Os cuidados na aproximação com traficantes

15 de fevereiro de 2012
Por Luísa Vianna e Thamiris Alves
Ilustrações de Ildo Nascimento



Continuação da entrevista com Fábio Gusmão: “O jornalista vive de entrevistar” - da série A Arte da Entrevista.


Como foi a entrevista que você fez com Fernandinho Beira-Mar?


Eu não acreditava que esta entrevista fosse acontecer. Beira-Mar estava foragido e era o bandido mais procurado do país na época. A única entrevista que ele tinha dado havia sido feita através de um advogado. Então, por duvidar de que fosse acontecer mesmo, eu me preparei pouquíssimo. Me pegou de surpresa mesmo. Isso abre espaço para insegurança. Mas acabou virando um bate-papo, porque eu tentei me aproximar da linguagem dele. Não há como colocar um erudito para entrevistar um bandido ou um policial, por exemplo. A linguagem aproxima. A minha sorte, no caso do Beira-Mar, foi ele estar com muita vontade de falar e falou muita coisa boa. Isso supriu qualquer deficiência minha.

Alguma coisa chocou você nas entrevistas com Beira-Mar?


Não, porque ele não falou ou não se aprofundou em muitos assuntos. Mas, nas entrevistas, ele falou muito de dois policiais que extorquiam ele. Ele pagava a esses caras e ficou com muita raiva quando um deles teve um relacionamento com uma de suas ex-namoradas. Michel era o nome do policial. Então, uma coisa que me chocou foi quando ouvi uma gravação em que ele manda matar o Michel e também fala em tortura. Depois disso, entrevistei-o mais uma vez e ele disse que há coisas que precisam ser feitas e que as pessoas nunca iriam entender, mais ou menos como se dissesse: “são ossos do ofício”.

Você teve medo de Fernandinho Beira-Mar?


Não, não. Mas ele me contou quando mandou matar os irmãos Morel, logo depois dos caras terem morrido, 20 minutos depois. Ali eu fiquei com medo. Não dele, mas da situação em que eu estava. A advogada colocava ele em contato comigo rapidamente. A gente se falava através de um orelhão. Na semana seguinte, ele me contou que tinha mandado matar o pai, que estava preso, por 50 mil reais. Depois admitiu para um jornal no Paraguai que tinha mandado matar os dois irmãos dele. Ele tentou falar comigo logo depois também, mas eu não estava no Rio. Não sei se ele me contaria antes de fazer uma coisa dessas. Essas coisas são perigosas. Eu sempre oriento os repórteres a ter muita atenção para o modo como vão falar com esse tipo de cara, porque, para se aproximar, você acaba falando como se fosse amigo do cara.

Como foi trabalhar como ghost writer na biografia da ex-candidata a presidente Marina Magessi?


Foi a minha experiência mais profunda ligada à arte de entrevistar, mas não gostaria de fazer outro trabalho parecido. Hoje quero mais histórias de gente comum e não quero mais fazer biografias. Porque é como se, durante determinado tempo, você estivesse realmente vivendo a vida do outro e seus sentimentos. É difícil de lidar com isso.

Você fez muitas entrevistas com a Marina para escrever a biografia. Como foi essa experiência?


Muito forte. Embora eu não tenha escrito o livro sozinho, fiquei com a função de escrever a parte mais pessoal, mais emocional. As entrevistas duravam três horas. Falávamos sobre muitos aspectos da vida dela, como, por exemplo, o abuso sexual que ela sofreu do tio. Não é fácil escrever no lugar da pessoa. Você acaba se envolvendo muito com aquilo. Eu tinha que ser a Marina, tinha que escrever como se fosse ela. Entrevista para biografia é muito mais profunda. Rola muita emoção em viver o outro. Eu chorei escrevendo. Para o meu lado psicológico foi uma experiência muito difícil. Imagina como é pessoa ser abusada e você ter que descrever o ambiente, o cômodo, o sofá. Quando você se dá conta, está dentro daquela cena com a pessoa. É complicado. Prefiro pesquisar a história e descobrir segredos.

Além disso, depois que eu escrevo, não gosto de ler. Nunca li esse livro. Tenho horror. Mudaria tudo. Eu sou muito crítico comigo mesmo. Sou mais crítico comigo do que com os outros.

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