Aydano André Motta: Responsabilidade social em dar a voz ao outro

07 de fevereiro de 2012
Por Elena Batista Wesley
Ilustrações de Ildo Nascimento



Continuação da entrevista com Aydando André Motta: “O silêncio instiga a pessoa a falar” - da série A Arte da Entrevista.

Você comentou que a Nilse, personagem do documentário das mulatas, lhe deu uma boa frase. Existe diferença em entrevistar uma pessoa mais simples e uma personalidade?


Tem que variar até o visual. Para entrevistar o João Havelange, tem que ir de terno. Ele é um velho doido, não te recebe se não for assim. E não é bom ser inimigo do entrevistado, a menos que seja sua intenção enfrentá-lo.

Como o Kajuru?


O Kajuru é bom nisso, ainda mais na televisão, onde você precisa ser rápido. É um dom. Uma vez a Miriam Leitão foi entrevistar o Maluf e de tanto insistir na questão da corrupção – o que era importante naquele contexto – ele deu um tapa no rosto dela. Na época, o episódio ficou como um “fato heróico do jornalismo”, mas hoje as pessoas estão mais interessadas em conteúdo. A Rose, que também fez parte do documentário, mora em uma favela de Duque de Caxias. Na lógica da nossa sociedade, ela se encaixa em todos os perfis de “inferioridade”: pobre, mulher, negra, estudou pouco, mora num local ruim. Para ela, uma entrevista comigo seria uma oportunidade, já que – segundo esta mesma lógica preconceituosa – eu sou superior entre aspas, por ter uma condição melhor. Mas tenho que me colocar num patamar igual ao dela, deixá-la à vontade. Ser gentil, falar “e aí, Rose? Tudo bem? Não liga pras câmeras, a gente só vai bater um papo”. Tem uma responsabilidade social em dar voz àquela pessoa. O jornalista não julga; ele avalia para que o leitor faça sua própria versão. Se eu não deixar o entrevistado à vontade, o resultado vai ficar ruim. E entrevista é produto. A Dilma não precisa que eu a oriente a ficar à vontade, porque ela tem cacetadas de outras entrevistas. E deixar à vontade não significa fazer carinho. Não vou me dirigir ao Nem como se ele fosse inocente; ele tem seus crimes.


Você comentou anteriormente que o entrevistador deve ser coadjuvante, mas que o Jô tem mania de ser protagonista. Você esteve no programa dele para apresentar seu trabalho “Mulatas! Um tufão nos quadris”. Esse comportamento influencia o resultado da entrevista?


Influencia para pior. Você viu a minha entrevista com ele. Só faltou ele dizer “quando eu fui mulata...” (risos). Mas é importante destacar que ele não é jornalista, é um artista. O programa é dele, leva seu nome. O Jô sempre conta histórias de quando fez algo parecido com o convidado. Imagina se eu for entrevistar o Caetano Veloso dessa forma? Quantas músicas eu fiz? Todo jornalista é muito vaidoso. Só não barram os médicos, que pensam ser Deus. Acreditam que podem dar a vida às pessoas. Os cirurgiões são ainda piores, pois têm mais um nome para colocar na frente. Você deve ter optado pelo jornalismo por alguma vaidade.


Certa vez fui dar uma palestra na Estácio sobre o documentário das mulatas. Faço questão de exaltá-las. Tenho a vaidade para acreditar e reconhecer isso. Lá estariam pessoas que desfrutam de melhores condições, com mais conhecimento, mais cultura. Mas eu tenho como prioridade mostrar que elas são pessoas talentosas, artistas que a sociedade não reconhece.

Já desconfiou de um entrevistado?


Quase todos. Todo mundo mente. Se eu te perguntar sobre como é a sua família você vai me dizer tudo? Nem precisa me responder (risos).

Tudo não, né?! Sempre vai ter uma desavença, um segredo que a pessoa vai omitir.


Viu? Se até você que não tem nenhum compromisso disse que não contaria, imagine o político. Você acha que se perguntarem pra empresa a respeito do vazamento na Bacia de Campos eles vão dizer a verdade? Vão falar que “está tudo sobre controle”. O auge da glória de uma fonte é manipular o jornalista. Ninguém gosta da gente. Só nos procuram porque precisam.

Sua primeira entrevista. Lembra como foi?


Primeira? Nossa... Eu acho que foi em uma coletiva com o técnico da seleção brasileira de futsal, quando trabalhava no Dia. Minha timidez era tão grande que eu fiz minha matéria a partir das perguntas dos outros. Chato é quando você volta pra casa e lembra de algo que deveria ter perguntado. Daí a importância de estar bem informado. Se eu fosse entrevistar o Beltrame sobre a implantação das UPPs, seria uma entrevista antagônica. Eu perguntaria se funciona mesmo, questionaria algo. Existe também a entrevista de conhecimento, feita geralmente com cientistas ou especialistas de determinado ramo. Uma vez eu fui entrevistar um engenheiro da Petrobras que tinha batido um recorde na extração. Fui sincero. Disse que não entendia do assunto e pedi que ele fosse o mais didático possível. Isso podia fazê-lo pensar: “Que droga! Mandaram logo um burro pra c...!”. Ou ele poderia ficar com pena e ser mais humano.


Nessa ocasião, eu fiz uma pergunta tão óbvia que ele riu. Eu tinha avisado que seria óbvia. Eu perguntei “Como vocês sabem que há petróleo a 3 mil metros de profundidade se o homem só consegue chegar aos 33?”. Ele respondeu que utilizavam um robô. Eu retruquei: “Igual àquele do Titanic?”. Você lembra do início do filme, né?! Ele disse que era assim mesmo. Com isso, ganhei meu lead: “Ele não é o Leonardo di Caprio, mas é o rei do mundo”. O engenheiro adorou a matéria. Para esse tipo de fonte, a aprovação é importantíssima.

E qual tipo você prefere? A de antagonismo ou a de conhecimento?


Eu, particularmente, prefiro a de conhecimento, pois posso aprender mais. É algo que me permite experiência pessoal.

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