Questionando os megaeventos esportivos

26 de novembro de 2011
Por Leonardo Pimentel Freire

Realizar os Jogos Olímpicos num país como o Brasil é inviável. A afirmação, à contracorrente do clima de excitação que se espalha pelo Rio desde que a cidade foi escolhida para sediar os Jogos de 2016, só não causa mais surpresa porque vem de um jornalista conhecido por seu estilo crítico e polêmico: Juca Kfouri. Mas a referência a essa inviabilidade não dizia respeito apenas à falta de estrutura, e sim à inexistência de uma política de incentivo ao esporte entre os jovens, principalmente no que se refere à formação do caráter. Por isso, argumenta: “o Estado deveria prover esportes para a população, democratizar o acesso à prática esportiva antes de os clubes e a iniciativa privada formarem medalhistas”.

Juca apresentou suas críticas no debate “Copa: Paixão, Esporte e Negócio”, ao lado do historiador Luis Antônio Simas e da urbanista da USP Ermínia Maricato, que lotou o auditório principal da Associação Brasileira de Imprensa no fim da tarde de 25 de novembro.



Falta de planejamento


O jornalista relatou a experiência por que passou na Copa da África de 2010. Comparou o último país-sede da Copa com o futuro, Brasil, e viu semelhanças na falta de planejamento dos dois eventos. “Na Cidade do Cabo, quatro mil famílias foram desalojadas para a construção de um estádio ecológico e agora se discute se ele vai ser demolido. Aqui, estádios em cidades como Manaus, Cuiabá e Natal, onde não há clubes de expressão para mantê-los, vão virar elefantes brancos após a Copa”.

Juca citou ainda as Copas de 94, nos Estados Unidos, onde não houve construção de estádio para o evento, e a de 98, na França, onde ele cobriu partidas em um estádio com mais de 60 anos de existência. O jornalista lembrou das questões políticas que levaram o Morumbi, palco de diversos jogos importantes, a ser preterido em prol da construção do Itaquerão, que pertencerá ao Corinthians, clube cujo presidente mantém estreitos laços com o presidente da CBF e do Comitê Organizador da Copa, Ricardo Teixeira. Segundo Juca, o Itaquerão custará R$ 850 milhões, conta com isenção fiscal e R$ 115 milhões do BNDES, o que contraria as projeções de que não haveria gasto de dinheiro público, além de não ter uma logística adequada às imediações de um estádio de Copa.


Crítica à especulação


Ermínia criticou a especulação imobiliária que megaeventos trazem às cidades. A urbanista questionou as políticas de remoção de moradias, o que, segundo ela, atende “à ordem do capital”, e a inexistência de um controle sobre o preço dos imóveis, ditado pela iniciativa privada. “As cidades não são um conjunto de políticas setoriais, as políticas devem estar voltadas para a democracia, para o uso igualitário do solo”.


(Re)elitização do esporte


Luis Antônio Simas ressaltou a transformação por que passou o futebol desde sua origem: elitista, foi se popularizando até se tornar uma paixão do povo brasileiro. Segundo o historiador, era inimaginável, na década de 30, um negro que fosse referência no esporte, como Leônidas da Silva. Diante do encarecimento dos ingressos do futebol e das seguidas reformas de modernização que os estádios brasileiros vêm sofrendo, Simas teme que o esporte volte a ser elitista, chegando a compará-lo a um espetáculo de teatro. Ele destacou também a linguagem mercantilizada do futebol, que acompanha as mudanças estruturais pelas quais passa o esporte: “O futebol ganhou uma linguagem tecnocrática nunca antes vista: estádio agora é arena multiuso, o craque virou ‘jogador diferenciado’ e o banco de reservas mudou para ‘peças de reposição’”.

O encontro foi organizado pelo Comitê Popular Copa e Olimpíadas Rio, grupo que promove debates e manifestações sobre os desdobramentos da chegada dos megaeventos ao Rio de Janeiro.

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