Entrevista: Cláudio Farias Augusto

4 de outubro de 2010

“Caminho democrático anestesiou o cidadão”

Por Lara Faria




Em sua opinião, a militância de épocas anteriores da história do Brasil, hoje substituída por cabos eleitorais pagos, causa uma progressiva despolitização?


Há dois paralelos que devem ser tratados separadamente. Num primeiro momento, se analisarmos o ambiente pós-46 até 64, vemos que o Estado brasileiro estava sendo reestruturado e modernizado, criando então uma situação de pouco controle público e consequentemente fazendo com que a relação da militância com candidatos do partido se desse de uma forma em que a militância esperava um certo retorno do aparelho de Estado.  Um aparelho facilmente permeável, pois havia baixa profissionalização e fácil acesso ao funcionalismo público, facilitando o famoso “cabide de emprego”. Na segunda redemocratização, num ambiente em que havia um Estado mais profissional, com funcionários que entraram através de concursos, nós passamos a ter uma outra relação porque essas promessas à la cabide de emprego passaram a ficar mais difíceis. De qualquer forma nós criamos outros caminhos, caminhos da terceirização, através de postos que não exigem concurso, como nas estatais.

De certa forma os cabos eleitorais e a militância sempre coexistiram, a diferença é que o ambiente onde eles trabalhavam nesses dois períodos mudou significativamente. É possível que grande parte das questões que envolvem a Justiça Eleitoral numa época de campanha esteja ligada diretamente à atuação de cabos eleitorais, as transgressões são inúmeras, porém essas questões são quase incontroláveis, os partidos pagam pra ver e os candidatos também. Eles preferem se sujeitar a multas do que deixar de dar visibilidade às suas candidaturas.

A perda do entusiasmo político é um processo inevitável quando pequenos partidos à esquerda ganham projeção e se tornam grandes ou é possível manter o sentido de militância de antes?


O PT foi particularmente um partido que, quando surgiu, era diferente de tudo que antes existia, por congregar intelectuais, estudantes e operários.  Isso no período inicial de saída da ditadura significava um grande amor à militância, transformado num gás para tocar os ideais do partido, tentando converter os resultados, persuadir o eleitor da sua causa. Havia uma esquerda aglutinada, pois existia um inimigo comum, e isso encanta os que desejavam mudança, embalando campanhas incríveis. Na medida em que as conquistas vão ocorrendo, como deve acontecer numa democracia, você tem por outro lado o PT, partido mais forte e representado pela esquerda na época, renegando sua trajetória inicial e preferindo ter acesso ao poder a qualquer preço, através de alianças. O que transformou o PT em mais um partido grande, com as características comuns às dos maiores partidos brasileiros.

Desde a intensa mobilização em torno das primeiras eleições diretas após mais de duas décadas de ditadura, o sentido da militância foi se diluindo? 


Para responder a essa questão, temos que levar em conta que a democracia é morna por definição, já que ela não permite arroubos, pois estes levariam a mudanças drásticas. Existe o fato de que o caminho democrático de certa maneira anestesiou o cidadão, isso é constatado pelas democracias onde o voto é voluntário – pouca gente vai às urnas –, nós cada vez mais estamos olhando para os aspectos individuais e não os coletivos, sobretudo porque temos cada vez mais instrumentos que nos permitem essa individualização. Além disso, nós passamos a lidar com a idéia de representação política de uma forma absurdamente forte, nos alienamos do dever de tomar conta dos assuntos relativos ao nosso país porque escolhemos alguém que trate dos assuntos por nós. Daí aquelas reportagens onde o cidadão não lembra nem em quem votou nas eleições passadas, por ser descrente, por ter votado mecanicamente. Há um certo afastamento do cidadão dos núcleos de poder, a política passa a ser para poucos, que são não necessariamente elite social, mas um grupo de formadores de opinião.

O único viés para um partido pequeno se tornar grande e ganhar visibilidade é desistir do sentido de militância através de inúmeras alianças?


Existem dois sistemas, o sistema eleitoral, que dita regras especificas para administrar eleição, e o sistema partidário. Essas duas vertentes têm sintonia, porém você precisa de um longo tempo para tornar a união desses sistemas uma coisa positiva na medida em que nenhum caso é igual, não se encontra dois países que vivem um sistema democrático idêntico, por exemplo. Algumas características da democracia são gerais, porém alguns detalhes muito particulares diferem duas nações. No nosso caso, o sistema partidário é muito aberto, as dificuldades para se formar um partido no Brasil são relativamente pequenas por enquanto, permitindo que num dado momento você possa substituir alianças mais sólidas por questões banais, como, por exemplo, o tempo de propaganda na televisão. O que torna a confiabilidade muito precária. O partido aposta em quantidade, e essas alianças permitem maior visibilidade, maior aparição pública, deixando a qualidade, que é o que o eleitor minimamente interessado espera, para depois.

Qual a sua experiência em manifestações políticas na juventude, você mantém os ideais até hoje?


Eu nunca pertenci a uma legenda política, no entanto sempre tive um contato muito grande com quem participava e com a esquerda em geral, o que me deixou numa situação difícil pois eu participava por fora e não tinha respaldo de nenhum grupo de esquerda e, por precaução, para não ter que sofrer com a ditadura, saí do Brasil. A minha participação era em off, considerando o não pertencimento partidário, mas meus ideais sempre foram de esquerda.

Hoje em dia cultivo os mesmos ideais, aliás eu ainda acho que exista uma distinção clara entre direita e esquerda, fico perplexo com o fato de as pessoas acharem que chegar ao poder é tudo.

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