Aydano André Motta: “O silêncio instiga a pessoa a falar”

07 de fevereiro de 2012
Por Elena Batista Wesley
Ilustrações de Ildo Nascimento



“Era você que estava me ligando, não era?”. Aydano se desdobrou em desculpas por não atender o celular e por ter me indicado o endereço errado, inexistente no Rio. Ao receber as primeiras dicas sobre o bloquinho de anotações ideal, percebi que os imprevistos enfrentados não teriam a menor importância. Talvez até me aproximassem da sensação de inusitado que faz parte do dia-a-dia do jornalista. Com a simpatia estampada naqueles olhos verdes tão solícitos, Aydano contou sobre a arte de entrevistar que tem exercido em 25 anos de carreira. Mal deu para reparar no cheirinho de pão de queijo da cantina do jornal O Globo. Mesmo com um pouco de pressa – pois teria reunião dali a meia hora –, pareceu tão à vontade que as respostas vinham antes das perguntas. Nos sessenta minutos em que pude ouvi-lo, ainda ganhei um aceno do chefe, o jornalista Ancelmo Góis, que, segundo Aydano, também quer retornar como jornalista na próxima encarnação.

Você já passou por alguma experiência de ter que entrevistar alguém de quem discorda muito? Como foi?


Muitas vezes. O Brizola é um exemplo.


Nas eleições de 1990, o Brizola era o candidato favorito. O Moreira Franco era o governador e sofria críticas pelas obras do metrô, que tinham esburacado a cidade e não havia previsão de término. Em uma coletiva na Rádio JB, perguntaram o que ele faria em relação às obras. Ele só tinha duas opções: dizer que não concluiria as obras, o que seria ruim pro eleitor, já que a cidade estava esburacada; ou que daria prosseguimento. Ele ficou calado, pensando durante uns 20 segundos. Um intervalo desse no rádio faz a pessoa pensar que deu defeito. Então, o Brizola começou um discurso de que o Moreira Franco era ladrão e etc. Quem é craque na oratória costuma ser craque na entrevista. O Lula é outro exemplo.

Como agir com entrevistados como esses?


Você precisa estar muito bem informado. Se eu for entrevistar o secretário de obras para a Copa do Mundo e questioná-lo a respeito da desfiguração do Maracanã, ele vai me responder que a proposta é adequar o estádio ao padrão dos melhores da Europa. Eu tenho que saber agir nesses momentos.

Tem algum truque para que uma entrevista longa não se torne maçante?


Truque, não! Essa história de criar frases é uma arte. Você tem que pensar no leitor, no que ele espera da entrevista. Não importa se é a Dilma ou o Nem [chefe do tráfico na Rocinha, preso em novembro de 2011]. Se vou entrevistar, aquela pessoa é importante. No documentário, uma das entrevistadas, a Nilse, disse que mulata não é mais uma cor, mas uma profissão. É uma frase incrível. Talvez uma pessoa que tenha três doutorados não seja capaz de me dar uma afirmação dessas.

Vou lhe contar uma história que os seus colegas vão adorar. Fui fazer uma entrevista com a Rita Cadillac. Na época, a Suzana Werner era o padrão de beleza. Se hoje é, sei lá, a Aline Moraes, antes era ela: fininha, delicadinha... Como a Rita era o oposto, com bundão e pernão, perguntei a opinião dela sobre essa questão. Essa formulação de pergunta não é boa. Não diga “o que você acha de...” ou “qual a sua opinião sobre...”. São perguntas muito vagas, sem foco, que permitem ao entrevistado seguir um outro caminho, diferente do que você propôs. No meu caso a Rita disse: “Pois é, né?! Quando eu morrer vão ter que me enterrar de bruços para reconhecerem quem eu era”. Depois dessa, poderia ir embora feliz. Ganhei a minha entrevista na sorte.


O Jô é que tem essa doença de achar que precisa ser protagonista.

Como é o entrevistado ideal?


Não existe. Ou melhor, é aquele que tem paciência para ser entrevistado. Mas a situação ideal não existe. Você precisa se adaptar. Eu já fiz entrevista sem gravar nem anotar.

Nossa! Como você conseguiu?


Não tem mistério. É questão de treino. Todo mundo que comeu direito na infância tem capacidade para fazer. O [Jorge] Kajuru [polêmico jornalista esportivo, processado inúmeras vezes] uma vez me fez um elogio. Mas não foi por causa disso que eu falei bem dele antes, hein? (risos). Ele disse que fui muito fiel à sua fala na transcrição. É claro que eu não coloquei exatamente o que ele falou. Eu ajusto algumas coisas porque a linguagem falada não é igual à escrita. Mas editar um texto não significa alterar sua essência. Péssimos entrevistados seriam o João Gilberto e o Chico Buarque, que não falam nada.

Em uma palestra que deu na UFF, você comentou sobre a importância de ficar calado para receber uma resposta maior. Isso funciona mesmo?


Quando eu fiz a disciplina de Teorias e Técnicas de Reportagem, meu professor era o Rosental [Calmon Alves], que hoje é diretor de jornalismo na Universidade de Austin, no Texas.


Eu já conversei sobre isso com alguns amigos e eles me disseram que na psicanálise é assim. O profissional silencia e induz o paciente a se abrir.

Como no filme do Nixon?


Exatamente. O silêncio pode fazer a pessoa falar o que é mais importante e que ela não diria de imediato. Mas não é algo que vai acontecer sempre. É mais do que um método, tem que sentir na hora e tentar.

E quanto à tendência atual de produzir cada vez mais entrevistas por email?


É sempre melhor pessoalmente. Às vezes não dá, você tem três matérias para fazer e vai priorizar alguma. E tem entrevistado que só aceita por email. Entrevista por email é melhor do que entrevista nenhuma.

Tem alguma pessoa que te inspira no ramo?


Elio Gaspari. O Ricardo Kotscho é um repórter fantástico. Procure o blog dele. Também tem o Caco Barcellos. Admiro muito a responsabilidade social do Caco, essa preocupação com o bem informar. Aquele programa dele com os estudantes, o Profissão Repórter, faz reportagens melhores que as do Fantástico, apenas com três pessoas e uma camerazinha.

Há diferenças na maneira de entrevistar nos veículos onde trabalhou?


Na TV a maior preocupação é com a forma. Você pensa no tempo, na entonação da entrevista para dar o corte, precisa editar para ficar melhor.


Vale usar gravador oculto?


Você pode usar desde que volte lá, se apresente como jornalista e dê a quem foi gravado a chance de negar. Que direito eu tenho de expor essa pessoa? Pode fazer se voltar e avisar que vai gravar. Aí, o telespectador julga.

Que dica você daria aos principiantes, além de todas que já me deu?



Você tem que achar o seu lugar. Eu faço isso porque adoro. O resto vai: ter que trabalhar até a noite, ler muito, ver notícias o dia inteiro. Você tem que se perguntar se está disposto. Caso não esteja, faça outra coisa. O [Ancelmo] Góis tem 64 anos e está sempre cheio de gás. No jornalismo é assim, começar do zero todo dia para uma nova conquista.

O aprendizado na faculdade foi fundamental para desempenhar a função de entrevistador? Faltou algo?


Falta muita coisa, mas eu não seria nada sem a faculdade. Eu não sabia escrever. A faculdade me fez ver que a resposta à pergunta que eu recomendei a vocês era “sim!”. Eu tirava o máximo de cada professor, era uma mala. Parava no corredor, ficava até depois da aula. O Muniz Sodré foi meu professor e me ajudou muito a melhorar o texto. Sou filho da classe média: morei em São Francisco, estudei em escola particular, ganhei carro quando passei no vestibular. Ir pra UFF me fez perder a mordomia. Cheguei num lugar onde a política é “vai lá e se vira!”. Essa pressão de ter que correr atrás foi fundamental.

Eu fui concorrer a um estágio e antigamente era uma bagunça. Graças a Deus não é mais assim. Pediram que eu transformasse um telex da Agência Nacional de Notícias em uma matéria jornalística. O cara leu e perguntou se eu tinha pedido ajuda a alguém. Com toda a minha timidez eu respondi que tinha feito sozinho, pois não conhecia ninguém ali. Então, ele disse: “Bom, isso aqui tá muito profissional para um estudante”. Deduzi que era um elogio. Ele me mandou voltar no dia seguinte. Eu voltei e fiquei. Eu até topo discutir os moldes do curso, se deve haver dois anos de Sociologia, Ciência Política e Antropologia e, depois, mais dois anos de especialização técnica. Mas a faculdade é fundamental.



Aydano André Motta trabalhou no Jornal do Brasil, no Dia e ingressou no Globo em 1992. Foi comentarista do Sportv e do PFC. Niteroiense, apaixonado por carnaval, produziu o documentário "Mulatas! Um tufão nos quadris". Atualmente é o editor da página Ancelmo.com e faz parte da equipe da coluna de Ancelmo Gois, no Globo.


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