23 de Novembro de 2016
Helen Lugarinho Pereira
Como
os jovens podem lidar com as incertezas na hora de escolher a
profissão
A
adolescência é um período de transição entre a infância e a
fase adulta e, por isso, é caracterizada por várias transformações
que vão além da aparência. Mesmo que as pessoas passem por
constantes mudanças ao longo da vida, como o casamento ou o
nascimento dos filhos, as transformações da adolescência definem a
identidade. É um momento repleto de experiências, em que a
personalidade e os gostos se firmam, trazendo à tona diversos
sentimentos antes inexistentes. É também nessa fase que muitas
responsabilidades são atribuídas aos jovens que, diante das novas
obrigações, desenvolvem angústias e incertezas. Uma dessas
“obrigações” é decidir a profissão que eles desejam seguir o
resto da vida assim que saem da escola, com cerca de 17 anos.
“O profissional passa a maior parte da sua vida no trabalho e se ele não gosta do que faz (...) nunca será um bom profissional. Só se é bom profissional quando gostamos do que fazemos.” (Valdene Amâncio, psicóloga)
Para
a psicóloga Valdene Amâncio, mestre em Pesquisa e Clínica
Psicanálise pela UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), o
sistema educacional é inadequado, pois impõe ao adolescente tomar
essa decisão precocemente. “É
um modelo que força o jovem a uma escolha que muitas vezes ele não
tem condições de fazer, pela falta de experiência e maturidade. O
peso dessa decisão é aumentado pela cobrança da família e da
sociedade.” O vestibulando Guilherme Silveira, de 16 anos, encara
essa pressão de forma positiva – “a gente sai muito criança do
Ensino Médio e essa pressão da família e da sociedade é boa para
ganhar responsabilidade, para o nosso crescimento de forma geral.”
Já o estudante Leonardo Castelo Branco, 17 anos, diz que essa
imposição é prejudicial: “como posso decidir o que eu vou fazer
a vida inteira sem me conhecer direito? Se não existisse essa
pressa, eu poderia ver o que realmente me faria bem.”
Toda
pressão que o estudante sofre na hora do vestibular, somada à
preocupação com seu desempenho na prova, assim como o desempenho
dos concorrentes, desencadeia uma série de problemas psicológicos,
como a ansiedade e o estresse. A estudante de Psicologia Giovana
Vansolini afirma que a ansiedade pode ser uma resposta a fatores
externos que remetem a um medo ou apreensão. “Depois que qualquer
estímulo que faça o adolescente se lembrar dos medos que permeiam
‘a vida do vestibulando’ seja confirmado, ele desenvolverá outro
problema – o estresse. Isso ocorre porque a ansiedade torna-se
crônica, e o estresse é o resultado da pressão constante.”
“Como posso decidir o que eu vou fazer a vida inteira sem me conhecer direito? Se não existisse essa pressa, eu poderia ver o que realmente me faria bem” (Leonardo, 17 anos, vestibulando)
Cada
pessoa é diferente e, por isso, os fatores que levam cada um a
decidir a carreira são diferentes. As amigas Gabriela Poli e
Marcella Pereira, ambas com 17 anos, têm certeza de que querem fazer
faculdade de Estética. Elas são apaixonadas por pele e beleza e
confirmaram o desejo de seguir a profissão depois de pesquisarem
muito sobre o curso e conversarem com profissionais da área. Valdene
diz que pesquisar o máximo possível sobre a profissão é essencial
porque diminui a chance de o jovem se frustrar com a escolha no
futuro. “Se a pesquisa não for suficiente para tomar a decisão,
seria ideal encaminhar o vestibulando a uma orientação vocacional,
que deve ser feita mediante conversas com o psicólogo e não
simplesmente com aplicações de testes. A orientação possibilita
jogar por terra falsas crenças ou pensamentos equivocados sobre uma
atividade profissional”, afirma.
Guilherme
levou em consideração as matérias nas quais ele tem melhor
rendimento e o retorno financeiro que ele vai ter se formando em
Engenharia Mecânica. Já Leonardo ainda não se decidiu porque, para
ele, é importante ter amor no que pretende fazer. “Eu seria feliz
se minha faculdade fosse uma forma de autoconhecimento. Ter uma visão
mais leve sobre a faculdade e a carreira, de forma que você estude
porque gosta e não porque é obrigado.” Se a decisão ainda não
foi tomada, como no caso de Leonardo, não vale à pena entrar na
faculdade só para estar cursando algo, afirma a psicóloga. Nesse
caso, é melhor que ele saia da escola, tire um tempo para refletir,
viajar ou entrar num curso pré-vestibular. No entanto, Valdene
adverte sobre escolher uma ocupação se baseando no retorno
financeiro: “Vale lembrar que o profissional passa a maior parte da
sua vida no trabalho e se ele não gosta do que faz, a profissão
pode dar status, estar na moda, ser o sonho dos pais, dar um grande
retorno financeiro, mas ele nunca será um bom profissional. Só se é
bom profissional quando gostamos do que fazemos.”
Mesmo
que a decisão já tenha sido tomada, é fato que todo adolescente
lida com angústias e incertezas na “hora H”. Para lidar com
esses sentimentos e para auxiliar na escolha, Valdene aconselha o
jovem a buscar o apoio da família e até mesmo psicológico. Os pais
de Leonardo procuram conversar com ele sobre as diversas áreas
profissionais, sempre com o intuito de orientá-lo. Para a psicóloga,
esse debate é muito importante para o vestibulando porque a família
funciona como apoio e modelo; mas vale lembrar que isso não pode
passar de uma simples orientação.
E quando as dúvidas surgem
dentro da universidade?
Isaac
Queiroz tem 26 anos e já passou por quatro cursos diferentes:
História, Serviço Social, Administração e Biblioteconomia. Quando
estava no Ensino Médio, sua dúvida pairava sobre cursar Educação
Física ou Psicologia, mas deixou as duas profissões de lado para
fazer História – faculdade que a maioria dos seus amigos fazia.
Ele levou o curso até o final, mas não entregou o Trabalho de
Conclusão de Curso (TCC), impedindo que ele se formasse. Depois
disso, ele fez um mês de Serviço Social, tempo suficiente para
perceber que não era aquilo que queria. No semestre seguinte, ele se
matriculou em Administração e saiu depois de concluir apenas um
período, por não ter se adaptado à universidade, aos professores
nem aos colegas de turma. Em Biblioteconomia, Isaac permaneceu apenas
duas semanas e saiu porque não aguentou a rotina cansativa de
trabalhar, estudar e morar sozinho. Depois de três anos sem estudar,
ele se rematriculou em Administração e diz que agora está
gostando, embora não seja seu sonho. “Meu sonho é fazer
Psicologia, mas tenho muito medo de entrar e me decepcionar com o
curso, ver que não é aquilo que eu quero.”
A
psicóloga Valdene explica que, para evitar o tipo de situação
semelhante à de Isaac, mais importante do que se submeter à
orientação vocacional é o autoconhecimento. O ideal seria não
ficar pulando de “galho em galho”, mas refletir e pesquisar até
achar algo que se interesse. “Em alguns casos, por problemas
emocionais ou psíquicos mais graves, apenas a orientação não
bastará, e o jovem deve ser encaminhado para um tratamento
psicanalítico, visando aprofundar os motivos que impedem a escolha”,
afirma.
A
estudante de Pedagogia Lara Neves, 19 anos, diz que desde criança
sonhava em ser professora, mas apenas com a orientação profissional
teve certeza. Mesmo assim, alguns professores e familiares não
apoiaram sua decisão, mas sempre se manteve firme em seguir seu
sonho. Hoje ela está no 4º período do curso e já é apaixonada
pela sua profissão: “eu amo Pedagogia porque ela me permite uma
formação que eu faça diferença na vida dos meus educandos”. No
entanto, nem todos têm a mesma sorte. É o caso de Otto Costa, 21, e
Ademir Júnior, de 22 anos. Durante o Ensino Médio, eles estavam
certos do que queriam – Engenharia Eletrônica e Química,
respectivamente. Mas quando entraram na faculdade, perceberam que não
era exatamente aquilo que pensavam.
Otto
cursou um semestre de Engenharia e percebeu que não era a sua
"praia", então decidiu se transferir para Desenho
Industrial. No primeiro período, ele amava e acreditava que isso
seria o que ia fazer pelo resto da vida; entretanto, com o passar do
tempo, viu-se em dúvida sobre a carreira novamente. “Minhas
dúvidas são em relação à área profissional. A atuação é
muito ampla e o curso é voltado para projetos de produtos, que se
aproxima da Engenharia e é exatamente o que eu não quero.” Depois
de muita reflexão, Otto decidiu trancar a segunda faculdade e se
dedicar à fotografia e ao teatro, suas verdadeiras paixões, até
decidir no que ele realmente quer se formar. “Mesmo que eu ame esse
tipo de arte, eu ainda não consigo me desprender da faculdade e me
guiar numa profissão tão ‘incerta’.”
Já
Ademir ficou dois anos em Química, mas decidiu sair porque o curso
exigia muito mais a física do que a própria química, o que ele não
gostava. Ele pensou em prestar o vestibular para Arquitetura, mas
perdeu as inscrições para o Teste de Habilidade Específica, que é
obrigatório. Sem ter muito o que fazer, ele se inscreveu para
Publicidade e Propaganda – curso que alguns amigos dele faziam e
gostavam. Então sem saber absolutamente nada sobre o mundo da
comunicação, ele começou a cursar. E já está quase se formando.
Em
meio a tantas transformações, cabe ao adolescente tomar uma decisão
importante como essa, e isso gera certa angústia e apreensão. Para
auxiliar nessa empreitada, o jovem pode se espelhar nas matérias que
tem mais facilidade na escola, nos seus hobbies e nas suas
preferências de maneira geral. Por exemplo, alguém que não gosta
de ambientes fechados, não se sentirá feliz em realizar atividades
que só podem ser executadas entre quatro paredes. Para aliviar a
pressão, o adolescente deve ser livre para decidir e se lembrar que
nada precisa ser para sempre; há tempo o suficiente para recomeçar.
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