18 de junho de 2013
Sylvia Debossan Moretzsohn
www.observatoriodaimprensa.com.br - edição 750
Os dois principais jornais paulistas amanheceram na quinta-feira (13/6) com editoriais que conclamavam a polícia à ação: “Retomar a Paulista”, pedia a Folha de S. Paulo; “Chegou a hora do basta”, enfatizava o Estadão, apelando ao “maior rigor” na repressão aos protestos contra o aumento das tarifas de ônibus.
Ao fim daquele dia, tiveram o que pediram: a polícia esmerou-se no que melhor sabe fazer e distribuiu seus coices indiscriminadamente, atingindo inclusive jornalistas, alguns dos quais feridos com gravidade por balas de borracha no rosto. Um deles, um fotógrafo, corre o risco de perder a visão.
Estaria aí, talvez, o motivo principal para a “virada na cobertura” apontada neste Observatório: a imprensa sempre se sensibiliza quando alguns dos seus são atingidos. Até então, tanto os jornais paulistas quanto O Globo e as redes de televisão carregavam nas tintas contra os atos de vandalismo praticados por uma minoria que sempre se infiltra em manifestações desse tipo – como se isto, por si, invalidasse a mobilização e, pior, justificasse a repressão indiscriminada e truculenta.
Bem a propósito, O Globo, na primeira página de quarta-feira (12/6), referia-se aos protestos no Rio como “a marcha da insensatez” e, no dia seguinte, acusava – o verbo é precisamente este – o Movimento Passe Livre paulista de ter “apoio de partidos”, como se isso fosse um absurdo. Mais grave, afirmava, logo na abertura da matéria, que os organizadores eram responsáveis pelos atos de vandalismo, embora eles próprios argumentassem que não tinham controle da situação. No mesmo parágrafo, condenava – o verbo também é este – a suposta artificialidade da causa, que embutiria interesses ocultos e inconfessáveis, já que aqueles jovens não compunham o grupo social “mais afetado pelo reajuste da tarifa de transporte”. Como se existisse legitimidade apenas em reivindicações do interesse imediato de cada um.
Não há exagero em apontar a lógica elementarmente fascista desse raciocínio que põe cada macaco no seu galho e rejeita qualquer perspectiva de mobilização solidária em torno de causas comuns.
Reviravolta, pero no mucho
Mas a reviravolta na cobertura talvez não tenha sido tão grande assim. Com certeza está presente nas imagens que expõem o resultado da repressão em rostos e corpos sangrando ou marcados pelo impacto das balas de borracha e o olhar de ódio e gozo dos policiais a despejar spray de pimenta contra cinegrafistas e a agredir pessoas que simplesmente tomavam cerveja em bares da Paulista.
O texto, entretanto, continua subserviente às fontes oficiais. Repete monocordicamente a condenação do governador ao caráter político dos protestos, como se esta não fosse uma característica inerente a qualquer manifestação pública. Acolhe acriticamente as promessas de “apuração rigorosa” sobre os “eventuais excessos” cometidos pela polícia, como se as evidências e o próprio testemunho dos repórteres, alguns atingidos pela truculência policial (ver aqui), não fossem bastantes para um questionamento incisivo e para a autonomia na interpretação dos fatos.
Além disso, o acompanhamento das manifestações virtuais forneceria elementos suficientes para uma abordagem crítica. Há tempos os grandes jornais monitoram e interagem com as redes sociais. Ora, desde a noite de quinta-feira proliferaram vídeos e depoimentos sobre o que ocorreu em São Paulo. Um deles, de Elcio Fonseca (ver aqui), que trabalha “na esquina de Paulista com Augusta”, tinha a característica particular de informar os números da identidade e do CPF do autor. Protestava contra a violência gratuita da polícia e falava das cenas produzidas para a TV, como frequentemente ocorre na cobertura de guerras: encenações para a câmera. No caso, encenações que visavam a atribuir atos de vandalismo aos manifestantes: “Vi uma barricada na esquina com a [rua] Luis Coelho, com coisas que me pareceram colchões e pneus, queimando. Adivinhe quem colocou fogo? Isso mesmo, a Polícia Militar de São Paulo, disfarçadamente”.
Não seria o único registro dessa manobra que a imprensa “de referência” preferiu ignorar naquela noite.
Ao fim daquele dia, tiveram o que pediram: a polícia esmerou-se no que melhor sabe fazer e distribuiu seus coices indiscriminadamente, atingindo inclusive jornalistas, alguns dos quais feridos com gravidade por balas de borracha no rosto. Um deles, um fotógrafo, corre o risco de perder a visão.
Estaria aí, talvez, o motivo principal para a “virada na cobertura” apontada neste Observatório: a imprensa sempre se sensibiliza quando alguns dos seus são atingidos. Até então, tanto os jornais paulistas quanto O Globo e as redes de televisão carregavam nas tintas contra os atos de vandalismo praticados por uma minoria que sempre se infiltra em manifestações desse tipo – como se isto, por si, invalidasse a mobilização e, pior, justificasse a repressão indiscriminada e truculenta.
Bem a propósito, O Globo, na primeira página de quarta-feira (12/6), referia-se aos protestos no Rio como “a marcha da insensatez” e, no dia seguinte, acusava – o verbo é precisamente este – o Movimento Passe Livre paulista de ter “apoio de partidos”, como se isso fosse um absurdo. Mais grave, afirmava, logo na abertura da matéria, que os organizadores eram responsáveis pelos atos de vandalismo, embora eles próprios argumentassem que não tinham controle da situação. No mesmo parágrafo, condenava – o verbo também é este – a suposta artificialidade da causa, que embutiria interesses ocultos e inconfessáveis, já que aqueles jovens não compunham o grupo social “mais afetado pelo reajuste da tarifa de transporte”. Como se existisse legitimidade apenas em reivindicações do interesse imediato de cada um.
Não há exagero em apontar a lógica elementarmente fascista desse raciocínio que põe cada macaco no seu galho e rejeita qualquer perspectiva de mobilização solidária em torno de causas comuns.
Reviravolta, pero no mucho
Mas a reviravolta na cobertura talvez não tenha sido tão grande assim. Com certeza está presente nas imagens que expõem o resultado da repressão em rostos e corpos sangrando ou marcados pelo impacto das balas de borracha e o olhar de ódio e gozo dos policiais a despejar spray de pimenta contra cinegrafistas e a agredir pessoas que simplesmente tomavam cerveja em bares da Paulista.
O texto, entretanto, continua subserviente às fontes oficiais. Repete monocordicamente a condenação do governador ao caráter político dos protestos, como se esta não fosse uma característica inerente a qualquer manifestação pública. Acolhe acriticamente as promessas de “apuração rigorosa” sobre os “eventuais excessos” cometidos pela polícia, como se as evidências e o próprio testemunho dos repórteres, alguns atingidos pela truculência policial (ver aqui), não fossem bastantes para um questionamento incisivo e para a autonomia na interpretação dos fatos.
Além disso, o acompanhamento das manifestações virtuais forneceria elementos suficientes para uma abordagem crítica. Há tempos os grandes jornais monitoram e interagem com as redes sociais. Ora, desde a noite de quinta-feira proliferaram vídeos e depoimentos sobre o que ocorreu em São Paulo. Um deles, de Elcio Fonseca (ver aqui), que trabalha “na esquina de Paulista com Augusta”, tinha a característica particular de informar os números da identidade e do CPF do autor. Protestava contra a violência gratuita da polícia e falava das cenas produzidas para a TV, como frequentemente ocorre na cobertura de guerras: encenações para a câmera. No caso, encenações que visavam a atribuir atos de vandalismo aos manifestantes: “Vi uma barricada na esquina com a [rua] Luis Coelho, com coisas que me pareceram colchões e pneus, queimando. Adivinhe quem colocou fogo? Isso mesmo, a Polícia Militar de São Paulo, disfarçadamente”.
Não seria o único registro dessa manobra que a imprensa “de referência” preferiu ignorar naquela noite.
Analfabetos políticos
Essa mesma imprensa apenas mencionou a agressão sofrida pelo repórter fotográfico Piero Locatelli, de CartaCapital, preso por carregar uma garrafa de vinagre, para amenizar os efeitos do gás lacrimogêneo. Seu registro, reproduzido aqui, é um documento exemplar porque expõe toda a estupidez que transita pelos diferentes níveis de hierarquia desses pobres diabos encarregados de manter a ordem na cidade.
O incidente, além do mais, forneceu munição para a criação de um movimento virtual pela “legalização do vinagre”, com muito humor, essa terrível arma que desmoraliza a força bruta.
As autoridades, apesar de suas diferenças partidárias, falam para analfabetos políticos. Os jornais, apesar de suas opções ideológicas –convém destacar – têm o dever elementar do pluralismo: no caso, o dever de investigar as raízes e razões de movimentos como este. Não têm o direito de reduzir tudo – os cálculos obscuros para o reajuste das tarifas, a qualidade do transporte público, o desejo de participação política – a uma explosão de um bando de baderneiros interessados apenas em atrapalhar o trânsito – já de si caótico – e transtornar – ainda mais? – a rotina das grandes cidades, neste especial momento midiático-patriótico de véspera da Copa das Confederações. Não têm o direito de se pautar pela histeria que demoniza os movimentos sociais e ignora sua legitimidade e suas contradições.
Os jornais, em suma, precisariam demonstrar que a questão vai muito além dos 20 centavos. Ou que 20 centavos são só a gota d’água. Porque, como diz um slogan que circula na rede, “não é por centavos, é por direitos”.
Ao agirem como agiram até agora, os jornais cultivam a ignorância dos analfabetos políticos que compõem parte de sua audiência. É uma opção arriscada, sobretudo em tempos de internet. Depois não poderão reclamar das consequências.
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