Consuelo Dieguez: O diabo mora mesmo nos detalhes

10 de janeiro de 2012
Por Gustavo Cunha


Em dois perfis publicados por Consuelo na Piauí, a música de Mozart e Beethoven foram propulsoras de informações reveladoras. Os olhos e ouvidos atentos da jornalista captaram detalhes que poderiam, facilmente, passar despercebidos.

Para fazer uma matéria sobre Roberto Mangabeira Unger, Consuelo teve de o entrevistar em um quarto de hotel, em Brasília – onde o professor “se instalara, um mês antes, à espera da sua posse na Secretaria de Planejamento de Longo Prazo”. Como não havia um cenário, com grandes elementos, para criar uma história, a repórter da Piauí concentrou a sua atenção em cada pormenor do comportamento do entrevistado – que, eufórico, deslizava, de um lado para o outro, em uma cadeira de rodinhas. Ao perceber alguns CDs de Beethoven empilhados numa pequena mesa, Consuelo perguntou: “o senhor gosta de Beethoven, hein, professor...?”.

A questão não foi respondida em um ou dois períodos. O pequeno detalhe fez com que Mangabeira desenvolvesse um longo e complexo raciocínio: para ele, a música de Beethoven era grandeza, ao mesmo tempo que era paixão. Representava uma contradição que, paradoxalmente, se complementa. E “isso é a essência da nossa civilização”, proferiu.

Em entrevista com Daniel Dantas, foi a Serenata Número 13, em Sol Maior, de Mozart, que fez atiçar, em Consuelo, uma pergunta simples ao então presidente do banco Opportunity. A música “ecoava pela sala envidraçada da presidência”, como mostrou o perfil publicado na edição 9 de Piauí, em junho de 2007. A repórter quis entender o apreço pela música clássica, o que surpreendeu o entrevistado: “Como? Música clássica?”. Ao digerir a questão, informou, “com um sorriso maroto”: “descobrimos microfones aqui, estavam ouvindo as nossas conversas e antecipando nossos movimentos”.

Consuelo foi tomada de surpresa. “Eu ‘soltei’ uma pergunta, achando que ele iria falar que adorava música clássica, e, de repente, ele me surpreende ao dizer que aquilo era antiespionagem. É muito engraçado, porque muitas vezes você nunca espera que é isso!”

Convencendo a falar


O exercício de conquista da confiança do entrevistado está calcado, principalmente, na sinceridade – “em não inventar que se está fazendo algo quando, na verdade, se faz outra coisa”. O entrevistador não precisa abrir o jogo por completo, mas ele deve ser honesto o tempo todo. “A sabedoria do repórter está em usar argumentos que mostrem para o entrevistado ser interessante falar. O nosso papel é ouvir o que ele tem a dizer e passar isso para a opinião pública – com base em todas as outras entrevistas que fizermos. A princípio, não devemos condená-lo e nem absolvê-lo”. É necessário ponderar, no entanto, que “o entrevistador não é um sujeito passivo. É preciso conduzir a entrevista, de maneira a perceber se o entrevistado está enganando ou não”. Em seguida, completou: “você pode falar: ‘olha, isso não!’, ‘o caminho não é esse; eu estou te perguntando outra coisa e você está fugindo do assunto’”.

Como mostram os bons exemplos que Consuelo viveu, para além de estar preparado para o inesperado e para a fuga do script, o jornalista deve estar atento a todos os elementos que compõem uma entrevista. “Para se fazer um bom perfil, tudo conta. Você precisa prestar muita atenção não só ao que é falado”. Muitas vezes, os elementos não-verbais são até mais importantes do que, propriamente, uma frase ou declaração. Para a repórter, um dos melhores exemplos disso está no perfil de Frank Sinatra feito pelo jornalista Gay Talese – e que em 2003 foi escolhido como a melhor matéria da história da revista Esquire. Intitulada Frank Sinatra has a cold (Frank Sinatra está resfriado), a reportagem consegue montar um perfil capaz de deixar o leitor íntimo do cantor, muito embora o jornalista não tenha conseguido nenhuma entrevista com o astro.

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