá com mais dois integrantes da equipe por um período. A experiência rendeu série de matérias para mostrar todos os lados da favela.

A equipe sofreu graves perigos durante a apuração. “Um dia um carro passou atirando pela nossa porta. Prontamente o seguimos e, como o nosso carro não era identificado, atiraram na gente. Paramos na curva e falei para um olheiro do tráfico que éramos do JB. Ele mandou a gente subir e falou que o Sérgio Bolado, chefe do tráfico, estava nos esperando. A gente subiu, peguei a mão dele e botei no meu peito, pra mostrar como estava assustado”, conta.

O traficante ficou desconcertado com a atitude e acabou decidindo dar uma entrevista ao jornalista. Recentemente, Jorge acompanhou a ocupação da Rocinha e descobriu que muitas pessoas com quem conversou na época morreram antes de ver a comunidade ocupada. Ele diz que hoje não repetiria a experiência.

Jornalismo preguiçoso

Jorge critica veementemente a cobertura da mídia quando o tema é criminalidade. “Ouvir as pessoas envolvidas e o advogado dos acusados dá trabalho e muitos jornalistas não querem isso. Fazem um trabalho preguiçoso e mal feito ao recorrerem somente às fontes oficiais”.

Sobre o sensacionalismo, ele afirma: “É uma das piores abordagens que existem em qualquer tipo de matéria. O jornalista tem que distinguir o que interessa ao público do que é fofoca. Quando uma matéria é forte e bem contada não precisa de exageros.” Jorge considera essas práticas contrárias à civilização, aos direitos humanos e ao respeito entre as pessoas. Para ele, o jornalista precisa ter responsabilidade social e, se cometer algum deslize, deve se desculpar.

Em relação, à cobertura da pacificação do Rio de Janeiro, ele vê certo exagero no espaço dado à Secretaria de Segurança. Para ele, seria importante que a secretaria exercesse a autocrítica em relação ao futuro das UPPs. Já a sociedade, na opinião dele, deve participar auxiliando a imprensa sobre as atitudes a serem tomadas nesse debate.

Blog “Repórter de crime” e novas tecnologias

O blog Repórter de crime, como reportagens e artigos de opinião, foi criado pelo jornalista em 2005 com o objetivo de fomentar o debate dos temas segurança pública, criminalidade, justiça e direitos humanos. “O principal objetivo do blog é contribuir pra uma sociedade mais segura. O problema do crime não é uma competência só da polícia. O cidadão pode colaborar com denúncias. O melhor exemplo disso é o disque-denúncia. O leitor colabora e, por isso, acho o blog uma revolução. É a maior âncora das mídias socias”, diz.

Para Jorge, em relação às novas tecnologias, só se pode ter certeza sobre o que já passou. “É difícil prever o futuro, mas acredito que os impressos vão continuar de forma segmentada, talvez saindo menos dias por semana. Certo público vai continuar preferindo o jornal impresso. O número de assinaturas de jornais não está crescendo, mas não está caindo. O impresso ainda tem muita força”, analisa.

Sobre o entrevistado

Jorge recebeu o prêmio Esso da região Sudeste pela reportagem "Rocinha Sociedade Anônima - Como se vive e como se morre na maior favela da América Latina". Para ele, os prêmios são um importante reconhecimento do trabalho. Em 1986, uma equipe do Jornal do Brasil, da qual Jorge participava, foi premiada com o Esso pela cobertura de um tumulto no Rio após aumento do preço das passagens de ônibus. O episódio terminou em violento embate entre a população e a polícia.

O terceiro Esso da carreira veio em 1994 por uma reportagem investigativa. A matéria revelou que o delegado que comandava a Divisão Anti-Sequestro (DAS) fazia segurança particular de empresários. Ou seja, os sequestros se tornaram para ele sinônimo de lucros. A comprovação foi feita com a declaração de renda que mostrava os serviços prestados. Jorge também foi agraciado com o prêmio Carlos Castelo Branco, no ano de 1992, devido a uma reportagem que denunciava o militar Armando Argólio Filho. Ele trabalhava na embaixada brasileira em Londres e havia sido torturador durante a ditadura. Após a repercussão na mídia, Armando foi demitido do cargo.

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