Moradores do Alemão elogiam obras do PAC mas continuam a sonhar com mudança

4 de outubro de 2010
Por Renan Castro
O conjunto de casas, o canteiro de obras e o teleférico vistos da janela de Valéria, no morro da Fazendinha

Após uma longa e difícil subida de kombi, mais alguns metros de curvas estreitas e escadas escorregadias, chegamos à casa de Valéria de Oliveira, no morro da Fazendinha, no Complexo do Alemão. Ali ela vive com a família – o marido e quatro dos sete filhos. Da única janela, de onde antes se viam apenas casas, hoje a paisagem é dominada por um gigantesco canteiro de obras, casas prestes a cair, e uma das torres do teleférico cujas obras devem terminar em setembro deste ano.

As obras do PAC são quase unanimidade entre os moradores da comunidade. Porém, o objetivo de integrar a favela à cidade e extinguir as barreiras visíveis e invisíveis parece ainda distante. A política de remoção de moradores, para abrir espaço às obras do teleférico, é bem vista pela maioria, porém envolve algumas falhas de planejamento.

Lixo na casa de Soraya, que vai ser derrubada (foto ao lado) 
Soraya Marques, 28 anos, nascida e criada na Fazendinha, recebeu indenização de R$ 50 mil pela sua casa, que será derrubada. Apesar de não ter saído da favela, ela se mostra satisfeita com a casa maior, em uma área plana. Sua antiga casa, desocupada, virou depósito de lixo e alvo de reclamação dos ex-vizinhos, incomodados com o número de ratos atraídos pela sujeira.

Outros moradores aguardam por propostas do governo, na esperança de se mudarem para um lugar melhor. Mesmo dentro da própria favela, uma casa em local plano, próximo à rua por onde passam os ônibus, já é considerada uma melhoria. Mesmo que não represente um avanço de fato no ponto da integração com o “asfalto”, e de mudança real da condição de vida.

Soraya em sua casa nova
Fora o dinheiro, Soraya não teve ajuda do governo para conseguir a nova casa. Deu sorte porque outros três compradores desistiram do negócio, por causa do barulho dos bailes funk aos domingos. O que para eles era problema, para ela era vantagem: a jovem é frequentadora dos bailes.

O risco da criação de guetos


A primeira torre do teleférico, bem perto da casa de Valéria
A sutil melhoria na qualidade de vida, tão desejada pelos que esperam o contato do governo e suas indenizações, pode encontrar um problema já conhecido: a transformação dos territórios em guetos. Valéria, moradora da Fazendinha há mais de 40 anos, diz que, caso receba a indenização do governo, procurará nova moradia em um loteamento barato (o mesmo de Soraya), não muito distante dali. A intenção, segundo ela, é evitar despesas como água, luz e telefone.

Já a novidade do teleférico, agora bem próximo da janela de casa, não enche os olhos de Valéria. Apesar de morar no alto do morro, ela tem medo de altura. Por sua casa, o governo ofereceu R$ 50 mil, mas Valéria ainda não decidiu seu destino e de sua família.

Polêmica em torno do teleférico



Alguns moradores apontaram falhas na obra do teleférico. Afirmam que um erro de cálculo dos engenheiros fez com que casas fossem derrubadas desnecessariamente, enquanto outras (inclusive em área de risco) ainda não receberam qualquer atenção do governo. O fato teria provocado até a demissão do grupo responsável pelas obras na época. Williams Florêncio, presidente da associação de moradores, nega o ocorrido, e comemora o resultado das obras: “Estamos conseguindo melhorar a vida de muita gente, e o pessoal de fora já nos olha com outros olhos depois das obras do PAC”.

Williams atribui a reclamação a moradores que ainda não receberam proposta do governo por suas casas, e que o planejamento foi bem calculado: ”Não houve erro. As casas [a que os moradores se referem] estavam na área onde será construída uma praça ao lado do teleférico”.

Geração de empregos... temporários


Mão-de-obra para as construções é flutuante
A geração de empregos é outro alvo de polêmica. Williams relata que alguns ajudantes de obra estão sendo contratados pela Emop (Empresa de Obras Públicas do governo) por seis meses, e logo em seguida demitidos. Os profissionais demitidos são substituídos por outros nas mesmas condições. O presidente da Associação se mostrou inconformado com a situação, e espera uma atitude do governo em relação ao problema.

Apesar da reclamação, Williams faz coro com os moradores e exalta o presidente Lula e os avanços obtidos na comunidade pela gestão atual. A foto estampada no alto da parede de seu escritório indica a simpatia pelo presidente e o temor pela não continuidade das obras, caso Lula não emplaque sua sucessora.

Aulas de boas maneiras


Enfeites verde-amarelos se misturam aos
sacos de entulho na rua de Valéria
Williams conta que, após construírem um novo conjunto de casas populares, os moradores beneficiados receberam

palestras sobre boas maneiras e higiene, para conservar os locais públicos, entre outras coisas. Segundo ele, a melhoria é visível na aparência física e no comportamento das pessoas que se mudaram para essas novas casas, em frente a uma das favelas do Complexo do Alemão.

Outra novidade trazida pelo PAC para o Complexo é a agência bancária inaugurada no dia 28 de maio. O fato é considerado uma vitória pela associação, porque permite atrair investimentos e ajuda a reduzir o preconceito contra quem mora na favela. Contudo, mesmo com todas as melhorias apontadas, prevalece entre os moradores a vontade de se mudar para um lugar longe do cotidiano violento que os cerca. Mas as indenizações e a assistência oferecidas pelo governo até agora não permitem a realização desse desejo.



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