Mariana Monteiro: “Escrever fazendo poema”

22 de fevereiro de 2012
Por Anie Martins
de Carvalho


Ilustração: Ildo Nascimento
Jornalista por formação e paixão, aos 32 anos Mariana Monteiro demonstra segurança e conhecimento sobre o ofício que desempenha desde 2002. Com passagens pela TV Bandeirantes, Terra TV e Canal Futura, atualmente Mariana está na TV Brasil. Considera que a bagagem cultural que se constrói na escola, na universidade e nas experiências cotidianas é a base mais confiável para uma boa cobertura de cultura: “O bom jornalista é aquele que vai ao cinema, lê livros, ouve música”. A satisfação em fazer jornalismo cultural na TV fica evidente a cada resposta e nas detalhadas descrições de suas experiências como repórter. Nesta entrevista, Mariana fala sobre suas experiências na televisão entrevistando artistas e personalidade do universo cultural brasileiro.

No jornalismo cultural, ao entrevistar um artista, quais as dificuldades que você enfrenta?


Muitas vezes as maiores dificuldades estão relacionadas ao tempo de que dispõe o entrevistado. Fazer a cobertura de um show, por exemplo, implica entrevistar o artista no momento mais adequado para ele. Normalmente o ideal é bater o papo durante a passagem de som, pois após o show eles querem receber os convidados, e não dão muita atenção à imprensa. Há também aqueles que só aceitam falar após subirem ao palco, o que faz com que a gente tenha que manter toda a equipe no local até o término do evento e ainda assim correr o risco de não trazer um bom material.

Quando o entrevistado é ou está hostil, arredio ou monossilábico, quais estratégias você utiliza para tentar se aproximar dele?


Tem entrevistado que rende e tem entrevistado que não rende. Se ele é monossilábico, a técnica é fazer as perguntas de maneira a não possibilitar que as respostas sejam sim ou não. É preciso fazer com que o personagem fale. Perguntas do tipo ‘você gosta de esporte?’ pode gerar uma resposta simples: sim, não, mais ou menos. O ideal nesse caso é modificar a pergunta para ‘quais modalidades de esporte você mais gosta?’, ou ainda, ‘você gosta de esporte por quê?’. Essa técnica também vale para entrevistas com crianças. No caso de entrevistados hostis, acho que o jornalista tende a assumir um tom mais agressivo também.

E quando o entrevistado é muito prolixo, ou, mesmo que muito falante, não responde às suas perguntas?


Quando o entrevistado não responde à pergunta, não há tempo para vergonha ou timidez. É preciso perguntar novamente. Se você perguntou, ele tem que responder. O que importa é voltar com o material para a redação e a produção. Uma maneira mais discreta de fazer com que isso não aconteça é repetir a pergunta com outras palavras. O jornalista também pode ser mais direto e dizer: ‘o senhor não respondeu à minha pergunta’.

Você antecipa as suas perguntas antes da gravação para que o entrevistado já pense sobre o que vai dizer?


Isso, a meu ver, é muito perigoso porque tira a espontaneidade e pode acontecer de na pré-entrevista o entrevistado se negar a respondê-la mais adiante. É preciso ter cuidado. No caso de pessoas cujas respostas sejam pouco claras, o jornalista pode ajudar o telespectador fazendo um breve resumo do que foi dito antes de introduzir a próxima pergunta.

Esse texto muitas vezes surge depois e já faz parte do processo de edição, né? É você quem edita as entrevistas que irão ao ar?


Não. Há repórteres que além de reportar também editam suas próprias matérias. Esse não é o meu caso. Dispomos de uma equipe de editores que realizam esse trabalho. Anexado à mídia na qual foi gravada a matéria enviamos o texto dos offs, as indicações das sonoras, e também eventuais sugestões de imagens.

Se você não edita o seu trabalho, como faz para manter suas decisões e preservar suas escolhas como jornalista?


Bem, isso é mais complicado. É preciso respeitar hierarquias, mas é igualmente necessário defender nossas ideias. Cada um deve saber até onde pode ir.

Complicado como? Quais tipos de pressão um jornalista recebe numa televisão sobre suas escolhas e posturas durante uma entrevista? Há muita interferência no seu trabalho?


O repórter é subordinado ao editor-chefe, ou chefe de redação. Muitas vezes, ainda que tenhamos um outro olhar sobre determinada pauta, temos que seguir as orientações da chefia. É também esse profissional que faz observações sobre vestimenta, postura, peso, etc. No caso dos programas de produção (não jornalísticos) quem alerta o repórter é também o diretor de programas. O diretor é quem vai dirigir o jornalista em uma externa ou estúdio. É muito comum ouvirmos desse profissional orientações de como determinada passagem deve ser realizada ou alguma cabeça deve ser lida. Eles também estão atentos à voz de quem reporta ou de quem apresenta.

Pensar sobre a pauta, passando pelo figurino e incluir até o peso. São muitos denominadores, né? Imagino que além das questões de hierarquias estejam também envolvidos relações de confiança. Como é a relação entre um entrevistador e o restante da equipe? Desde a técnica até as chefias?


A relação com a equipe técnica por vezes é delicada. Para mim sempre foi deliciosa. Procuro sempre ouvir as dicas dos profissionais da minha equipe e fazer com que o ambiente de trabalho, até mesmo no carro de reportagem, seja leve e alegre. Tem bons profissionais e boas pessoas, assim como maus profissionais e más pessoas. Vive bem o repórter que respeita e trata a técnica de igual para igual. Com muito respeito e educação. O trabalho tende a sair melhor, tanto em questões técnicas, quanto em conteúdo. Para o trato com os chefes, o ideal é seguir as orientações e não misturar amizade com trabalho.

Mas como essa relação com a equipe (técnica, direção, produção) pode interferir no resultado, ou qualidade da entrevista? Em quais situações? Há interferência?


Totalmente. A equipe técnica eleva ou derruba uma matéria. Você pode ter um cinegrafista que vai gravar a entrevista mas não vai colher boas imagens, necessárias para construir um off. Um iluminador pode comprometer o set com pouca luz. O áudio então, nem se fala. Se não estiver bem captado pode derrubar a matéria e impossibilitá-la de ir ao ar. A captação do áudio é muito importante e para cada caso existem diferentes tipos de microfones: o direcional, o de lapela, o boom...

Os produtores podem produzir bem uma pauta, ou não produzi-la adequadamente. Um bom produtor é aquele que pensa em solicitar o máximo de material para a reportagem. Televisão é imagem. Se não tem, não dá para falar. E a direção também compromete. Se o diretor não corrige a postura do repórter/apresentador, não escolhe pautas interessantes ou polêmicas, não interfere na edição e finalização do programa de maneira adequada, o material como um todo certamente ficará comprometido.

Qual foi a maior dificuldade que você já viveu durante uma entrevista? Você já comprometeu o próprio trabalho?


Aconteceu uma vez o entrevistado estar respondendo a uma das minhas perguntas e enquanto ele falava eu me distraí. De repente ele perdeu o fio da meada e me perguntou: ‘onde é que eu estava mesmo?’ Eu não tinha a menor ideia. É preciso ouvir as respostas porque, muitas vezes a próxima pergunta parte dela...

Dos artistas que você já entrevistou, quais são as entrevistas que você destaca? Por que?


Acho que entrevistar um ídolo é sempre um prazer e dá um frio na barriga. Vivi essa dualidade com Caetano, Elba Ramalho, muitos outros. Você fica ali com o seu ídolo, frente a frente e ele está à sua disposição. Impossível não lembrar que o trabalho dele pontuou a sua vida e já te emocionou tantas vezes. Eu destacaria também um caso engraçado. Certa vez fui entrevistar o Arnaldo Antunes no Circo Voador. A assessora pediu que eu entrasse no camarim porque ele iria me atender. Deparo-me com o ex-Titãs agachado sob a mesa de comida. Tive que me abaixar também para falar com ele. Depois de um papo informal, ele saiu do esconderijo e me concedeu a entrevista. Só não gravamos embaixo da mesa porque não havia luz suficiente... Um dos maiores prazeres que a minha profissão já me proporcionou foi entrevistar o Lobão, na casa dele, enquanto ele ainda vivia no Rio. Me lembro que a pauta era sobre histórias da carochinha. Para Lobão, a personagem da madrasta é muito mais interessante do que a da Branca de Neve. Foi uma tarde inesquecível. Entrevistei também Dercy Gonçalves, pouco antes da morte dela...

Quais orientações você daria para um jornalista que está em inicio de carreira e vai trabalhar com jornalismo cultural na TV?


Diria para ir ao cinema, ouvir música, assistir a espetáculos de dança e eventualmente ir ao teatro. As exposições de arte também são importantes. É assim, feito comida japonesa, no começo você estranha, depois vicia. Para mim o olhar atento aos detalhes é fundamental para um repórter. Jornalista que cobre cultura tem que ter bom texto. Escrever fazendo poema – se o veículo permitir, claro – e para ter bom texto é preciso ler, ler e ler. É preciso também um pouco de talento.

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