7 de agosto de 2013
 
Políticas de segurança adotadas para grandes eventos deixam população local em segundo plano e priorizam elites estrangeiras
Jéssica Pietrani e Gabriela Antunes

Uma política de segurança pública é essencial para garantir que os grandes eventos esportivos que serão realizados no Brasil se concretizem como o esperado, em especial no Rio de Janeiro, cidade marcada pela violência, tráfico de drogas e pobreza. O projeto das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP), por exemplo, trouxe respaldo para a cidade ser a favorita para sediar os Jogos Olímpicos de 2016, servindo também para a Copa do Mundo de 2014.

Segundo o site da Secretaria de Segurança do Governo do Estado do Rio de Janeiro, “o programa das UPPs foi elaborado com os princípios da polícia de proximidade, um conceito que vai além da polícia comunitária e tem sua estratégia fundamentada na parceria entre a população e as instituições da área de Segurança Pública. Além de levar paz aos moradores da comunidade, a pacificação tem um papel fundamental no desenvolvimento social e econômico das comunidades, pois potencializa a entrada de serviços públicos, infraestrutura, projetos sociais, esportivos e culturais, investimentos privados e oportunidades”.

De acordo com o coordenador do curso de bacharelado em Segurança Pública da Universidade Federal Fluminense, professor Lenin Pires, a ideia dos grandes eventos surge no contexto da transformação do Rio de Janeiro em “cidade commoditie”, ou seja, uma cidade para ser consumida por uma elite e, portanto, a política de segurança pública adotada pelo governo visa defender os direitos desta classe. “A UPP claramente é a política publica do governo do Estado para a cidade do Rio de Janeiro preparando o centro de operações, primeiro, para fazer um marketing internacional”, explica Lenin.

Atualmente existem 33 UPPs implantadas na cidade do Rio de Janeiro e a previsão da Secretaria de Segurança é que até 2014 existam mais de 40. Em sua maioria, as Unidades de Pacificação estão localizadas nas regiões sul e central da cidade e na grande Tijuca, áreas de maior circulação de turistas e onde moram as pessoas de maior poder aquisitivo, além de abrigarem o maior número de competições esportivas. É o chamado “cinturão de segurança”.

Vale ressaltar ainda que não houve pacificação em áreas controladas por milícias, localizadas principalmente na Zona Oeste da cidade, com exceção das UPPs do Batan e da Cidade de Deus. O coronel Robson Rodrigues, da Polícia Militar do Rio, uma das cabeças pensantes do projeto de pacificação, em entrevista ao jornal Le Monde Diplomatique, reconhece que a violência não foi o fator que levou a escolha dos lugares a serem pacificados. “Realmente são as Olimpíadas que ditam nossa escolha. Eu diria até que, sem esse evento, a pacificação nunca teria acontecido”.

O Comitê Popular da Copa e Olimpíadas do Rio de Janeiro em maio deste ano lançou um dossiê intitulado “Megaeventos e violações dos direitos humanos no Rio de Janeiro”, que analisa de forma crítica os efeitos da realização na cidade do Rio. Nesse documento, a organização afirma que o programa das UPPs representa o maior gasto com segurança pública já feito pelo Estado. Até 2014, o custo por ano do projeto será de R$ 480 milhões, e, só no ano da Copa do Mundo, os gastos previstos são de R$ 720 milhões e um efetivo de 12 mil policias. “Esse e outros investimentos em segurança fazem parte de um projeto maior de reterritorialização urbana e de controle social – elementos chaves dos megaeventos no século XXI”, destaca o documento.

Não é à toa também que em 31 de maio de 2012 um novo setor ligado à Secretaria de Estado de Segurança do Rio de Janeiro foi criado, visando especialmente os eventos que acontecerão na cidade. A Subsecretaria Extraordinária de Grandes Eventos tem como função “coordenar o trabalho de planejamento e preparação da Secretaria de Segurança (Seseg) e seus órgãos subordinados (a Polícia Militar e a Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro) para atender as demandas de atuação qualificada durante os grandes eventos internacionais”. Porém, até o fim de 2012, não havia informações sobre o esboço de qual seria a política de segurança pública para Copa das Confederações, Jornada Mundial da Juventude ou Copa do Mundo. Sem contar que não há informações sobre orçamento nos sites de transparência das três esferas de governo.

Apesar da presença da UPP no Morro da Cruz, falta de outras políticas públicas preocupa moradores
Moradores cobram melhorias sociais  

O professor Lenin explica que o governo naturalizou o conceito de segurança como a repressão policial das classes mais baixas, isto é, que se diferenciam social, econômica e culturalmente da elite. Moradora do Morro do Cruz, na Tijuca, C. destaca que, antes da instalação das UPPs, a polícia era violenta com os moradores, mas vê com bons olhos a pacificação, já que, para ela, os policiais da UPP são formados e capacitados para entrarem na comunidade. V., moradora do Cavalão, comunidade localizada em Niterói, também afirma que os policiais abordam os moradores com agressividade. “Eles acham que todo mundo é bandido”, declara V.

No entanto, cada comunidade tem a suas próprias características. Segundo R., nascida e criada no Morro dos Macacos, Tijuca, Zona Norte do Rio, a UPP local, implementada em novembro de 2011, não foi acompanhada de projetos sociais e a relação da polícia com os moradores da comunidade ainda é de tensão. “A UPP não escuta as pessoas da comunidade. Quando a gente pede ajuda, eles não fazem nada. Não pode ter mais baile e mesmo as festas caseiras são interrompidas em uma determinada hora. Os policiais vão até a festa, querem saber o que é, mandam diminuir a música, mesmo em festas infantis”, comenta a moradora.

Eduardo Passos, presidente da Associação de Moradores da Comunidade do Cavalão, de Niterói, região metropolitana do Rio de Janeiro, acredita que a vida dos moradores não muda apenas com a entrada dos policiais na favela. “Para mim é a mesma relação de um policial que faz a segurança de um condomínio ou de um prédio. Seria melhor se viesse o social”.

De acordo com Lenin, a UPP foi uma maneira de extinguir a violência, que prejudicava a imagem da cidade e também uma forma de controlar o que acontece nas favelas que pertencem ao “cinturão”. Antes da pacificação, a proteção policial aos traficantes, comumente conhecida por “arrego”, era também um forma de comércio, isto é, o policial ignorava o tráfico em troca de dinheiro. Com o fim do tráfico de drogas visível nesta região, o comércio de “arrego” teve de se deslocar para outros lugares, como Zona Norte e Oeste e para a região metropolitana do Rio, como Niterói, São Gonçalo e Baixada Fluminense.

Para o especialista, segurança pública é uma ideia que não se limita à proteção policial, mas que também se relaciona com educação, transporte, planejamento urbano. Segundo Lenin, o acesso à educação e a bens culturais garante a formação de um sujeito crítico e faz com que o interesse pelo conhecimento aumente, reduzindo as diferenças sociais nas comunidades. Para além disso, um transporte público de qualidade garante à população acesso à cultura, saúde e educação, muitas vezes escasso longe dos grandes centros.

Os próprios moradores reconhecem que a educação é o principal instrumento da diminuição das diferenças sociais. Quando perguntadas se a UPP tinha sido solução para os problemas da comunidade, tanto R. quanto C. responderam que a solução seria garantir a educação dos moradores, que, segundo elas, não melhorou mesmo com a pacificação. “A solução é emprego e educação. Estou sem trabalho e ser for pra trabalhar só de faxina mesmo. Só estudei até a quinta série. Eles têm que fazer alguma coisa pra melhorar isso, pra melhorar o emprego e a educação, dar aulas, cursos e mais trabalho pra quem é da comunidade.” afirma R.

Outro fator determinante para os moradores de áreas pacificadas é o aumento do valor dos imóveis da área. O dossiê do Comitê Popular comprova que a cidade do Rio teve a maior valorização imobiliária em comparação às outras cidades que também sediarão a Copa de 2014: para os imóveis vendidos, a valorização do metro quadrado no Rio de Janeiro foi de 116,60 % entre os anos de 2010 e 2012, e para os imóveis alugados, a valorização foi de 68,50 % no mesmo período. Reportagem do jornal O Globo, de novembro de 2011, informa que três dias após a instalação da UPP na Rocinha, o preço dos imóveis já havia aumentado 50%.

Segundo o documento do Comitê Popular, o fato de regiões da cidade serem deixadas de lado em detrimento daquelas que têm maior importância para a realização dos grandes eventos evidencia que esta política de segurança pública adotada pelo governo não está interessada nas demandas reais da população da cidade como um todo e sim das elites que frequentarão estes eventos. “Depois da Copa e das Olimpíadas, corre-se o risco de se acordar numa cidade onde os que consomem, vivem e lucram no mercado formal das partes mais nobres da cidade podem terá cesso quase instantâneo à segurança, enquanto que as camadas sociais menos favorecidas vivem sob a vigilância de um regime militar altamente armado e treinado para defender os interesses mercantis”, conclui o dossiê.

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