Educador compartilha saberes na Baixada em defesa da democratização do acesso ao ensino superior


6 de Julho de 2016


Jéssica Simões




Há vinte anos, durante a busca pelo acesso ao ensino superior, Renato Gomes pôde sentir na pele as dificuldades enfrentadas por cidadãos que residem na periferia. Morador da Vila Operária, em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, e sem condições financeiras para custear cursos pré-vestibulares, ele e mais dois amigos formaram um grupo de estudo com o objetivo de passar, no até então distante, vestibular.
A dificuldade foi a força motriz utilizada por Renato na conquista da bolsa integral de estudos para cursar Geografia na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC). E não parou por aí: antes mesmo de se formar sentiu a necessidade de compartilhar seus conhecimentos e ajudar pessoas que enfrentam situação semelhante. Era o início do Pré-Vestibular para Negros e Carentes, o PVNC. No começo, Renato e os amigos contaram com a ajuda da diretora de uma escola pública no mesmo bairro onde moravam. Tudo transcorria bem, até que a diretora proibiu que as aulas tivessem continuidade.
 “Foi uma decisão autoritária e arbitrária”, conta Vanessa Gomes, na época aluna do PVNC, hoje professora de Geografia e esposa de Renato.
Sem um local para ficar, Renato decidiu levar os alunos para uma praça próxima ao colégio, e as aulas passaram a ser, temporariamente, ao ar livre. Com medo da chuva e dos assaltos frequentes na região, surgiu a ideia de pedir a ajuda da mãe. Proprietária da escola infantil Seis de Janeiro, a mãe de Renato aceitou sem hesitar. E é lá que até hoje acontecem as aulas, todos os sábados e domingos.
Pouco tempo depois, outra ruptura marcou a história do PVNC. Os dois amigos que ajudaram na fundação do projeto decidiram aceitar a oportunidade de virar uma ONG. Renato se recusou, pois segundo ele aceitar dinheiro, seja oriundo de fonte pública ou privada, é submeter-se a determinadas influências. Seus amigos fundaram o Educafro, e Renato continuou - dessa vez sozinho - à frente do PVNC.



       Militância e consciência crítica
No pátio da escola, Renato aproveita o tempo vago para conversar com os alunos. Hoje, com a ajuda de outros professores, que ele prefere chamar de "militantes", pode dedicar-se apenas à coordenação.
 “A militância é a consciência social de precisar fazer. Se eu não vier para cá, as crianças ficam sem aula. O voluntariado é querer ajudar. Por isso as aulas são feitas por escala, para que os militantes não abram mão de estar com suas famílias”, diferencia.
As meninas com quem Renato conversa, embora ex-alunas, usam com orgulho o uniforme do projeto. Após a aprovação, voltaram para oferecer ajuda e foram designadas a divulgar a iniciativa nas escolas públicas da região. Entretanto, diversas diretoras não permitiram que elas entrassem. Sentadas em um círculo, as garotas fazem um mapeamento de outras escolas próximas, onde possam recrutar alunos do segundo e terceiro ano do ensino médio. Renato explica que os alunos sempre voltam para ajudar.
“O novo monitor de matemática acabou de passar para a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), e já vai começar na militância. Para o filho de pobre, a licenciatura ainda é o melhor caminho para a mobilidade social. Outro ex-aluno nosso é, agora, gerente administrativo da Faculdade Estácio e sempre manda quadros e cadeiras como doação. E quando surge alguma vaga de emprego por lá, ele me liga perguntando se tenho alguém para indicar.”
Os fatos comprovam como o pré-vestibular é parte crucial de sua vida. Frequentemente costuma levar até seus locais de prova, em seu próprio carro, alunos sem condições financeiras de arcar com as passagens de ônibus. É um cuidado que transcende a relação de aluno e professor. A importância do projeto é tamanha que foi tema de sua dissertação de mestrado, também na PUC. Apesar de ter concluído com êxito, Renato afirma que não tem pretensão de dar aula em universidade por ser um mundo muito elitizado. A despeito disso, a parceria com a PUC rendeu bons frutos. Hoje, o PVNC consegue algumas bolsas integrais para que os alunos ingressem no curso de Serviço Social. A quantidade varia anualmente.
“Eu só consegui me formar assim, através da bolsa da PUC. Além de não pagar mensalidade, ganhava o vale transporte e o ticket do bandejão. Só precisava me preocupar com a xerox. Eu sou fruto disso tudo”, lembra orgulhosamente Vanessa.
Para ajudar com as despesas, o PVNC pede uma colaboração de R$ 40 por aluno, além de um quilo de alimento não perecível, que são destinados ao preparo do almoço dos estudantes e professores entre os intervalos das aulas. A referência para estipular o valor da colaboração é de, no máximo, 5% do salário mínimo. O dinheiro é utilizado para ajudar nas despesas de locomoção dos professores. Mas Renato antecipa: “Se não puder pagar, não tem problema. O aluno será bem-vindo mesmo assim”.
Embora um dos objetivos do projeto seja direcionar os alunos ao ensino superior, Renato afirma não ter o quantitativo de alunos aprovados, pois se recusa a tratar a educação como mercadoria, assim como fazem os cursinhos tradicionais. Mas desde que precisou dos números para a sua dissertação de mestrado e não os conseguiu com exatidão, decidiu começar a contabilizar apenas para fonte de pesquisa futura. “O objetivo não é só passar. É também desenvolver a consciência social dentro de cada um.”
Em relação à educação em seu país, ele tem sérias críticas. Para Renato, a educação no Brasil teve seu declínio na Ditadura Militar, que até hoje deixa vestígios. “A questão da grade curricular nos mostra que não há flexibilidade. A China também passou por um processo que prejudicou sua educação, durante a Revolução Cultural, mas reinventou-se através das novas tecnologias”, compara.
Responsável por emancipar muitos jovens da periferia que convivem diariamente com a negligência do governo, não só no âmbito da educação, como também na saúde, cultura e segurança pública, Renato conta que é totalmente contra qualquer tipo de violência, seja ela física ou moral. “Não acredito em revolução armada, para mim a transformação se faz com educação”, sintetiza.


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