Depois da operação no Alemão, moradora manifesta apreensão e incerteza quanto ao futuro

20 de dezembro de 2010

Por Renan Castro

Moradora do Complexo do Alemão há mais de 40 anos, mãe de sete filhos, todos criados na Fazenda de Inhaúma, a “Fazendinha”, Valéria de Oliveira tem bastante experiência acumulada para falar sobre o lugar onde vive e as consequências para os moradores da última megaoperação de segurança do governo.

Ainda desconfiada da aparente tranquilidade no morro após a ocupação das polícias e do Exército, a dona de casa, que trabalha também como empregada doméstica, substitui a palavra segurança por outras, muito sinceras: incerteza, apreensão, alguma esperança.

Quando fala sobre as mudanças na rotina após a saída dos traficantes, Valéria não menciona segurança. Cita apenas a melhora na circulação pelas ruas, sem as barreiras colocadas pelos traficantes para impedir que a polícia subisse. Ela também comemora não ter mais que conviver com o som alto dos bailes funk e com o intenso movimento de motos pra cima e pra baixo: “Não me sinto mais segura que antes, é a mesma coisa. Porque eles (os traficantes) não mexiam com quem não mexiam com eles”.



Valéria diz que, para os moradores, só havia pânico quando acontecia alguma incursão policial, e que agora há o medo de uma resposta dos traficantes: “Agora tá tranqüilo porque não vai ter invasão (dos policiais). Antes a gente só tinha medo quando a polícia entrava, e agora o medo é de os bandidos voltarem”.

Lembranças de outras operações


Valéria expressa uma preocupação comum a muitos moradores: a de que a polícia e o governo abandonem a favela mais uma vez. Ela lembra de uma operação anterior semelhante, que contou com a ajuda do Exército, na qual também se anunciou que os bandidos foram expulsos definitivamente. Valéria descreve como se desenrolaram os acontecimentos na época: “Teve uma ocupação que os bandidos saíram, com Exército e tudo. Depois que a polícia foi embora, o Terceiro Comando veio, invadiu as casas e matou um monte de família. Aí o C.V. se reuniu e atacou pra recuperar e conseguiram tomar de novo. Foram três noites de terror, a gente não podia sair de casa pra nada.”

Valéria se refere ao período turbulento que ficou marcado pela morte de Orlando Jogador, em 13 de junho de 94, o então comandante do tráfico no Complexo do Alemão. Ele perdeu o comando da favela para o grupo comandado por Uê, do Terceiro Comando, responsável pelo assassinato. A morte de Orlando foi um marco na disputa pelos pontos de venda de drogas entre as duas principais facções criminosas no Rio de Janeiro, e o Complexo do Alemão foi o palco central das batalhas. A partir dali as rivalidades se acirraram e os confrontos passaram a ficar cada vez mais violentos. A facção (CV) permaneceu ali até o início da atual operação do governo.

Ameaças para o Natal


Já a ação policial em 2007, com 1.350 policiais, entre civis, militares e soldados da Força Nacional, em resposta à morte de dois policiais do 9° BPM, Valéria entende de maneira mais simples: “Ali eles entraram só pra matar e saíram de novo, que nem vão fazer agora”. Hoje, moradores da favela comentam que os bandidos expulsos estariam planejando para este Natal novos ataques na “pista” – ou seja, nas ruas da cidade –, como forma de reação às recentes apreensões de drogas e armas. Valéria se mostra preocupada por achar que os policiais e autoridades não estão se preparando para prevenir esses possíveis ataques.

O fato de ainda haver traficantes escondidos na favela contribui para o clima de apreensão e medo, que facilita a disseminação de boatos. Ao comentar sobre a bandeira do Brasil e do Rio de Janeiro hasteadas em cima do teleférico que está sendo construído – justamente por um programa do governo –, Valéria faz cara de descrédito e afirma: “Eles fizeram aquilo pra dizer que tomaram, mas sei lá se vão ficar”. Por isso a preocupação com o futuro e a duração real da presente operação de segurança pública, para que não aconteçam novamente disputas violentas com a comunidade desprotegida.

Cenas do dia da invasão


Alguns problemas parecem ainda longe de solução: drogas continuam sendo vendidas na favela e alguns viciados em crack estão invadindo casas para roubar, crime antes punido pelos traficantes com a execução dos ladrões.

Sobre o dia em que a polícia entrou no morro, Valéria conta que a porta principal de sua casa foi arrombada quando não havia ninguém lá dentro. Mas não considera grande violência em comparação aos casos que testemunhou. Por exemplo, uma vizinha teve a geladeira destruída por policiais, que tentavam encontrar drogas. Reclamou e recebeu uma geladeira nova do governo.
Outra moradora teve sua casa totalmente revirada, de tal maneira que até hoje ela não conseguiu repor as coisas em ordem, e chora toda vez que se depara com a enorme bagunça em que ficou após a revista dos policiais atrás de drogas e armas. Outra, ainda, vive desesperada depois que viu seu filho fugir da favela junto com os bandidos.

O noticiário dá conta do apoio de moradores à operação policial, mas há críticas de pessoas que não se animam a aparecer com medo de represálias – agora, da própria polícia. Numa conversa com moradores da região, muitos comentaram a cena de policiais se abraçando e pulando aos gritos de “estamos ricos!”, após encontrar bolsas cheias de dinheiro, enterradas no Campo do seu Zé, na Fazenda de Inhaúma.

Apesar de tudo, Valéria se mostra esperançosa, mas com um pé atrás, por tudo que já viu e viveu: “Tem que confiar. Quer dizer, confiar mesmo, a gente confia só em Deus, mas a gente tem que acreditar que eles vão resolver nossos problemas, né”?

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