A nudez feminina na era digital


06 de maio de 2015

Por Marcella Ramos

X estava terminando o ensino médio e namorava um rapaz por quem nutria uma enorme paixão. Já namoravam há meses e ela tinha certeza de que era para sempre. Com ele, perdeu a virgindade, deu seus primeiros goles em bebidas alcoólicas e viajou pela primeira vez sem seus pais. Sua mãe já havia desistido de tentar impedir que ela dormisse na casa dele nos finais de semana. Ela não era tola de já pensar em casamento, mas se tivesse que se casar com ele, não recusaria. Eles trocavam fotos íntimas como muitos casais acabam fazendo em algum momento. No entanto, quando o namoro chegou ao fim, amigos do ex de X estavam com suas fotos no celular. Não demorou muito e toda escola já tinha acesso a essas fotos. X se encontrou em um pesadelo.

X permaneceu forte, apenas trocou de colégio e seguiu em frente até esquecerem o assunto. No entanto, nem sempre é tão fácil assim. Em novembro de 2013, dois casos bem semelhantes estamparam jornais. Julia Rebeca, 17, teve um vídeo íntimo vazado pelo aplicativo WhatsApp. Ela não aguentou o bullying e se enforcou com um fio elétrico. Quatro dias depois, a jovem gaúcha Giana Laura Fabi, 16, também se matou por motivos parecidos.

Segundo dados da Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática, a média de denúncias de casos de vazamento de fotos e vídeos é de seis por semana. A vítima é quase sempre mulher, entre 14 e 25 anos, e quem disponibiliza o conteúdo é majoritariamente homem de classe média. A legislação para crimes desse tipo mudou desde que a lei 12.737/2012, mais conhecida como Lei Carolina Dieckmann, entrou em vigor, em 2 de abril de 2013. Dentre outros delitos, a pena vai de três meses a um ano de prisão para quem invadir dispositivos com acesso à internet para obter dados sem a autorização do dono do aparelho.

Vazamento de fotos da atriz Carolina Dieckmann motivou criação da lei que pune responsáveis por divulgação de imagens íntimas de mulheres (Foto: Divulgação - IG)
Em setembro de 2014, celebridades internacionalmente conhecidas, como Jennifer Lawrence e Rihanna, tiveram fotos íntimas espalhadas pela rede. Todas eram mulheres. Isso abre espaço para uma discussão antiga: por que o corpo nu, especialmente feminino, causa tanto fascínio e polêmica? 

No Brasil, uma mulher que mostra os seios em público pode ser presa por ato obsceno. A multa varia de três meses a um ano, a mesma aplicada a hackers, de acordo com a lei Carolina Dieckmann. Em outras partes do mundo, a situação não é muito diferente. A fotógrafa russa Anastasia Chernyavsky (http://styush.com/) teve seu perfil no Facebook bloqueado temporariamente depois de postar uma foto nua com suas filhas. Nos termos de uso do Facebook está claro: é proibido postar fotos de nudez, assim como pornografia, discurso de ódio e violência gratuita. Quem se encarrega de denunciar se algum usuário infringiu as regras são os outros usuários. Ou seja, alguém viu a fotografia de Anastasia, achou inapropriada e denunciou. 

Está no inconsciente coletivo que o simples ato de uma mulher mostrar os seios já é algo pornográfico. As militantes da Marcha das Vadias lutam contra isso. "O corpo feminino é lindo e é muito triste ver, ainda em 2014, pessoas fazendo grande caso porque uma mulher está sem roupa", diz Ana Lopes, que participa das marchas em São Paulo, há dois anos. "O corpo é meu e eu gostaria de poder fazer o que bem entender com ele", completa Letícia Simões, entusiasta do movimento e amiga de Ana. 

"Parece que as pessoas só gostam de fotos de mulheres nuas quando elas não querem que as fotos sejam vistas, ou quando é um homem que compartilha. Se eu posto uma foto do meu corpo, simplesmente porque achei bonita, é capaz que, no dia seguinte, ela seja excluída, além dos comentários maldosos que eu receberia." diz Ana Lopes. "Parece que só é aceitável um corpo nu feminino quando ele está em posição de produto", completa.


Amamentação em público

Para alguns, a amamentação deveria ser feita apenas em lugares privados. Para outros, é algo natural e ninguém deveria se importar de ter por perto uma mãe amamentando seu filho. Muitas mães, como Marcella Rodriguez, se incomodam com os olhares recebidos durante a amamentação. "Algumas pessoas encaram mesmo, fica um pouco constrangedor", diz. 

No Brasil, um caso de grande repercussão no início de 2014 foi o da modelo Priscila Navarro Bueno, que durante um passeio pelo Museu da Imagem e do Som (MIS), em São Paulo, foi reprimida por seguranças ao amamentar o filho. Depois de desabafar nas redes sociais, o museu pediu desculpas, informando que os funcionários seriam mais bem orientados e que as mães que visitam o local têm total liberdade de amamentar.

"Já estou cansada dessa sexualização da figura feminina. O corpo da mulher não foi feito para dar prazer ao homem. É ridículo que um ato tão natural e belo seja visto como inapropriado porque, segundo eles, tem algo pornográfico ali", diz Carolina Zanatta, feminista que apoia o direito da mãe de amamentar em qualquer momento. 

Oscar Filho, humorista, postou em seu blog no portal Terra, um depoimento sobre a vez em que o Facebook o baniu porque ele postou a foto de uma mãe amamentando uma criança. Essa situação se repete, pois é comum ver mães reclamando que suas fotografias foram excluídas. "É muito triste que vejam maldade em atos como esses", completa Carolina. 


Arte, nudismo e Facebook

Karolinne Pedrosa já teve diversas fotos excluídas do Facebook. O motivo, em todas as vezes, foi a nudez feminina. Karolinne é a idealizadora do projeto "Clotheless Portraits das Mina", um grupo do Facebook só para mulheres. Nele, diversas artistas desenham umas às outras sem roupas, com a proposta de fazê-las se sentirem mais confortáveis com seus próprios corpos. A própria idealizadora faz seus desenhos e, com a aprovação da modelo, os torna disponíveis na página Flores da Kal.

No entanto, desde que começou a fazer desenhos de nudez, enfrenta problemas ao manter esses trabalhos na página. Seus trabalhos são denunciados com frequência por mostrarem o corpo feminino sem roupas. Ela teme que sua página acabe saindo do ar. O grupo, para as meninas que fazem parte, é um oásis na internet.

"Acho que é a primeira vez que eu vejo corpos nus femininos sendo usados como inspiração para algo além de uma punheta, para uma arte comercial hipócrita ou para arma de ataque contra a sexualidade feminina", diz Lígia, participante da página, em um printscreen capturado por Karolinne. 

"A iniciativa é linda. No grupo, fazemos amizades com pessoas em quem podemos confiar, porque estamos de igual para igual. Desde que entrei, me sinto muito melhor com o meu corpo e consigo apreciar coisas que antes julgava como defeitos. As meninas são muito boas em levantar a autoestima umas das outras", diz Ingrid Barbosa, artista e membro do grupo.

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