31 de outubro de 2011
Por Elena Wesley e Thamiris AlvesDepois de dois meses, professores de Niterói encerram greve sem conquistas |
Cinquenta dias de greve, entre os meses de agosto e outubro, com atos públicos, assembleias, abaixo-assinados e divulgação através das redes sociais da internet, não bastaram para que os professores da rede municipal de Niterói conquistassem qualquer das suas reivindicações. O prefeito Jorge Roberto Silveira não recebeu os grevistas. Com a cassação da liminar que garantia o movimento, os professores retornaram às aulas e terão descontados os dias de paralisação. Os manifestantes pretendem manter a mobilização para conquistar aumento salarial e melhores condições de trabalho. A greve foi ainda uma oportunidade para contestar o processo de aprovação automática e denunciar supostos desvios de verba.
Sobrecarga de trabalho
“No meu colégio preciso ser psicóloga, assistente social, fonoaudióloga, sem ter preparo para cumprir tais funções”, reclama a professora Queli Andrade, expondo uma situação comum a vários profissionais de Niterói. As principais reivindicações da greve buscavam o reajuste do salário de R$ 1.400 para algo compatível com essa responsabilidade. A redução da carga horária das merendeiras para 30 horas semanais, a implantação do plano de carreira e a abertura das contas da Fundação Municipal de Educação (FME) também eram exigências dos grevistas.
Segundo o professor Abraão Oliveira, a greve acabou não só pela suspensão da liminar, mas também pela baixa adesão dos professores. “Se tivesse alcançado 80 por cento, seria possível continuar”, disse. Procurada, a prefeitura não se posicionou a respeito da greve nem das acusações. O prefeito, Jorge Roberto Silveira, faltou à audiência que ele mesmo marcou, em setembro. De acordo com Renata Correia, coordenadora do Sindicato dos Professores (Sepe), o prefeito enviou uma carta na qual "jogou" a responsabilidade da sua ausência a agressões publicadas nas redes sociais. "O Sepe nunca postou nenhuma ofensa no blog e não temos controle sobre protestos independentes", argumentou.
Profissionais desvalorizados
A desvalorização dos profissionais tem sido a principal causa dos pedidos de exoneração. O professor Ney Dantas explicou que o profissional é obrigado a se dividir em escolas particulares para aumentar seus rendimentos, fica desestimulado e não trabalha direito. A professora Queli Andrade contou que não aderiu à greve por planejar abandonar a profissão. Ela se decepcionou após concluir o mestrado e receber apenas R$ 60 de aumento. “É como se a prefeitura me aconselhasse a não estudar, porque não vale a pena”. Casos como o de Queli poderiam ser solucionados com o plano de carreira, que propõe um reajuste de 15% entre cada nível da profissão. Sem esta medida, o professor pode atuar por 20 anos e receber uma aposentadoria cujos valores se assemelham aos do início da carreira.
Críticas à aprovação automática
Os problemas na educação de Niterói não se restringem somente a questões salariais. A professora Queli se queixou que a falta de investimento na relação prefeitura-escola-família-aluno causa desinteresse dos alunos. Para ela, a aprovação automática também é um dos fatores que influenciam nesse quadro. Pelo sistema, o aluno sabe que não será reprovado em determinada série. "A criança sente que não precisa estudar e relaxa. Quando avança para a turma seguinte, não consegue acompanhar a classe e, a partir daí, já não é possível recuperar o conteúdo perdido", argumenta.
Segundo a coordenadora do Sindicato dos Professores, Renata Correia, o que ocorre hoje é aprovação automática disfarçada de “política de ciclo”, com o intuito de atender a indicadores de organismos internacionais. “O modelo de ciclo original pressupõe a diminuição de alunos por turma, a reorganização do espaço e do tempo da escola, horário integral”, o que ela chama de “construção do sujeito na sua totalidade”, ou seja, para a formação completa do aluno. “Mas o que acontece na realidade está longe disso”, explicou. Na época da implantação desse sistema, o Sepe organizou abaixo-assinados e plebiscitos, mas não obteve sucesso. A prefeitura impôs a mudança sem qualquer discussão com professores e pais de alunos.
Desvio de verba?
A abertura das contas da Fundação Municipal de Educação fez parte da pauta dos grevistas devido a recentes escândalos noticiados. Um dos mais alarmantes foi a transferência de R$ 29 milhões à Clin (empresa privada, responsável pela limpeza do município) para garantir a manutenção de 70 escolas. Renata Correia, coordenadora do Sepe, denunciou que esse valor saiu das verbas destinadas à educação e que nenhum orçamento foi publicado. O gasto de R$ 4 milhões na compra de brinquedos Lego também levantou dúvidas. A professora Ana Paula Gomes argumentou que, se cada escola definisse os brinquedos educativos de que necessita, seria possível melhorar os resultados e diminuir os custos. “Nenhum projeto da secretaria de educação é discutido com os professores", protestou.
As frequentes acusações de que greves são prejudiciais aos alunos foram contestadas pelo professor Ney. "Não é descompromisso. Eu quero lutar por melhores condições de trabalho para atender meus alunos da maneira que eles merecem”, assegurou. Para a professora Gleice Coelho, participar da paralisação é usar o direito de protestar. Os professores que repuserem as aulas poderão ser ressarcidos pelos dias descontados, mas a prefeitura ainda não firmou nenhum prazo. Abraão se negou a dar essas aulas porque o desconto no salário virá antes da reposição, diferente do que ocorreu na greve dos professores estaduais, neste mesmo ano.
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