Contra o “jornalismo ternurinha”

24 de janeiro de 2012
Por Gabriel Vasconcelos
e Charles Mattos


Arte: Ildo Nascimento
Continuação da entrevista com Geneton Moraes Neto: "A matéria-prima do jornalismo" - da série A Arte da Entrevista

A clássica série de entrevistas de David Frost com Nixon te inspira de alguma forma, ou você acha que não se deve encostar o entrevistado na parede?


Não, deve sim. Não vou dizer que tenha sido uma inspiração, mas eu acho sim que tem um problema sério aqui no jornalismo brasileiro, talvez seja até uma herança de temperamento brasileiro, essa coisa meio conciliatória. Acho uma praga esse jornalismo ‘ternurinha’, fazer a entrevista sem querer incomodar o entrevistado. Lá fora, é exatamente ao contrário. Você vai a uma coletiva para presidência dos Estados Unidos, um cara entra aponta um repórter que levanta e diz ‘o senhor mentiu no dia tal’. Aqui ficam constrangidos de fazer isso. Eu já vi uma entrevista lá, com o filho do Robert Kennedy, que hoje é ativista ecológico, e na primeira pergunta o entrevistador disse: ‘Ah, você faz oposição ao George Bush. Você disse que a eleição dele foi fraudada na Flórida. Então o que é pior, uma fraude na eleição da Flórida, ou uma fraude como houve na eleição do seu tio para a presidência da República?’. E isso foi na primeira pergunta. Lá não tem aquela história ‘olha, você é um Kennedy,
que bom é ser da família Kennedy’. Eu acho que essa é a receita para você não conseguir nada numa entrevista. Eu acho que tem de chegar e não é ser agressivo, mas você tem de ser, em alguns momentos, incisivo ou questionador. Você não pode bancar a dama de honra do entrevistado, não é o papel do jornalista, e as entrevistas aqui, especialmente, naquelas com celebridades, isso é uma praga. Entrevista em que você termina alisando o braço de entrevistado não existe.

Seguindo essa linha. Certa vez você disse que reprova entrevistas “vôlei”, em que o repórter levanta a bola do entrevistado. Certamente lhe ocorreu de entrevistar uma pessoa que muito admirava. Como procedeu? Quem foi ou forma estas pessoas?


Eu levo uma vida pessoal muito calma, não circulo nesse meio de badalação, mas, profissionalmente, é claro que você entrevista gente que gosta, por exemplo, o Caetano Veloso. Eu ouço Caetano Veloso. Foi um cara que foi importante naquela época, quando eu comecei com 16 para 17 anos. É um cara que eu admiro, mas na hora de eu entrevistar, eu jamais vou chegar para ele com tom de homenagem. Eu me lembro até que uma vez eu já perguntei a ele, numa das últimas que fiz: ‘você disse uma vez que se considerava um liberal babaca, e hoje, o que você se considera?’ e ele respondeu: ‘Hoje, pelo jeito, eu tô mais babaca do que nunca’. Na área de música posso citar também o Fagner, que tinha aquele toque nordestino que me agradava. Eu perguntei a ele uma vez: ‘você disse que ia vender mais discos que o Roberto Carlos, o que foi que deu errado?’. Começou assim. Então fica um jogo interessante eu acho, porque ele se sente provocado e vai pensar ‘onde foi que eu errei’, o que já o faz procurar uma solução. Dessa forma eu separo as coisas totalmente. Posso até, eventualmente, depois da entrevista, dizer ‘gostei do seu disco ou show’, mas não durante a entrevista.

Li entrevistas suas que não pareciam ser nem um pouco editadas, de forma que respostas um pouco mais rudes por parte dos entrevistados constavam normalmente. Você faz alguma edição ou repassa o texto na íntegra?


No caso das entrevistas escritas, especialmente com entrevistado raros, eu deixo na íntegra. Uma vez eu li que o jornalista, aos olhos do público, é sempre aquele cara perfeito, que não erra na pergunta, que não gagueja, que não troca uma palavra, que não leva fora. Mas eu deixo tudo na entrevista e já cansei de levar foras imensos. É o tipo de coisa que talvez outro jornalista cortasse, em nome da vaidade, porque está mostrando que você levou um fora ou que o entrevistado corrige você. Um exemplo foi com a Charlotte Rampling, que eu tinha como símbolo sexual na época, pois era linda, uma deusa, mas eu fui fazer a entrevista e dei umas cutucadas nela também. Num momento ela terminou meio irritada quando eu perguntei se ela se sentia discriminada por Hollywood pelo fato de já ter 60 anos. Ela reagiu com aquela elegância inglesa, uma coisa meio dura, e disse ‘como assim discriminada, o que você quer dizer com isso?’. E no final da entrevista, com aquela ironia inglesa também, ela se levantou e disse ‘see you next time, maybe’, ou seja, nunca mais, foi um ‘talvez’ de ‘nunca mais eu vou falar com você’. Mas, é aquela coisa, eu penso sobre o papel do entrevistador é justamente esse, e eu diria que essa entrevista ficou boa, gosto dessa entrevista da Charlotte Rampling exatamente por isso. Era a forma de tirar uma frase dela. Ela disse que jamais ia fazer uma cirurgia plástica, porque ela acha que quando olha no rosto das atrizes, não as reconhece, que com essa obsessão pela juventude, tornam-se monstros às vezes, e ela não. É admirável isso e para tirar isso dela, você tem de dar umas cutucadas. Eu tinha tudo para fazer uma ‘entrevista vôlei’, até porque tinha uma admiração pessoal por ela, mas não, pelo contrário, a pessoa que eu mais admirava deu uma entrevista tensa.

Você tem que mostrar que na entrevista você está tentando arrancar alguma coisa informação e que você tropeça também, leva foras. Às vezes, quem está em casa, assistindo à entrevista, quer isso, principalmente em televisão, que você está ali com as imagens e os gestos denunciando muitas coisas. Quem está vendo precisa notar que aquilo é um jogo de dois lados, a pessoa tentando se proteger e o entrevistador tentando arrancar alguma coisa dela. Mas eu acho que eles sabem, a não ser que o entrevistado seja uma anta, mas, sobretudo esses mais famosos, celebridades, eles sabem muito bem qual é o papel do jornalista. No caso do Caetano Veloso mesmo, eu nunca o vi reagir agressivamente a uma pergunta mais espinhosa. Os melhores momentos das entrevistas são os momentos mais politicamente incorretos. Eu acho que essa é uma das leis gerais da entrevista: jamais homenageie o entrevistado, deixe para homenagear depois. Se não for muito vexatório, pede um autógrafo quando acabar tudo, mas diante dele, com entrevistador não pode ter este tom de homenagem, de jeito nenhum.

Até que ponto a empresa para qual o jornalista trabalha influi em na conquista de uma entrevista ou na postura do entrevistado? Como você vê essa questão em entrevistas coletivas? Um cara da Globo consegue se colocar mais do que um outro de um veículo de menor expressão?


É claro que o peso de um veículo influencia na hora de você conseguir uma entrevista. Lá fora é engraçado. Eu passei um tempo fora do Brasil e em alguns lugares você tem de explicar o que é a TV Globo. Aqui não, e é óbvio que a Rede Globo abre portas assim como um jornal maior também o fará em relação a um menor. Então, por exemplo, há casos de entrevistas que as pessoas lêem e acham que você conseguiu um grande furo, mas às vezes é simplesmente o veículo onde você trabalha que foi privilegiado com uma entrevista. Aconteceu comigo uma vez, foi com o Woody Allen. Eu estava morando lá em Londres, e me ligou uma pessoa, uma assessora da empresa que estava produzindo o filme dele. Eles escolheram uma emissora de cada país e aqui do Brasil escolheram a Globo. Eu era correspondente da Globo na época, então me procuraram dizendo, ‘amanhã às 10 da manhã num hotel no Central Park você vai ter uma entrevista com o Woody Allen’, e eu quase que cai para trás. Era uma entrevista exclusiva e eu nem podia dizer isso aos outros. Tinha, sei lá, 500 jornalistas de outros países. Em geral eles colocam de cinco em cinco numa sala, aí tem um egípcio, um dinamarquês, um francês e um sueco, por exemplo, e entra o Woody Allen e responde duas perguntas de cada um. Mas de vez em quando eles escolhem alguém para dar uma exclusiva e essa caiu literalmente no meu colo. Foi uma chance raríssima de ter um encontro que durou uns 40 minutos sozinho com Woody Allen, nem assessor de imprensa ficou perto. Então, você lendo a matéria pode imaginar que eu consegui uma entrevista com Woody Allen, mas esse foi o caso típico em que o veículo é que pesou. Agora mesmo, recentemente eu tive uma chance raríssima, de uma vez na vida entrevistar dois ganhadores do prêmio Nobel da Paz, o Desmond Tutu e o Jimmy Carter. Também foi o caso. A organização da qual eles fazem parte, The Elders, faz essas reuniões de ex-estadistas duas vezes por ano, e a última foi aqui no Brasil. Então eles decidiram que teria uma foto e uma entrevista para a Veja, para a Folha de S. Paulo e uma só para a TV que foi, no caso, para a gente, a Globonews.

Nas entrevistas você faz perguntas bem particulares, algumas até pessoais, que um jornalista mais metido a intelectual não faria. Você acha que é nestas pequenas coisas que se consegue boas revelações ou trata-se de pura curiosidade?


Eu evito fazer tese em pergunta. Luiz Claudio Cunha, em um debate sobre entrevistas na PUC, citou as perguntas diretas e curtas que eu faço, mas não é uma coisa que eu tenha preparado, surgem naturalmente, principalmente em nome da objetividade na televisão. E aquelas perguntas em você que fica fazendo rodeios e não pergunta nada, eu procuro sempre evitar. No caso dessas perguntas diretas, e até uma aparentemente mais banal, é mais fácil conseguir uma revelação interessante, sim. Como na entrevista com o Collor, em que fiz uma pergunta simples: ‘o senhor pensou em se matar, depois que deixou a presidência?’, e ele falou que sim, que pensou em se matar. Foi uma pergunta feita em três ou quatro palavras. Mas, em geral, eu acho que sim, que o jornalista tem de ser simples.

Você sabe alguma coisa a respeito dos escândalos sobre corrupção dentro da Fifa ou CBF?


Obviamente eu ouço falar. Aliás, recentemente, na entrevista com Boni, em que ele fala que deu uns conselhos a Fernando Collor, fato que teve uma repercussão muito grande na internet, um cara escreveu no twitter: ‘eu quero ver você entrevistando o Ricardo Teixeira’. E eu gostaria, sim, apesar de não cobrir exatamente esporte, se bem que ele já é mais política do que esporte. Sem dúvida eu gostaria, até para esclarecer essas acusações que existem contra ele, sobre coronelismo dentro do futebol.

Você acha que as ligações da Globo com a CBF afetariam de alguma forma esta entrevista?


Não. Até porque tem um Globo Repórter de 2001 ou 2002, se não me engano, que fez um programa inteiro sobre essas suspeitas de enriquecimento ilícito no futebol, falando inclusive da CBF. Mas é claro que a TV Globo tem interesses na área de esporte, porque compra os direitos de transmissão dos jogos como os de uma Copa do Mundo, e só os jornalistas da Globo têm direito, por exemplo, de estar dentro da concentração e os outros ficam ali no muro gritando, tentando alguma coisa. Por isso eu reconheço o limite entre estes eventos e o jornalismo em si. Mas eu duvido que a Globo não veicularia algum escândalo, algo comprovado sobre algum dirigente da CBF. Porque hoje tem uma coisa que não tem preço, a melhor maneira de perder a sua credibilidade é você deixar de dar a notícia. Ninguém seria estúpido de esconder algo desse tipo.

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