As vozes da comunidade

29 de março de 2013

A partir dos anos 2000, a comunicação popular cresceu devido à insatisfação com a mídia tradicional, fortalecendo a discussão sobre a democratização da comunicação

Natália Nunes Andrade

A maioria das matérias que tem a favela como tema destaca os seus aspectos negativos. De modo geral, estes espaços são vistos como territórios da “bandidagem” e, principalmente, do tráfico de drogas. Foi por causa dessa visão distorcida das grandes empresas de mídia sobre as favelas que a comunicação alternativa e parte daquela definida como comunitária surgiu. Ao inserir os moradores como protagonistas, ela se destaca como forma de expressão da visão de mundo popular.

Em 2001, o Observatório de Favelas fez uma pesquisa com 73 veículos de comunicação em favelas e espaços populares. Destes, 46 foram fundados a partir dos anos 2000. A maioria foi fortemente impulsionada pela insatisfação com as representações de seus territórios de origem feitas pela mídia tradicional. “É complicado quando pesquisamos na Internet e temos como resultado apenas crimes e violência. Na Globo.com, por exemplo, 90% do que é divulgado sobre a Rocinha trata de violência. E a nossa comunidade não é só isso. Nós temos cultura, arte, projetos maravilhosos e pessoas muito talentosas” diz Ocimar Santos, do Rocinha.org.

No ar desde agosto de 2007, Rocinha.org é a primeira página na web a abranger a Rocinha como um todo. Investindo na qualidade do conteúdo e na seriedade das informações, o projeto ganhou forma e logo se tornou forte referência do morro na grande rede. Por ser um domínio (.ORG), o portal tem características filantrópicas e institucionais, sendo parceiro da União Pró-Melhoramentos dos Moradores da Rocinha (UPMMR) e das principais ONGs do bairro.

Já o Visão da Favela Brasil, projeto autossustentável, localizado na comunidade do morro Santa Marta, na Zona Sul do Rio de Janeiro, nasceu devido à necessidade de divulgar artistas e atividades dos atores das favelas. “Somos moradores do morro Santa Marta. Vemos as construções de realidades distorcidas pela mídia empresarial. Essa distorção das notícias nos inspira a trazer a verdade por quem vive” explica Rapper Fiel, criador do Visão da Favela. Ele acrescenta:

“Precisamos debater a responsabilidade social de cada sujeito nesta cidade e no país. Exigir a justiça social. Lutar de forma organizada pelos nossos direitos e pela democratização dos meios de comunicação e educação de qualidade. O nosso principal objetivo é promover, através da arte do hip-hop, a reflexão e a capacidade crítica dos jovens e adultos, sobre a conjuntura política atual do Brasil e mundo”.

O Visão da Favela oferece diversas atividades no Santa Marta. O núcleo de cinema atua na realização de produtos audiovisuais, reportagem, oficinas de cinema e de comunicação popular, além de exibir filmes. O jornal Visão da Favela Brasil tem distribuição gratuita, dentro e fora do morro Santa Marta. Neste veículo, debate-se historia dos trabalhadores, favela, segurança pública, educação e comunicação popular.

Outro projeto alternativo é a Agência de Notícias das Favelas (ANF). Fundada pelo jornalista André Fernandes em 2001, foi reconhecida pela Reuters como a primeira agência de favelas. Quatro anos depois, foi instituída como ONG para lutar pela democratização da informação da favela para o mundo, principalmente a partir de seus próprios moradores. “A maioria dos editores dos grandes veículos está comprometida de alguma forma. Não tem capacidade de ser totalmente imparcial. Colocamos em evidência os moradores e produzimos um conteúdo de total interesse deles. A mídia tradicional dá pouco espaço para esse tipo de notícia e público”, diz o fundador da ANF.

O Cidadão da Maré

O Cidadão é um projeto que busca ampliar e consolidar o direito básico à comunicação entre os moradores das 16 favelas que compõem o Conjunto de Favelas da Maré, na Zona Norte do Rio. Isso se dá por meio da produção e circulação do jornal impresso com tiragem de 20 mil exemplares. A distribuição é gratuita e os principais pontos de entrega são as escolas, as organizações governamentais e não-governamentais e as associações de moradores. “A mídia deve servir a maioria, tratar dos direitos humanos. Os veículos mais tradicionais não dão espaço. O que aparece é só violência, problemas que existem na favela. O lado bom ninguém mostra”, disse Gizele Martins, editora de O Cidadão.


Em novembro de 2010, a comunidade do Alemão foi ocupada por forças policiais civis e militares. O intuito era recuperar o território dominado por criminosos. Três jovens moradores do Morro do Adeus fizeram uma cobertura em tempo real pelo Twitter sobre o cerco e a invasão da polícia à comunidade. Liderada por Rene Silva, na época com 17 anos, a equipe do jornal Voz da Comunidade atualizava informações a partir do perfil @vozdacomunidade, @Rene_Silva_RJ, @IgorComunidade e @JackComunidade. O twitter do jornal local passou de 180 seguidores para mais de 20 mil em apenas um dia, e a expressão #vozdacomunidade chegou ao Trending Topics Brasil (lista de tópicos mais twittados no país).

Rene, com apenas 11 anos, já fazia um jornal que distribuía de casa em casa. O periódico foi criado com o objetivo de denunciar os problemas da região do Complexo do Alemão. Com a Internet, se modernizou e foi longe: o blog Voz da Comunidade tem, atualmente, cerca de 70 mil seguidores. O sucesso fez com que ele conseguisse o patrocínio de uma operadora de celular, que lhe deu um aparelho de celular para twittar e fazer fotos e vídeos.

Ao contrário do Voz da Comunidade, a maior parte dos veículos (48) que responderam ao questionário elaborado pelo Observatório de Favelas nunca teve patrocínios de qualquer natureza. Dez contam ou já contaram com financiamento público, dois com recursos privados e quatro com as duas formas de financiamento – um veículo não informou. Nenhum veículo conta ou já contou com ajuda de organismo internacional.

Busca Cadernos

Loading

Quem somos

Minha foto
Cadernos de Reportagem é um projeto editorial do Curso de Comunicação Social da UFF lançado em 3 de outubro de 2010.
 
▲ TOPO ▲
© 2014 | Cadernos de Reportagem | IACS