Flávia Oliveira: compromisso com a verdade, sem negociação

15 de maio de 2013
 

Alexandre Strachan e Douglas Nascimento 

Há quem diga que a motivação de um jornalista para a profissão advém do gosto pela escrita e a leitura. Mas a redação do Globo guarda uma peculiaridade, de nome Flávia Oliveira, responsável pela coluna Negócios & Cia e comentarista dos programas Estudio i, da Globo News, Bom Dia Rio e RJ-TV, da Rede Globo. A desenvoltura com números, desde a adolescência, foi decisiva para fazer de Flávia uma das importantes referências da editoria de Economia do veículo. Com uma trajetória marcada por prêmios, Flávia mostrou ser parte de uma fração ínfima da população que emerge de uma infância pobre para ganhar destaqueno competitivo espaço do jornalismo.

Até cobrir grandes temas, como a implantação do Plano Real ou a troca de poder entre Fernando Henrique Cardoso e Lula, Flávia começou no jornalismo, segundo suas palavras, “passando paninho no chão”. Sua primeira matéria no Jornal do Commercio, onde começou a carreira em 1992, foi sobre declaração de Imposto de Renda. “Fazendo uma analogia com a escola, foi ali minha educação infantil”. Alguns anos depois, a jornalista foi escolhida pela própria Mirian Leitão para substituí-la, como interina, na coluna Panorama Econômico. “O Globo foi a grande escola: foi meu ensino médio e tem sido minha faculdade”, comparou.

Fora do impresso, Flávio atua no Estudio i traduzindo o “economês” para um público mais amplo e não acostumado com os termos específicos da Economia. Já no Bom Dia Rio e RJ-TV fala sobre microeconomia, comentando finanças pessoais e economia doméstica para um telespectador que precisa de informações ainda mais leves. “O fato de eu ter o conhecimento praticamente de 20 anos de jornalismo econômico me ajuda a entregar quase já batido no liquidificador os conceitos econômicos”, disse.

Flávia Oliveira participou de trabalhos muito bem avaliados, como a série de reportagens “Retratos do Rio”, o suplemento “A Cor do Brasil” ou os cadernos “Pirataria S/A” e “Exclusão Digital”, todos no jornal O Globo. Os especiais lhe renderam inúmeros prêmios, incluindo um Esso, em 2001, de Melhor Contribuição à Imprensa. A qualidade, ela conta, deve-se em parte ao tempo de produção que pôde dedicar a essas reportagens. 

“A principal característica do jornalista é a devoção com o prazo. Essa é a regra número um. A vida das pessoas depende do ciclo do jornal, seja para sair de casa, para se manter informadas, etc. No caso de uma edição diária, o prazo precisa ser muito respeitado. Numa reportagem especial temos mais tempo para ouvir mais pessoas, encontrar fontes, para escrever melhor e ter até preocupações literárias com a escrita. A reportagem especial é mais sofisticada na apuração e na redação. E isso acontece de um modo geral porque você tem um pouco mais de prazo”, explicou a jornalista. 

O modelo de produção da série “Retratos do Rio” é um desses casos. A estrutura de daquela produção demandou, além de mais tempo, muitos profissionais. Todas as informações vinham de um documento da ONU, que fazia uma análise de IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do Rio de Janeiro sob 10 dimensões: violência, saúde, educação, etc. A estratégia de divulgação desse material, ao qual todos os veículos tiveram acesso, seria em capítulos semanais, cada um sob uma perspectiva da cidade. “Só aí nós já teríamos no mínimo 10 semanas de trabalho. Eu fui cedida pela editoria de Economia e foram deslocados mais oito profissionais, cada um de uma área da redação, para formar um suplemento. Ao todo foram quatro meses de produção”, detalhou. Flávia explicou que o modelo é caro para os veículos, por isso não é adotado com tanta frequência. “Encontrar a pauta certa é uma ciência, mas o principal é ter tempo e recursos. Para fazer uma viagem, para encontrar quem não quer ser encontrado... tudo isso demanda muito tempo. E tempo é custo”.

Os quatro meses de produção de “Retratos do Rio” contrastam com a rotina habitual vivida pela jornalista. Em dias de anúncio de medidas econômicas, por exemplo, geralmente no fim da tarde – já com os mercados fechados, para não gerar especulação – Flávia tem pouquíssimas horas para tomar conhecimento das medidas adotadas pelo Governo, entender as implicações daquelas mudanças e depois exercer o lado didático do jornalismo, escrevendo uma matéria que ajude as pessoas a entender o impacto das decisões na vida delas. “A gente vive espremido por essa pressão de ter o máximo de qualidade no prazo mínimo de produção”, confessou. 

Em muitos de seus trabalhos, está evidenciado o seu fascínio pelo viés social da economia, algo que vem de vivências e interesses pessoais da jornalista. Habilíssima na cobertura de temas como pobreza, desigualdade e desenvolvimento humano, Flávia acredita ter adquirido essa "queda" por temas sociais já na infância. Criada no Irajá, subúrbio do Rio de Janeiro, a colunista diz se ver um pouco nessas estatísticas: negra, órfã de pai e filha de uma imigrante que saiu da Bahia nos anos 1960 para tentar uma vida melhor na capital carioca. 

“Acho que tudo isso tem a ver com minha origem social. À medida que fui entendendo todas as informações que acompanharam minha infância, fui me enviesando para a socioeconomia, pela afinidade de origem que eu já tinha com o tema”, esclareceu a jornalista. Já a perícia com os números foi adquirida num curso técnico em Estatística, no Ensino Médio. 

Flávia pontua que sua formação é bem diferente da que prevalece entre jornalistas, e isso de certo modo é um diferencial.  “O jornalismo, ainda hoje, é composto por uma massa homogênea: são filhos da classe média que escrevem e se reportam para a classe média. Quando chega alguém de fora, ele chega trazendo uma agenda diferente”. Essa “agenda”, no caso de Flávia, tem sido enriquecida pelo contato e a contribuição com diversas ONGs, entre elas CUFA, Voz da Comunidade, Rocinha.com e Observatório de Favelas, além do Educafro, na Bahia. “Esse é o meu jeito de devolver o que eu recebi. Acho tentadora a possibilidade de você fazer essa transferência de conhecimento para quem está chegando. Eu me sinto uma profissional mais completa fazendo isso”, acrescentou. 

Flávia é uma daquelas que, assim como alguns outros importantes nomes do jornalismo, incorporam a causa jornalística de defender o que é de interesse público. “Acho que é dever do jornalista apontar os problemas, os culpados e as soluções”, afirmou, abrindo um leque de reflexões sobre o compromisso da profissão. “Cada profissão tem a sua ética. Cada profissão tem a sua lógica. Qual foi o seu juramento, se você é médico? Qual é o seu compromisso verdadeiramente? A essência da ética jornalística é o compromisso com a informação e com a verdade. Sem negociação”.

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