15 de fevereiro de 2012
Por Luísa Vianna e Thamiris AlvesIlustrações de Ildo Nascimento
Fábio nos recebeu na redação do jornal e disse que se sentia honrado por ter sido escolhido para a nossa série sobre “A Arte da Entrevista”. “Fazemos entrevista porque o jornalista vive de entrevistar”, disse, ressaltando o valor da entrevista em profundidade para captar um perfil detalhado do entrevistado: “Se o repórter pode estar perto de seus entrevistados é muito positivo, pois pode apreender os seus trejeitos, se olha fixamente ou não, se inspira confiança”. Contou que busca sempre tentar criar intimidade com o entrevistado, chegar antes para tomar um café, conquistar a fonte, ou seja, tentar criar um ambiente amigável antes de começar. “Mas sem ser ‘entrão’, inconveniente”. Ouvir, para ele, também é fundamental. “É importante também saber respeitar a respiração do entrevistado. Às vezes o cara faz uma pausa pra respirar e o repórter não tem a habilidade de respeitar o silêncio de um segundo. Ou então fica fazendo a concordância chata: ‘a-ham, é, a-ham, é’, que atrapalha na gravação”.
Entrevista por telefone e por e-mail. Você acha que as entrevistas feitas através destas ferramentas são válidas?
Têm que ser. O repórter não pode estar em todos os lugares. Não defino isso como prática, mas é preciso fechar o jornal e, se for o único jeito de conseguir falar com o entrevistado, é válido, sim.
Como você se prepara para uma entrevista?
A melhor preparação é pesquisar sobre o assunto e sobre a pessoa que você vai entrevistar. Só que as pessoas não fazem isso. Tem muito repórter que faz duas pesquisas no Google e acha que já é o bastante. Eu mando logo pedir arquivo, pesquiso na internet. Traço a vida da pessoa toda, até financeira. Isso é muito importante para entender a forma do outro pensar. As pessoas famosas geralmente já deram outras entrevistas, então você pode buscar algumas coisas que te ajudem a criar um canal com elas e estabelecer confiança.
Gravador ou bloco de anotações? Você prefere o que?
Os dois juntos. Nunca uma coisa só. Estou numa guerra aqui na redação para fazer os repórteres usarem gravador. O jornalista abandonou o gravador, porque teve um período de muito uso de declarações em off. Mas agora, mesmo matéria em on, as pessoas desmentem na cara dura. E eu sempre falo para o pessoal daqui: “Se ligar para a assessoria, grava e anota o horário, para que depois não possam dizer que a gente não tentou fazer contato”. Além disso, ter material de áudio e vídeo é muito útil, porque pode ser colocado no jornal on line ou no rádio. Mas o gravador pode acuar o entrevistado, por isso, é sempre bom chegar um pouco antes, tomar um café e bater um papo antes de pegar bloco e gravador. E é sempre bom deixá-lo do lado para que ele não seja um objeto estranho no meio da sua entrevista. Nas coletivas de imprensa é diferente. Você precisa ser rápido.
Fábio apontou para o nosso gravador e nos corrigiu. Segundo ele, nosso gravador estava numa posição que o fazia servir de barreira entre nós. Vendo nosso constrangimento em frente a um editor premiado, ele completou: “Comigo não tem problema. Eu sou do ramo”).
No caso da reportagem “Janela Indiscreta”, como foi lidar com a responsabilidade de proteger a fonte?
A senhora que filmava o tráfico foi colocada no Programa de Proteção à Testemunha e se mudou antes da matéria ser publicada. Ela mesma se colocava em risco, porque, além de filmar, tacava água e pedra nos bandidos. Os bandidos deviam achar que ela era só uma maluca, mas um dia poderia acontecer algo sério. A gente a ajudou a sair dali. E ela queria que a matéria fosse publicada sem sair de casa, mas só publicamos quando a investigação estava andando e ela já tinha saído. Mesmo quando a fonte não está preocupada, a responsabilidade é do jornalista, às vezes quando a pessoa está na roda-viva não percebe o perigo. Eu fiz todos os contatos com o Programa de Proteção à Testemunha, com a Secretaria de Segurança e com a escolta que a tirou de lá.
Qual foi a entrevista que mais te emocionou?
Escrevi algumas matérias para a série “Anjos”, que falava sobre a violência contra crianças, incluindo o abuso sexual infantil. Busquei registros de ocorrências de gente que havia denunciado os casos e que focou naqueles ocorridos com pessoas da classe média e alta. As pessoas mais pobres denunciam mais. E eu queria mostrar que é um problema que afeta todo mundo, mesmo com a hipocrisia da classe média e alta, que finge que isso não existe. Não são só os pobres que abusam por causa da sua condição, por morarem em um cômodo só e coisas do tipo.
Eu chamava as pessoas para virem à redação e muitas delas tiveram a coragem de contar o abuso que sofreram ou que seus filhos sofreram, alguns entrevistados tiveram filhos muito pequenos abusados. Eu tentava deixar os entrevistados à vontade, explicando como havia chegado a eles e que tinha liberdade para falar só o que realmente quisessem. Nessas entrevistas, não tem como interferir muito. Você vai só guiando as pessoas para que elas contem a história da vida delas, que é muito difícil. Eu entrevistei uma dentista por cinco horas e meia. Não sei nem quantas fitas eu gravei. Foi a entrevista que mais mexeu comigo.
Como você fez pra fazer as perguntas mais difíceis sem chocá-la?
Eu começava a fazer as perguntas mais básicas, desde o começo de toda a história, e assim ia deixando-a tranquila e à vontade para responder as mais difíceis. Era o marido, o pai das crianças, que abusava dos filhos. Comecei perguntando quando ela o conheceu e se ele já demonstrava algum comportamento estranho. O marido dela a chamava de maluca. O grupo de casais do qual eles participavam ficou todo contra ela. Depois o tal marido sofreu um assalto, levou um tiro do bandido e ficou tetraplégico. Justiça divina!
Você acredita nisso?
Acredito.
Quando você sabe que tem o material suficiente?
Quando você já tem o lide. Uma frase. Pode ter sido dita no início e já garante tudo. E quando você consegue descrever o que pretendia com aquela entrevista, quer dizer, quando já tem uma história com início, meio e fim, saborosa. Se você consegue descrever com detalhes o entrevistado e ainda colocar pitadas de humor, consegue as melhores entrevistas. Você tem que estar atento para não deixar passar oportunidades de fazer uma boa pergunta. Não se deve ficar preocupado em fazer as perguntas do roteiro. Às vezes, o entrevistado vai tão bem que você pode jogar o roteiro fora.
O talento influencia na arte de entrevistar?
Sim. Há um conjunto de fatores que influenciam: talento, descolamento e cultura. A pessoa que é mais culta desenvolve qualquer assunto e estabelece o canal com o entrevistado mais facilmente.
Como você lida com os entrevistados que falam muito? E qual o melhor e o pior tipo de entrevistado?
Em relação ao que fala muito, o importante é o entrevistador saber interferir. No início você o deixa falar, porque pode te levar para um caminho bom, mas é preciso saber voltar e conduzir o assunto melhor. É você quem faz a entrevista e não o entrevistado. O pior entrevistado é o monossilábico, que só responde sim ou não. A pessoa responde porque esperam que ela fale alguma coisa para ser publicada, mas faz como que por obrigação. Os caras muito formais também são difíceis. E o melhor é aquele que surpreende, com uma puta história para contar. Ou o cara que é grande exemplo de vida, seja positivo ou negativo, que evidencia o que não deve ser.
As pessoas mentem muito? Você já se sentiu enganado por um entrevistado?
Muito. E você tem que saber que está sendo enganado. Quando você não se prepara, escuta as maiores barbaridades e não percebe. Eu canso de mandar repórter voltar e apurar mais, porque não percebeu que a matéria não faz sentido. É preciso saber contra-argumentar para tirar a melhor informação. Você não pode deixar o entrevistado falar qualquer coisa ou responder o que bem entende em vez de responder a sua pergunta, ou seja, “dar declarações”. Delegados fazem muito isso.
E quando alguém procura a redação para pedir uma entrevista?
Se quem procurou tem algo interessante para contar, não tem problema. É claro que quando alguém nos procura é porque tem algum interesse e é preciso estar atento. Em 2004/2005, quem ganhou o prêmio Esso de Jornalismo de reportagem foi a Renata Lo Prete com a entrevista do Roberto Jefferson e ele que escolheu pra quem ia dar a entrevista. Foi uma entrevista que partiu do entrevistado, mas mudou a história do país e repercute até hoje, vários acontecimentos políticos aconteceram por causa dela.
Fábio Gusmão começou sua carreira estagiando no jornal O Povo. Recém-formado, montou um jornal de bairro chamado Interação, que durou apenas dez meses. Também passou por O Fluminense e pela Notícia, então do grupo de O Dia. Mas foi no Extra que o repórter “marrento” passou a ser o “furão” que não dispensava nenhuma pauta. Pela reportagem “Janela Indiscreta”, que tratava da história de uma senhora de 80 anos – batizada por ele de Dona Vitória –, que filmava o tráfico de drogas da sua janela na Ladeira dos Tabajaras, em Copacabana, recebeu vários prêmios, inclusive o Esso de Reportagem de 2005. Hoje, é editor de Cidade no Extra e quer se dedicar a escrever livros e tirar da gaveta os que já iniciou.
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