30 de março de 2013

Foto: Lucas Schuenck Poerner
Movimento cultural do Hip-Hop, ligado ao contexto das favelas e periferia, chega a reunir 400 pessoas na roda de rima em São Gonçalo

Lucas Schuenck Poerner

Você sabe o que Dançarinos de Rua, Mc’s, Grafiteiros e Deejays têm em comum? Eles são os quatro elementos de uma cultura que vem revolucionando o mundo da música há 40 anos. O movimento Hip-Hop nasceu na década de 70, no bairro do Bronx, em Nova Iorque, quando a criminalidade atingiu seu nível mais alto. Jovens envolvidos com gangues, após perderem muitos amigos e viverem na miséria, resolveram que era melhor batalhar com a criatividade e não mais com armas. À procura de reconhecimento no meio, pessoas antes envolvidas com a violência passaram a se dedicar exclusivamente a este mundo, deixando de cometer delitos e usar drogas, pois as habilidades de Freestyle (Estilo Livre/ Improviso) em batalhas de Mc’s e B-boys (Dançarinos de Rua) só eram aprimoradas com muito treino.

Em 1980, esta cultura chegou ao Brasil. Tendo São Paulo como polo principal, o primeiro elemento a se tornar famoso foi o Break, embalado pelo sucesso dos filmes da época, como “Beat Street” e “Flash Dance”, que mostravam o mundo underground da dança de rua nova iorquina. Esse estilo de dança consiste em movimentos ousados por parte dos B-boy’s que, ensaiados ou no improviso (Freestyle), tentam impressionar a plateia. Anos depois, entre palmas ritmadas, batidas em latas e beatbox (sons emitidos pela boca que simulam instrumentos), nasciam os primeiros Mc’s no Brasil. Estes se destacaram com o nível de rapidez de raciocínio para fazer letras de improviso, unindo ritmo e poesia. Nascia o RAP (Rythm and Poetry) nacional, que virou REP (Ritmo e Poesia) em sua forma “abrasileirada”. O sucesso foi grande nas periferias, que encontravam na cultura a única forma democrática de serem representados, sem intermediários que não viviam sua realidade.

As batalhas de Mc’s foram importadas dos Estados Unidos. Hoje, cada vez mais famosas, duas pessoas batalham com rimas feitas na hora em conjunto com a batida, em dois rounds de 45 segundos para cada um. Após o término do segundo round, o apresentador da batalha pede o julgamento do público para coroar o vencedor. Em caso de empate, é usado o terceiro e definitivo round para tira-teima.

Batalhas do improviso

No município de São Gonçalo, o movimento Hip-Hop nunca esteve tão forte. A Roda Cultural de São Gonçalo acontece há um ano e meio, regularmente às quartas-feiras, na Praça dos Ex-Combatentes, na Rua Doutor Francisco Portela, no bairro Paraíso. “Quando acabou o Turbilhão Hip-Hop (único evento do gênero na cidade), a gente não tinha outro evento aqui. Nós só queríamos fazer um encontro para os amigos, para nos encontrar, cantar, tomar uma cerveja. Eu nem imaginava que isso fosse passar de 30 pessoas. Conforme foram rolando as batalhas, começamos a chamar atenção e atrair muita gente. Hoje em dia, temos em torno de 400 pessoas toda quarta-feira”, afirma o fundador da roda, Luã Medeiros Almeida, conhecido como “MC Gordo”, de 24 anos. De maneira independente, a roda conta com equipamento de som, microfones, instrumentos e outros tipos de estrutura doados ou emprestados pelos frequentadores. A inscrição para a batalha de Mc’s é gratuita e indiscriminada. Todos os interessados podem participar.

As disputas, conhecidas como Batalhas, são a maior atração das rodas. “As batalhas são o motivo de vir, pelo menos para mim. A vontade deles (Mc’s) pegarem o microfone é impressionante. É só rima improvisada, construtiva, de conteúdo”, afirma o estudante Breno Oliveira, de 20 anos.

MC Jeffinho e MC Big Eddy em ação numa "batalha" na roda cultural de São Gonçalo (Foto: Lucas Schuenck Poerner)

Assim como em sua origem no Bronx, o Hip-Hop no Brasil sempre esteve ligado à periferia e ao contexto de áreas dominadas pelo crime. Como a maioria dos Mc’s, Victor Freitas, de 29 anos, hoje reconhecido no Brasil com suas músicas pelo nome “Funkero”, cresceu em meio à violência no bairro de Jardim Catarina, em São Gonçalo: “Devia ter uns 8 anos quando vi a primeira pessoa morta. Quando tinha morte na comunidade era meio que um acontecimento, descia todo mundo para ver. Minha mãe não deixava, falava que eu ia ter pesadelo, mas eu ia escondido mesmo assim”, declarou. Sem entrar em detalhes, ele afirma que, como a maioria dos jovens na região onde cresceu, se envolveu com o crime em algum momento, mas que, vendo o caminho que estava trilhando, resolveu sair: “Se eu não saísse ia morrer. Comecei a fazer música na época e falei: ‘é isso que mesmo que eu vou fazer, crime não tá com nada’”, recordou Victor. 

Luã “Gordo”, acostumado desde pequeno a conviver com o tráfico, acabou encontrando um jeito mais rápido de ganhar dinheiro: “Meu melhor amigo morava na casa ao lado da minha. Aí eu pulava o muro para ir pra casa dele brincar, sem saber que o pai dele era um dos maiores traficantes da cidade. Acabei tendo a noção de como uma boca de fumo funcionava. [...] Me envolvi com o crime, quando tinha 14 anos. Andava com um grande amigo e nos envolvemos juntos. Depois ele foi preso. Preferi me afastar também porque eu não confiava em mais ninguém. Antes de sair eu quase morri. Lá era o seguinte: você só podia sair da boca morrendo ou rodando (sendo preso). Eu queria sair e não queria morrer nem rodar. Aí eu entreguei tudo que eu tinha (drogas) e meti o pé para outro lugar”. Quando perguntado sobre seus amigos de infância, Luã afirma: “Todos meus amigos da época estão mortos ou presos. O RAP mudou minha vida”.

Hoje, a cena do Rap / Hip-Hop está em crescimento. Criadas no Rio de Janeiro, as rodas culturais estão se expandido. Além de São Gonçalo, existem eventos também na Cantareira, em Niterói, e em Botafogo, no Rio de Janeiro. “Tem muita roda. Fui para Florianópolis fazer um show e lá me levaram na roda que eles fazem. Tem até fora do Brasil agora. Isso é muito bom”, afirmou Funkero. 

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