Um Vermelho Desbotado


05 de novembro de 2015

Por Felipe Gelani e Matheus Sousa

O ano é 1951. O time do Peñarol, com oito jogadores da seleção uruguaia campeã mundial no ano anterior contra o Brasil, em pleno Maracanã, perde, dentro de casa, no Estádio Centenário, para um tradicional time carioca: o America Football Club. O clube, que vem passando por dificuldades dentro e fora de campo nas últimas décadas, busca se reerguer em sua nova gestão.

Campeão de sete títulos cariocas e vencedor da Copa dos Campeões em 1982 – torneio que contava com a presença dos maiores clubes do Brasil – o America teve sua sede, na Rua Campos Sales, na Tijuca, interditada pelo Corpo de Bombeiros em junho de 2014, após laudos que apontavam problemas estruturais no local.

Recentemente, a administração do clube fechou contrato com uma empresa de construção civil para a reconstrução da sede, que abrigará um shopping. Como afirma o presidente Léo Almada: "Durante o tempo de construção do centro comercial, cujo prazo é de 30 meses, será pago ao America um determinado valor, e, após a inauguração, por um período de cerca de 40 anos, o clube receberá uma porcentagem dos recursos que renderem desse negócio. Foram 57 empresas, mas a escolhida ainda não podemos divulgar porque ainda não está rigorosamente fechado. Esperaremos até o fim desse ano para dar início à derrubada da sede, incluindo o teatro, que será substituído por um novo."

A sede centenária do clube está fechada para os sócios desde o ano passado (foto de Matheus Sousa)
Mas algo que continuará de pé na futura nova sede do clube é sua sala de troféus. "A única coisa que não aceitei foi que interferissem aqui dentro”, conta a responsável pelo departamento histórico do clube, Eralda Savelli. Entre os troféus que mais se destacam na surpreendente galeria de títulos do clube está o do Torneio dos Campeões de 1982, campeonato que valeu ao time a alcunha de Campeão dos Campeões. Mas o torneio vencido nos anos 80 talvez tenha sido o último grande título do "Mecão". 

A década de 80 marcou o início da derrocada de um time acostumado a dar trabalho no Carioca. "O clube sempre foi considerado grande, digamos que até os anos 80 eram cinco grandes, e o America era o quinto. Embora o time raramente colocasse até 20 mil pagantes em um jogo no Maracanã, ele sempre foi respeitado, sempre disputou o Campeonato Carioca na primeira divisão", afirma o editor-executivo do jornal Lance!, Carlos Alberto Vieira. 

Para o jornalista, o alvirrubro era um time elitizado que não tinha uma força popular e que não conseguia sustentar os grandes jogadores formados no clube. O America também era conhecido pela integridade de seus maiores cartolas, o que, no contexto do futebol brasileiro, provou ser uma fraqueza, de acordo com Vieira. "O ex-presidente do America, Giulite Coutinho, era absolutamente honesto, forte e centrado. Não procurava buscar vantagens ou patrocínios grandes. Por isso o time começou a ter dificuldade quando o futebol se tornou mais midiático." 

Um exemplo dessa honradez americana ocorreu com a formação do Clube dos 13, em 87, quando o America foi relegado a disputar o Módulo Amarelo da Copa União ‒ destinado aos clubes médios do Campeonato Brasileiro da época ‒ mesmo com o time chegando à semifinal do Brasileiro anterior. O clube se negou a participar da polêmica competição. 

O jornalista do Lance! considera isso uma injustiça com o clube. "Foi feita uma divisão entre equipes de poder financeiro e criaram uma liga. O America, sei lá, era a 30ª torcida do Brasil e foi excluído. A partir daí o time não conseguiu mais voltar à elite do futebol." Para o atual presidente do clube, faltou perspicácia aos cartolas daquele período. "Ali em 87, que me desculpem os dirigentes da época, o America não foi hábil." 

Apesar dos problemas dentro das quatro linhas, no ano 2000 o clube inaugurou seu estádio, construído com o dinheiro da venda da sede em Andaraí: Giulite Coutinho (em homenagem ao ilustre ex-presidente do clube e da CBF). O estádio fica no bairro de Edson Passos, em Mesquita, na Baixada Fluminense, e pode receber até 13.544 torcedores em partidas listadas pela Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro (Ferj). Mas de acordo com Vieira, o estádio teria afastado o clube de sua torcida. "Uma coisa que complicou muito o America foi a construção do estádio em Mesquita, lugar que não tinha muita identidade com o clube. Saiu do eixo Tijuca, Andaraí, Vila Isabel e Grajaú, onde era mais popular." 

O presidente Almada discorda, dizendo que a ida do clube para a Baixada tem como objetivo criar uma nova torcida. "A quantidade de torcedores ainda não aumentou muito, porque, infelizmente, em termos de futebol, ainda não conseguimos alcançar o nível técnico que procuramos. A ideia é sair da Série B, voltar para a Série A do Carioca e começar a vencer. Quando isso acontecer, a torcida, que já está aumentando, aumentará muito mais." 

Para o dirigente, o clube ainda tem uma boa torcida, apesar de pouco atuante devido à idade. Cerca de 145 mil torcedores, de acordo com ranking do site Chance de gol. Ele atribui o envelhecimento da torcida aos problemas financeiros do clube. "Nossas rendas não eram suficientes pra conseguir manter ídolos. É uma realidade. A falta de arrecadação não permite que você tenha uma despesa além daquela que pode ter, sob pena de ser decretada falência."

Mas quanto tempo dura a torcida de um time desacostumado à exposição da mídia e aos títulos? Nos arredores da centenária sede do clube, o aposentado Júlio César Torres, que jogava baralho com seus amigos, dá uma preocupante resposta ao ser perguntado sobre os torcedores do time no local: "O último torcedor do America por aqui já morreu."

Estádio do América em Edson Passos oculto entre os prédios do bairo (foto de Felipe Gelani)
Vermelho vivo

Edu Coimbra, considerado o maior craque da história do America e hoje coordenador de futebol do clube, fala com nostalgia de seu tempo como jogador. "Dentro da passagem que eu tive, desde o início, no infanto-juvenil, até minha saída, em 74, creio que eu tenha realizado tudo aquilo que eu esperava realizar."

Coimbra lamenta não ter conquistado mais títulos e atribui as derrotas a favorecimentos feitos a adversários. "Muitas vezes, o America entrava na reta final e havia certa preferência aos clubes de maior dimensão, maior respaldo político e, de certo ponto, de torcida, de mídia. E isto tirou alguns títulos que disputei." 

Ele ressalta que naquele período, o time entrava de forma competitiva em todos os campeonatos. "O America sempre foi muito respeitado; era considerado um dos seis grandes do Rio de Janeiro (junto com Fluminense, Botafogo, Flamengo, Vasco e Bangu). Tinha conquistado títulos cariocas e sempre teve uma boa representatividade, pelo menos na minha época, em campeonatos brasileiros."

Um dos titulares do elenco atual do time e com passagens em times como Corinthians e Vasco, o zagueiro Fábio Braz destaca a importância de vestir a camisa do Rubro. "Acredito que nada acontece por acaso. Todo mundo que entende de futebol no Brasil conhece a força desse clube. Então, acho que a Segunda Divisão não é o lugar do America."

Dívidas

O presidente do clube, Léo Almada, disse que foi feito um levantamento de todas as contas do America por meio de uma auditoria externa e que a dívida constatada está em torno de R$ 60 milhões. Ele afirmou estar tranquilo ao comparar a dívida com a de outros clubes do Rio. “Essa dívida vai deixar de existir porque nós vamos – com o negócio que estamos fazendo com a sede e com os recursos que vamos ter – liquidar todos os nossos débitos. Daqui a aproximadamente dois anos e meio, vamos quitar as dívidas. O America vai ser um clube que vai começar do zero em termos financeiros."

Ele considera a queda para a Série B do Carioca, em 2011, um fator fundamental para a dificuldade de conseguir recursos para o clube. "A arrecadação quando o clube está na elite do futebol é muito melhor. Só com a cota de TV é praticamente possível manter um time e o rebaixamento tirou uma das principais arrecadações. Além disso, todo patrocinador quer divulgar o nome da sua empresa. Se o America não está aparecendo na TV, fica muito difícil arrecadar com patrocínio também. Mas temos a certeza de que isso vai acabar", comenta Almada, esperançoso.

O presidente do America afirma que o clube está mantendo todos os salários em dia, mesmo sem qualquer tipo de recurso, graças à dedicação de alguns dirigentes. "Cada um mete a mão no bolso um pouquinho e temos conseguido manter os salários em dia", detalha.

Um funcionário do clube, que não quis se identificar, desmente a afirmação de Almada, e diz que já trabalha há mais de um ano nas dependências do America e que o pagamento sempre atrasa. "São cinco dias úteis pra receber, mas o atraso às vezes vai até o fim do mês. O salário é baixo e falta gente pra trabalhar." 

Futebol e Planejamento

No dia 25 de abril, o America foi eliminado pelo Americano na semifinal da Taça Santos Dumont pelo placar de 3x2. A derrota foi muito traumática para os membros da comissão técnica e para a diretoria do clube, pois o torneio representava a melhor chance de o Rubro voltar à Primeira Divisão do Carioca. O time tenta novamente o ascenso pela Taça Corcovado, mas estreou com um empate em 0x0 contra o Duque de Caxias, no dia 13 de maio. 

O técnico do America, Arturzinho, acredita num segundo turno melhor para a equipe. "Eu acho que não tem muita coisa pra fazer de diferente não. São coisas imponderáveis do futebol. Contra o Americano nós estávamos numa tarde infeliz e por isso não conseguimos a classificação. Confio no elenco, e pela dedicação e qualidade deles acredito que chegaremos às finais. Claro, se não ocorrer o imponderável."

"As expectativas são as melhores possíveis. E é mais do que satisfatório e merecido subir esse ano para dar alegria ao torcedor americano e também para o torcedor no Rio de Janeiro. Acredito que não passa dessa temporada o acesso do America", comenta Fábio Braz.

Para voltar à Série A do Carioca, Edu Coimbra explica que o time conta com os esforços financeiros de seu presidente, Léo Almada. O clube não tem patrocínio na camisa. "Ele [o presidente] costuma dizer que o America, hoje, tem um grande patrocínio que é a LBA (Léo Barros Almada). A parte financeira é toda atribuída a ele. Fiquei com a coordenação geral de futebol, que não é só o time profissional, mas também as contratações desde a base. Hoje, posso dizer que o America é um time futurista, vai dar bons frutos daqui a pouco", defende o ex-craque. De acordo com o coordenador de futebol do America, se não fosse pelo presidente, o clube já teria fechado as portas.

O America tem projetos educacionais para tentar contribuir para o desenvolvimento da região de Mesquita, bastante carente. Almada afirmou que até o fim do ano pretende inaugurar uma biblioteca no estádio. Quem coordena o projeto é o próprio. "Estamos prestes a construir uma biblioteca aqui, que servirá para tirarmos muitos jovens da marginalidade. Este é o melhor trabalho que faço aqui. Até o fim do ano podemos ter a biblioteca inaugurada", conclui.

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