11 de agosto de 2013
(Foto: Mauro Pimentel / Terra) |
Ivo Herzog, filho do jornalista Vladimir Herzog, morto pelo regime ditatorial, fala sobre a morte do pai, a campanha Fora Marin, as polêmicas da CBF e da FIFA, além das recentes manifestações populares
Douglas Dayube e Vinícius Mathias
Política e Futebol não se misturam. Essa frase é antiga e já foi dita por diversas pessoas, desde políticos a jogadores de futebol, mas será que ela é realmente verdadeira? Ao fazer um estudo histórico sobre a principal instituição futebolística brasileira, descobrimos que não. A Confederação Brasileira de Futebol, fundada em 20 de agosto de 1914, já teve em seu quadro de presidentes homens como João Havelange, Ricardo Teixeira e agora José Maria Marin. Esses três têm ou tiveram ligações não só com políticos, mas também com os principais ditadores da América Latina. Estamos falando de Jorge Rafael Videla, Augusto Pinochet, e claro, os ditadores brasileiros.
Justificando ser apolítico, João Havelange colecionou grandes amigos durante a sua Presidência na CBF (1958-1974) e na Presidência da FIFA (1974-1998). Durante a Copa do Mundo de 1970, a seleção brasileira se tornou o grande produto midiático da Ditadura Militar brasileira. Com o objetivo de preparar o time para o Mundial do México, quatro seleções diferentes foram convocadas para fazer um tour pelo país. Além do futebol mostrado, os nossos jogadores disseminaram a ideologia dos militares e os lemas nacionalistas foram levados para os quatro cantos do país.
Na FIFA não foi muito diferente. Para a Copa do Mundo de 1978 a sede escolhida foi a Argentina, onde milhares de pessoas foram mortas durante a Ditadura Militar de Jorge Rafael Videla. O que acontecia no país foi ignorado para que a Copa fosse sediada lá. Também no mandato de Havelange na Fifa, a seleção soviética foi obrigada a participar de um jogo do qual não queria no Chile. O palco da partida foi o Estádio Nacional, o mesmo que serviu de campo para as torturas cometidas por Augusto Pinochet e seus militares aliados.
Ricardo Teixeira, durante os seus 23 anos de Presidência na CBF, além de escândalos, também fez muitos aliados no cenário político brasileiro. Após o país ser eleito sede da Copa do Mundo de 2014, a Confederação fez algumas escolhas questionáveis para subsedes, como Natal, Manaus, Cuiabá e Brasília.
No dia 12 de março de 2012, após a renúncia de Ricardo Teixeira, que não conseguiu resistir a mais um escândalo ligado ao seu nome (recebimento de propinas no caso ISL), José Maria Marin assumiu a Presidência da Confederação por ser o vice-presidente mais velho em exercício. Aos 81 anos, o ex-governador de São Paulo não só ocupou o cargo de presidente da CBF, mas também o de presidente do Comitê Organizador Local (COL). O seu passado não é apenas composto pelo roubo da medalha de um atleta campeão da Copa São Paulo de Futebol Júnior.
Governador biônico de São Paulo, Marin foi um dos perseguidores da esquerda brasileira. Político de formação no PRP (Partido da Representação Popular), fundado por Plínio Salgado, líder da Ação Integralista Brasileira, Marin conseguiu se eleger como vereador na capital paulista. Durante a ditadura, já na Arena (Aliança Renovadora Nacional), Marin discursou contra a TV Cultura e o seu então diretor Vladimir Herzog pelo fato de a emissora não ter coberto um evento do partido, em outubro de 1975. Duas semanas depois, o Estado anunciava a morte de Herzog por suicídio.
Em 1982, assumiu o cargo de governador, após a saída de Paulo Maluf, que fora disputar as eleições para deputado federal. Em seu governo extinguiu o DOPS Paulista, mas foi acusado de comandar a ação truculenta da Polícia Militar contra oposicionistas do governo. Após o fim da Ditadura, Marin foi perdendo espaço e prestígio político, não tendo conseguido somar 1% dos votos válidos em eleições posteriores. Sem a proteção do estado ditatorial, Marin viu no futebol uma nova forma de ganhar espaço e notoriedade. Entre 1982-1988 foi presidente da Federação Paulista de Futebol, e, a partir daí, começou a ganhar espaço na confederação nacional, onde foi vice-presidente da entidade na Região Sudeste até a renúncia de Ricardo Teixeira, em março de 2012.
Com o objetivo de elucidar um pouco mais a trajetória de José Maria Marin, entrevistamos Ivo Herzog. Filho de Vladimir Herzog, o engenheiro náutico de 46 anos é responsável por elaborar uma petição na internet para retirar Marin da presidência do COL. Ele também elaborou um dossiê sobre o passado de Marin e o enviou para a Fifa, a CBF e os 20 clubes da Série A do Campeonato Brasileiro.
Cadernos de Reportagem – O que é a Campanha Fora Marin?
Ivo Herzog - É uma campanha para remover do comando da Copa do Mundo o José Maria Marin, em função do seu passado ligado à Ditadura.
CR – Estimava-se que a petição alcançasse 10 mil assinaturas, mas o número já ultrapassou os 50 mil. Qual a sua sensação sobre isso?
Ivo Herzog – Fiquei muito alegre porque o número mostra que as pessoas se importam com o passado do Marin, que foi ligado a uma série de coisas sujas. As pessoas não querem o Marin nos representando. É um absurdo que um país como o Brasil, que conquistou a democracia, ter o Marin representando a Copa do Mundo, um cara que é alheio a todos os direitos democráticos.
“O José Maria Marin à frente da CBF e do COL é como se um representante do Partido Nazista tivesse comandado a Copa do Mundo da Alemanha em 2006”
CR – Qual era o conteúdo do dossiê à CBF e da carta à Fifa?
Ivo Herzog – A petição para a retirada do Marin em função da história dele foi para a CBF, para os clubes da Série A e para as federações de futebol de todos os Estados, e a gente resumiu essa petição numa carta à Fifa, que foi encaminhada ao Comitê de Ética. O José Maria Marin à frente da CBF e do COL (Comitê Organizador Local) é como se um representante do Partido Nazista tivesse comandado a Copa do Mundo da Alemanha em 2006.
CR – Houve algum retorno da CBF ou da Fifa?
Ivo Herzog – A CBF em determinado momento usou o site Terra para defender o Marin. Essa atitude me surpreendeu porque expôs a marca de todos os patrocinadores, o que foi extremamente inadequada. O que o patrocinador guaraná tem a ver com o Marin na Ditadura? Expor as marcas a isso parece que elas também estão defendendo o Marin. A Fifa nem respondeu diretamente, encaminhou o processo para o Comitê de Ética, que demorou mais de 40 dias pra me responder que não vai fazer nada.
CR – Essa atitude do Comitê de Ética da Fifa o surpreendeu?
Ivo Herzog – Me surpreendeu bastante. Ética tem a ver com valores, são quase sinônimos. Quando o Comitê de Ética diz que não vai fazer nada significa que ele não tem problema com os valores do Marin, valores de uma pessoa fascista, ditadora... De uma pessoa que rouba medalha.
CR – A Fifa parece também não gostar do Marin. Acha que ela não fez nada por conivência?
Ivo Herzog – Vou dizer uma coisa que é mais grave do que isso. A gente vê um monte de políticos daquela época ruim (Ditadura) que não consegue mais se eleger, tomando conta de cargos em clubes e federações. Os clubes de futebol, para os quais eu enviei a petição, também não se manifestaram, então também são coniventes. Alguns dias depois, as federações aprovaram, inclusive, as contas da CBF 2012. Toda essa coisa que é moralmente muito ruim, que tem valores muito ruins está encabeçada pela Fifa. Como o futebol é uma coisa que mexe com a paixão de todos nós, ele perde uma grande oportunidade de ensinar, de ajudar a melhorar o mundo em que vivemos.
CR – Como o senhor vê o repasse de dinheiro público à CBF, que é uma instituição privada?
Ivo Herzog – A partir do momento que existe repasse de dinheiro público à CBF, passa a ter que prestar contas ao público. Se o dinheiro é nosso, temos o direito de saber sobre as pessoas que comandam a CBF, se são pessoas dignas. Queremos uma prestação de contas transparente.
CR – Mesmo isolado politicamente, o Marin ainda preside a CBF. O senhor acredita em alguma eventual renúncia?
Ivo Herzog – Não temos mecanismos legais para tirá-lo, mas uma pressão forte da população, como está sendo vista nos protestos nesses últimos dias, pode fazer com que ele renuncie. Até porque a CBF vai receber pressão dos patrocinadores.
CR – Marin perdeu força política após a Ditadura, Basta ver as últimas candidaturas à prefeitura (2000) e ao Senado (2002) por São Paulo, onde recebeu em ambas menos de 1% dos votos válidos. Acha que a população deveria ter participação nas eleições da CBF?
Ivo Herzog – É uma pergunta complicada de responder. Uma participação direta não, mas acho que a sociedade e o governo deveriam ter poder de veto. Porque estão recebendo bilhões para organizar a Copa do Mundo, estão representando o Brasil na Copa do Mundo. Ter todos esses recursos na mão de uma entidade privada que não presta contas das verbas públicas e que não justifica as nomeações não é certo. É a primeira vez no mundo que o presidente da Federação de Futebol é também o presidente do Comitê Organizador Local. Isso mostra a mente doentia do Marin.
CR – Como foi receber o novo laudo da morte do seu pai?
Ivo Herzog – É uma sensação muito interessante e louca porque a gente recebe com alegria um atestado de óbito, o que é totalmente contraditório, mas é importante entender de onde vem essa alegria. Desde o primeiro momento, o Estado tentou criar uma farsa sobre as circunstâncias da morte dele e nós da família e outras pessoas lutamos para essa farsa ser derrubada aos poucos. Aceitar os documentos da farsa é uma forma de humilhação, é muito complicado. Então, na hora que saiu o novo atestado, datando as circunstâncias reais da morte do meu pai, foi uma alegria, um sentimento de vitória.
CR – Considera o Marin o maior culpado pela morte dele?
Ivo Herzog – Não. Não o considero o principal culpado, mas ele é uma pessoa conivente que apoiou o regime que matou meu pai. Acho que isso já é o suficiente. Eu não quero uma pessoa que não preza pela democracia, pelo direito de ir e vir, me representando na CBF e no Comitê.
CR – Vale frisar que toda a sua ação contra o Marin é “pessoal”, e não em nome do Instituto Vladimir Herzog. Qual o objetivo do Instituto?
Ivo Herzog – O objetivo é retratar a história recente do Brasil, porque só conhecendo e entendendo o passado que a gente consegue construir um futuro melhor. Uma das grandes deficiências que temos aqui é a falta de conhecimento de seu passado. O Instituto tem essa preocupação de trabalhar recuperando essa história recente do Brasil para as novas gerações, sob um viés dos direitos humanos. Até porque a sociedade está com a ideia louca que direitos humanos são os ‘direitos dos bandidos’. Não é nada disso. Direitos humanos significam direito à moradia, saúde, educação, transporte. É interessante o momento dessa entrevista, porque estamos vendo várias fotos de policiais agredindo, usando de violência e as pessoas acreditavam que isso fazia parte só do passado, que não acontecia mais atualmente. E isso está presente na nossa realidade, porque a policia da Ditadura é a mesma polícia que está aqui agora. Pouca coisa mudou na polícia de hoje, se é que mudou. É só o povo querer ir para as ruas, usar do seu direito de livre manifestação que o Estado vem pra cima desse povo de uma maneira extremamente violenta.
CR – Teoricamente vivemos numa democracia e não mais na Ditadura. Mas é realmente assim na prática?
Ivo Herzog – Na prática é uma democracia, porque a gente tem instrumentos institucionais que garantem direito ao voto, mas é uma democracia de baixa consciência. O que existe é um baixo conhecimento das pessoas em geral a respeito de seus direitos, o baixo conhecimento do que elas podem fazer para melhorar a sociedade. Um dos pontos do Instituto Vladimir Herzog é que o maior problema do Brasil é a educação. Não a educação de aprender a ler ou fazer conta de mais e menos, mas sim a do conhecimento da sua história. Sem conhecer sua história, as pessoas não conseguem criar um discernimento do que ela acredita. Acho que isso ajuda a entender um pouco o distanciamento da sociedade com o sistema democrático. Cada vez menos pessoas vão votar, os partidos políticos estão cada vez mais fragmentados, não conseguimos encontrar mais ideologias nos partidos e nem nos próprios políticos, as pessoas não conseguem encontrar mais líderes. Assim as pessoas se distanciam do processo político, os políticos se distanciam da população e dessa maneira eles ficam livres para fazer o que é do interesse deles.
“O maior problema do Brasil é a educação. Não a educação de aprender a ler ou fazer conta, mas sim a do conhecimento da sua história”
CR– O senhor acha que o Brasil está acordando na questão política?
Ivo Herzog – Gostaria de usar uma imagem para responder: a do copo que está transbordando. Já estava cheio com a corrupção, saúde, educação etc. De repente, esse copo transbordou. É um movimento muito interessante. Eles não aceitam partidos políticos. Fui à manifestação em São Paulo e qualquer manifestação partidária era vaiada e retirada. É um movimento livre de expressão, é maravilhoso. O grande agente de mudança de toda sociedade é o jovem. Eu fico realmente muito emocionado. Acabei encontrando com meu filho de 16 anos lá por acaso, com todos os amigos da escola. É maravilhoso! Eu mesmo não tenho a pretensão de entender esse movimento na sua plenitude. Estou velho, tenho 46 anos e acho que os jovens estão cheios de virtudes. Eles que devem falar sobre o que acham desse movimento. É deles a opinião mais importante a se ouvir agora, não as de políticos, jornalistas ou homens de cabelo branco como eu (risos). Os jovens estão fazendo essa coisa linda e maravilhosa que estamos vendo aí.
CR – Considera o seu pai um herói para o Brasil?
Ivo Herzog – Não um herói, mas uma referência. Outro símbolo é a minha mãe, que, com 34 anos, viúva e com dois filhos pequenos, teve a coragem e a audácia de lutar contra o Estado e mover uma ação de responsabilidade para provar que ele era o culpado pela morte do meu pai. Ela e o Dom Paulo Evaristo Arns (arcebispo que celebrou a missa ecumênica em protesto à morte de Vlado Herzog, apesar das ameaças ditatoriais) são os verdadeiros heróis da história de Vladimir Herzog.
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