22 de março de 2013
Por Wesley Prado e Bruno Roncada
Final do corredor. Porta à esquerda. Departamento de Comunicação da Pontifícia Universidade Católica (PUC-Rio). Esse foi o caminho que nos levou até Suely Caldas, jornalista formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e que leciona pela segunda vez na PUC-Rio. Para ela, é importante fazer com que o conhecimento adquirido ao longo de mais de 30 anos de carreira possa ser transmitido a futuros jornalistas.
Em 45 minutos de entrevista, fomos conhecendo um pouco mais sobre o mundo do jornalismo e a vida profissional de Suely. Conversamos a respeito dos atributos necessários para um bom texto jornalístico, do papel fundamental da etapa de apuração, das reportagens marcantes feitas pela jornalista e da repercussão das suas matérias, dentre outros assuntos.
Perfil
Maria Suely Monteiro Caldas nasceu em 1945 em Belém, Pará. Sua vida profissional veio antes da acadêmica. Em 1965 começou a trabalhar num banco, onde ficou até 1967. Já morando no Rio de Janeiro, passou a estagiar no jornal O Globo. Antes de deixar o banco, ingressou na UFRJ após um acordo firmado com uma amiga também bancária, que lhe perguntou: “Vamos prestar para Comunicação?”. Ela concordou, embora sua vontade na época fosse outra: “queria ser cientista, queria começar pela Engenharia”. Por se tratar de uma carreira cara e com horário integral de estudo, seu desejo não pôde ser realizado. “Minha família era pobre, não podia me ajudar a pagar”.
Formou-se em 1972, passou por veículos como O Jornal, pertencente ao grupo de Assis Chateaubriand, pela sucursal carioca da Folha de S. Paulo, pela Gazeta Mercantil, onde ficou por dez anos, pelo O Estado de S. Paulo, além de ter chefiado a editoria de economia do Telenotícias. Ela aponta a Gazeta como sua “grande escola” de jornalismo econômico.
Formou-se em 1972, passou por veículos como O Jornal, pertencente ao grupo de Assis Chateaubriand, pela sucursal carioca da Folha de S. Paulo, pela Gazeta Mercantil, onde ficou por dez anos, pelo O Estado de S. Paulo, além de ter chefiado a editoria de economia do Telenotícias. Ela aponta a Gazeta como sua “grande escola” de jornalismo econômico.
Mas foi a passagem por O Estado de S. Paulo, onde escreveu reportagens de repercussão nacional e internacional, o momento mais marcante da sua carreira. Suely foi diretora da sucursal do Rio entre 1992 e 2006, quando bateu forte o desejo de passar seu conhecimento adiante. Então, fez um acordo com o Estadão. Hoje atua como colunista de economia do jornal e professora de Comunicação na PUC-RJ. Publicou também o livro “Jornalismo Econômico” (Editora Contexto).
O valor da apuração
“A grande novidade nos métodos de apuração é a internet”. Para Suely, não houve grande mudança no processo de produção da matéria ao comparar sua época de repórter com os dias de hoje. “O que mudou foram as ferramentas que possibilitam a busca de informações”. Segundo ela, permanece sendo imprescindível na profissão a responsabilidade na hora de investigar e buscar informações, estabelecer uma boa relação com as fontes e produzir um texto verdadeiro e bem apurado. Para ela, a apuração é fundamental, pois só assim se consegue uma gama de informações mais completas. “Não se pode enganar o leitor com uma apuração mal feita. Publicar coisas sem provas suficientes é uma cascata e não uma matéria”, completa.
Nesse ponto, a professora alerta que a internet pode ser uma “faca de dois gumes”, pois ao mesmo tempo em que é uma excelente ferramenta de busca, também pode atuar como um agente de acomodação. “Como professora, posso afirmar que essa questão da acomodação já vem da universidade. O estudante cria um hábito de fazer entrevista por e-mail e evitar o contato direto com suas fontes. Isso é uma luta diária minha”, comenta.
“Nada supera a apuração, nem mesmo a escrita”. Suely afirma que o texto atua como um chamamento, um convite ao leitor, que deve prender a sua atenção e emocioná-lo, mas reitera que, para isso tudo ter sentido, é preciso que haja uma boa apuração.
“Nada supera a apuração, nem mesmo a escrita”. Suely afirma que o texto atua como um chamamento, um convite ao leitor, que deve prender a sua atenção e emocioná-lo, mas reitera que, para isso tudo ter sentido, é preciso que haja uma boa apuração.
Casos especiais
Suely Caldas conta que já deixou de publicar uma matéria a pedido de um entrevistado. Em 1998, ela realizou uma entrevista com o ex-presidente do Banco Central Pérsio Arida, que seria publicada em duas páginas na edição de domingo de O Estado de S. Paulo. Foi, então, que estourou uma crise financeira na Rússia, seguida de um ataque especulativo do mercado financeiro à economia brasileira. Houve uma crise de confiança dos investidores, principalmente nos países emergentes. Como a entrevista traria informações que poderiam fornecer mais munição contra a moeda brasileira (na época já era o Real), Suely optou por não publicar. Segundo ela, Pérsio Arida é muito conhecido e respeitado no meio acadêmico internacional. Por isso, tais declarações poderiam prejudicar fortemente a economia brasileira.
Ameaças
A colunista confidencia que já sofreu ameaças por causa de suas reportagens. O primeiro caso ocorreu em 1988, por conta de uma matéria sobre a BR Distribuidora. Apesar de não ter recebido telefonemas ou cartas, Suely recebeu informações de que o general Albérico Barroso Alves (um dos envolvidos no escândalo apurado pela jornalista) “estava de olho” nela e em sua família. Como medida de proteção, ela denunciou a ameaça.
Em outro caso, no início da década de 1990, Suely Caldas recebeu uma carta-anônima, contendo, ao mesmo tempo, uma denúncia e uma ameaça. A carta era referente a uma investigação jornalística sobre a Petrobras. O curioso é que Suely não estava investigando nada sobre a empresa, na época. De qualquer modo, nesse episódio a jornalista e sua filha precisaram andar com uma escolta oferecida pelo jornal O Estado de S. Paulo.
Em outro caso, no início da década de 1990, Suely Caldas recebeu uma carta-anônima, contendo, ao mesmo tempo, uma denúncia e uma ameaça. A carta era referente a uma investigação jornalística sobre a Petrobras. O curioso é que Suely não estava investigando nada sobre a empresa, na época. De qualquer modo, nesse episódio a jornalista e sua filha precisaram andar com uma escolta oferecida pelo jornal O Estado de S. Paulo.
Imprensa e censura
Suely também comenta as diferenças entre fazer jornalismo hoje e durante a ditadura. A jornalista conta que, na época de maior repressão, as redações de jornais recebiam, todos os dias, uma ligação entre 17h e 18h, determinando quais assuntos poderiam ou não ser publicados na edição seguinte. O grupo ao qual pertence o jornal O Estado de S. Paulo adotou a prática de publicar receitas de culinária e poemas de Camões no espaço destinado a matérias que foram censuradas. Desse modo, o jornal deixava claro ao leitor que havia sofrido censura. A ousadia acabou fazendo com que o Estadão recebesse um censor.
A lista de assuntos sobre o qual não se podia falar incluía desde uma epidemia de dengue até greve de motoristas de ônibus. “Além de autoritária e impositiva, era uma lista burra”, classificou a colunista. Também eram censuradas coberturas sobre mortes de militantes políticos por agentes da repressão política.
A lista de assuntos sobre o qual não se podia falar incluía desde uma epidemia de dengue até greve de motoristas de ônibus. “Além de autoritária e impositiva, era uma lista burra”, classificou a colunista. Também eram censuradas coberturas sobre mortes de militantes políticos por agentes da repressão política.
Suely ressalta que foi num contexto totalmente oposto a esse que sua geração teve que trabalhar.
Para exemplificar como era difícil o dia a dia do jornalista no período ditatorial, Suely Caldas compartilhou uma experiência vivida no episódio da bomba no Riocentro, em 1981. Durante as investigações para determinar os culpados, foi feito um inquérito, forjado, que culpava a esquerda pela explosão da bomba. Na ocasião, foi convocada uma coletiva pelo coronel Job Lorena para explicar o resultado das investigações oficiais. Logo no início da sessão, o coronel estabeleceu algumas proibições, dentre elas, perguntar, gravar e escrever.
Suely Caldas conta que, durante a entrevista, imagens da investigação foram projetadas na parede. Em uma delas, aparecia o sargento da polícia, morto pela bomba dentro do carro, armando o artefato. Só que, na foto, a bomba estava coberta por uma tarja preta. Como se soube mais tarde, a bomba explodiu acidentalmente no colo do militar, mas o plano original era explodir os artefatos na plateia, durante o show em comemoração ao Dia do Trabalhador.
Quando Suely Caldas perguntou o motivo da tarja, o coronel Lorena disse que era para não deixar à mostra a genitália do oficial. A jornalista contrapôs dizendo que, naquele momento, tal preocupação deveria ser secundária. Lorena perdeu a paciência e repetiu o que havia dito na abertura da sessão: era proibido perguntar, gravar e escrever. Numa entrevista coletiva. E exigiu que a jornalista se sentasse.
Para exemplificar como era difícil o dia a dia do jornalista no período ditatorial, Suely Caldas compartilhou uma experiência vivida no episódio da bomba no Riocentro, em 1981. Durante as investigações para determinar os culpados, foi feito um inquérito, forjado, que culpava a esquerda pela explosão da bomba. Na ocasião, foi convocada uma coletiva pelo coronel Job Lorena para explicar o resultado das investigações oficiais. Logo no início da sessão, o coronel estabeleceu algumas proibições, dentre elas, perguntar, gravar e escrever.
Suely Caldas conta que, durante a entrevista, imagens da investigação foram projetadas na parede. Em uma delas, aparecia o sargento da polícia, morto pela bomba dentro do carro, armando o artefato. Só que, na foto, a bomba estava coberta por uma tarja preta. Como se soube mais tarde, a bomba explodiu acidentalmente no colo do militar, mas o plano original era explodir os artefatos na plateia, durante o show em comemoração ao Dia do Trabalhador.
Quando Suely Caldas perguntou o motivo da tarja, o coronel Lorena disse que era para não deixar à mostra a genitália do oficial. A jornalista contrapôs dizendo que, naquele momento, tal preocupação deveria ser secundária. Lorena perdeu a paciência e repetiu o que havia dito na abertura da sessão: era proibido perguntar, gravar e escrever. Numa entrevista coletiva. E exigiu que a jornalista se sentasse.
Extorsão na Petrobras
A colunista também citou o caso da reportagem “PP/Collor, a Grande Farsa”, feita em 1992 sobre a corrupção na Petrobras, para mostrar a importância da etapa de apuração na produção jornalística. Tudo começou quando ela foi procurada por um grupo de funcionários da estatal que afirmava ter informações sigilosas sobre empresas privadas (Edubra, Pollo Petróleo e Tecnape) que mantinham contratos com a companhia.
Os proprietários dessas empresas tinham relações com o então secretário de Assuntos Estratégicos (SAE), Pedro Paulo Leoni Ramos, amigo e padrinho de casamento do presidente Collor. O esquema PP/ Collor era uma referência ao ministro Pedro Paulo. Um dos empresários envolvidos no caso, o advogado João Muniz de Oliveira Alves, convocava funcionários da Petrobras para conversar em um escritório no Rio, e os ameaçava de demissão caso não concordassem em fazer parte de um esquema de extorsão.
Apesar de todas as denúncias e dos fatos apresentados, a colunista relata que levou um mês verificando as informações e só publicou a reportagem após ter convicção de que tudo que estava sendo dito era verdadeiro. Essa reportagem foi a primeira denúncia pública contra Collor, antes da famosa entrevista na qual Pedro Collor denunciou o irmão para a Veja. “Todo mundo sabia que existia cobrança, que Collor era o chefe do esquema, que PC Farias cobrava comissões, mas ninguém tinha evidências. Para denunciar o esquema, contei com a ajuda de fontes que confiavam em mim, dentro da própria Petrobras”, explica.
Horas após a publicação da matéria, o jornal recebeu uma enxurrada de denúncias contra Collor. A procura ainda perdurou nos dois meses seguintes. “Parecia um país sufocado, que precisava de um estímulo para tomar coragem, sair do silêncio e denunciar. As matérias de O Estado de S. Paulo sobre a ação do esquema PP incentivaram as pessoas a quebrar o silêncio,” conta Suely em seu livro.
Os proprietários dessas empresas tinham relações com o então secretário de Assuntos Estratégicos (SAE), Pedro Paulo Leoni Ramos, amigo e padrinho de casamento do presidente Collor. O esquema PP/ Collor era uma referência ao ministro Pedro Paulo. Um dos empresários envolvidos no caso, o advogado João Muniz de Oliveira Alves, convocava funcionários da Petrobras para conversar em um escritório no Rio, e os ameaçava de demissão caso não concordassem em fazer parte de um esquema de extorsão.
Apesar de todas as denúncias e dos fatos apresentados, a colunista relata que levou um mês verificando as informações e só publicou a reportagem após ter convicção de que tudo que estava sendo dito era verdadeiro. Essa reportagem foi a primeira denúncia pública contra Collor, antes da famosa entrevista na qual Pedro Collor denunciou o irmão para a Veja. “Todo mundo sabia que existia cobrança, que Collor era o chefe do esquema, que PC Farias cobrava comissões, mas ninguém tinha evidências. Para denunciar o esquema, contei com a ajuda de fontes que confiavam em mim, dentro da própria Petrobras”, explica.
Horas após a publicação da matéria, o jornal recebeu uma enxurrada de denúncias contra Collor. A procura ainda perdurou nos dois meses seguintes. “Parecia um país sufocado, que precisava de um estímulo para tomar coragem, sair do silêncio e denunciar. As matérias de O Estado de S. Paulo sobre a ação do esquema PP incentivaram as pessoas a quebrar o silêncio,” conta Suely em seu livro.
O caso do Banco Nacional
Em 1996, Suely Caldas expôs ao país a crise do Banco Nacional. Por meio de fontes do próprio banco, a jornalista tomou conhecimento da iminente falência do Nacional. Ela teve acesso a uma contabilidade feita com quase cinco mil contas fantasmas. A artimanha financeira fazia com o banco exibisse lucro, em vez de forte prejuízo.
Voltando para o Rio de Janeiro, a jornalista escreveu a matéria, que viraria manchete do Estadão no sábado de Carnaval. Como o Banco Nacional estava presente em todo o país, Suely lembra que “a repercussão foi gigantesca”. Depois, outros veículos da imprensa também passaram a acompanhar o caso.
A reportagem “Operações fantasmas minaram Nacional” conquistou em 1996 o Prêmio Esso de Informação Econômica. Não foi a primeira vez que a repórter recebeu a láurea no maior programa em reconhecimento ao trabalho dos jornalistas no Brasil. O primeiro veio em 1989, com a matéria “O Caso BR”, feita com Ricardo Boechat, Aluízio Maranhão e Luiz Guilhermino, também pelo jornal O Estado de S. Paulo. A série de matérias ganhou o prêmio na categoria Reportagem.
Além dos dois Prêmios Esso, a jornalista também era conhecida por publicar matérias que ganhavam as manchetes de capa. “Fazia entrevistas pingue-pongue com autoridades que, em geral, saíam na manchete de domingo”, conta. Hoje, também como professora, compartilha essas experiências com os mais jovens na profissão.
Voltando para o Rio de Janeiro, a jornalista escreveu a matéria, que viraria manchete do Estadão no sábado de Carnaval. Como o Banco Nacional estava presente em todo o país, Suely lembra que “a repercussão foi gigantesca”. Depois, outros veículos da imprensa também passaram a acompanhar o caso.
A reportagem “Operações fantasmas minaram Nacional” conquistou em 1996 o Prêmio Esso de Informação Econômica. Não foi a primeira vez que a repórter recebeu a láurea no maior programa em reconhecimento ao trabalho dos jornalistas no Brasil. O primeiro veio em 1989, com a matéria “O Caso BR”, feita com Ricardo Boechat, Aluízio Maranhão e Luiz Guilhermino, também pelo jornal O Estado de S. Paulo. A série de matérias ganhou o prêmio na categoria Reportagem.
Além dos dois Prêmios Esso, a jornalista também era conhecida por publicar matérias que ganhavam as manchetes de capa. “Fazia entrevistas pingue-pongue com autoridades que, em geral, saíam na manchete de domingo”, conta. Hoje, também como professora, compartilha essas experiências com os mais jovens na profissão.
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