Entre a suavidade e a firmeza

3 de janeiro de 2012

Trechos extras da entrevista com Míriam Leitão


Por Lara Vieira de Faria e
Letícia Bandeira


Qual a diferença entre fazer uma entrevista na televisão, no rádio e no jornal impresso?


Na televisão você tem que ser mais cuidadosa porque tudo em você está passando informação, a maneira como você olha, se veste, se comporta, você tem que ter um controle emocional muito maior, você é o entrevistador, não pode se emocionar. Você é o cano por onde passam as notícias, mas não é pra deixar tudo passar, o entrevistador não é passivo.


Você acredita que uma entrevista depende mais do entrevistador do que do entrevistado? Como é essa relação?


O entrevistador é importante mas, às vezes, você pode preparar uma coisa genial e o entrevistado não rende, ou então pode acontecer o contrário, você faz a primeira pergunta e a conversa flui e você consegue um material maravilhoso. Quem define no final das contas o rumo da entrevista é o entrevistado, mas o jornalista não é passivo, ele pode intervir muito no produto final.


Você acha que as pessoas mentem nas entrevistas? Você já desconfiou de alguém?

Várias vezes, inúmeras vezes. Quando eu percebo que um entrevistado está mentindo geralmente espero um pouco e volto na mesma pergunta mais tarde pra ver se consigo uma resposta mais consistente.

Já houve algum caso em que uma reportagem ou artigo que você escreveu tenha desagradado a fonte a ponto de ela não querer mais dar entrevistas a você?


Várias vezes. O Ciro Gomes, por exemplo. Teve uma vez que estávamos fazendo uma entrevista, ele virou para mim e disse: “Essa entrevista está ficando esquisita!”. Porque ele dizia uma coisa que não era verdade, eu tinha estudado, tinha visto os fatos e estava confrontando ele. Ele ficou bravo. O próprio Lula uma vez, através de sua assessoria, perguntou na minha frente se podia não ser eu a entrevistadora. O Garotinho, em 2002, se recusou a dar entrevista para mim, eu estava entrevistando todos os candidatos e ele disse não, eu disse então que “o convidado e candidato Garotinho se recusou a dar entrevista”, aí na segunda vez ele deu.

Já aconteceu de você fazer uma entrevista e ela não ser publicada? Você acha que isso causa algum tipo de mal estar? Como lidar com isso?


Fica um mal estar, você tem que dar pra pessoa um feedback, uma resposta. Isso dificilmente acontece comigo hoje. Mas às vezes ocorre alguma coisa e a entrevista não pode sair, aí você liga pra pessoa e diz: “esse tempo que tivemos não foi perdido”, para ela entender que não gastou o tempo dela com você, que foi importante e não deixar também de te dar uma entrevista na próxima vez. Outro dia eu estava gravando um programa muito legal na Globonews sobre o turismo no Brasil com dados de balanço e imagens lindas. Quando os entrevistados que tinham vindo de Brasília foram embora, eu vi o noticiário da manhã e disse pro meu chefe que o programa tinha sido ótimo, mas não podia ir ao ar. Era o dia da invasão da escola em Realengo, a comoção ao longo do dia iria crescer, às nove horas da noite seria o pico da comoção nacional e eu não podia entrar no ar com um programa sobre turismo no Brasil. Falei para eles derrubarem meu programa e botarem outra coisa no lugar, o que foi ao ar foi um especial de Columbine que eles tinham feito. Aí eu liguei para os meus entrevistados, expliquei a situação e disse que sairia na próxima semana. Você tem que confortar os entrevistados.

Você já cometeu alguma gafe séria fazendo entrevistas?


Eu sempre fui muito metódica, me preparo muito para cada entrevista. Às vezes tem momentos que você não sabe, é melhor ficar quieto, mas não é nenhuma gafe dizer “Eu não estou entendendo, pode me explicar de novo?”. O jornalista não tem que saber tudo, ele pode perguntar, pode ter dúvidas, sempre vão saber mais do que você em algum aspecto, mas o entrevistador tem que se preparar. Sua falta de conhecimento não pode ser fruto da preguiça de se preparar para a entrevista. Outra coisa, também não ter temor reverencial com o presidente da República nem menosprezar o cidadão comum, todo mundo tem uma coisa para te dizer. Uma entrevista que eu fiz e que gostei muito foi com uma mulher para quem eu dei carona até
Caratinga, essa conversa acabou gerando uma crônica chamada “Elas carregam o trem”, que está no meu livro Convém sonhar. Ela me contou como é a realidade de uma mulher pobre. Quando ela saiu do carro eu vi que tinha uma grande história, até esse momento só o que eu sabia era que eu tinha me interessado por ela, eu me interesso por tudo o que está à minha volta.

Se você fosse ministrar um curso sobre a arte de fazer entrevistas, o que você ensinaria?


Para ministrar um curso sobre isso eu ia mostrar várias entrevistas e várias técnicas, porque isso é central. Eu não posso te dizer “seja sempre gentil”, porque nem sempre é assim, se você for entrevistar o chefe do tráfico no morro, você não pode ser gentil, tem que ser direta. Às vezes você precisa endurecer para obter a resposta.
Ou então eu te digo para sempre ser durona, e você vai entrevistar essa mulher pra quem eu dei carona, ela já passou por tanta coisa, eu não tenho nada para cobrar dela, tem que ser de uma forma suave. É muito difícil, tem que se preparar bastante e ter muita sensibilidade para entender as situações. Você precisa ter em mente o que você quer no final, o que você quer alcançar com essa entrevista.

Tem algum entrevistador em especial que você admire ou no qual se inspire?


Às vezes você vê uma entrevista e pensa “nossa, que legal, queria ter feito essa pergunta”, mas hoje em dia não tem ninguém em especial. Nos Estados Unidos, há muito tempo atrás, tinha uma entrevistadora que eu admirava que era a Barbara Walters e uma jornalista italiana chamada Oriana Fallaci, que fazia perguntas muito pontuais. Elas botavam o entrevistado contra a parede e eu acho que essa é a nossa função.

Você já sentiu dificuldade em deixar o entrevistado à vontade? Existe alguma técnica para fazer isso?


Já aconteceu de ir entrevistar alguém e a pessoa estar muito nervosa e isso não rende uma boa entrevista. O que você faz é tentar sair desse pedestal em que colocam o jornalista conhecido, porque ele é falso, a gente não é nada.

Normalmente eu converso, tento acabar com aquela imagem, conto um caso em que eu fiz tudo errado, por exemplo, a pessoa vai vendo que eu erro também. Às vezes eu encontro uma pessoa que está tensa, mas que é pra ficar tensa mesmo, aí eu não ligo, é uma entrevista mais dura. Mas quando você está em um debate é diferente, você tem que ser imparcial, não importa a sua opinião.

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