8 de setembro de 2011
Por Gustavo CunhaFotos: Luísa Vianna
Passava pouco das quatro da tarde quando uma multidão de revoltados pôs-se a xingar um homem já em idade avançada, entre urros e gritos escandalosos. Cerca de 400 pessoas reivindicavam que o senhor vestido em trajes de cangaço se sentasse para, assim, poderem assistir – sem obstruções chapeleiras no caminho – à apresentação da mais consagrada companhia de balé no mundo.
No dia da independência do Brasil, aproximadamente 40 mil cariocas encheram os gramados da Quinta da Boa Vista, ávidos por compartilhar o requinte técnico e harmonioso dos pliés e developpés encenados pelos bailarinos da Companhia de Ballet Mariinsky. Não era para menos: fundada na década de 1740 – e, desde 1934, conhecida popularmente por Kirov –, a companhia russa carrega uma longa história de tradição e o reconhecimento mundial de maior grupo de balé do mundo.
Do Municipal para o parque
No Rio de Janeiro, o grupo se apresentou entre os dias 31 de agosto e 5 de setembro no palco do suntuoso Teatro Municipal. O preço dos ingressos variou de R$ 150, na galeria, a R$ 2.400, nas frisas e nos camarotes. Quem não pôde pagar teve a oportunidade de assistir gratuitamente, a céu aberto, aos três atos d’O Lago dos Cisnes no feriado de 7 de setembro. E mais: ainda pôde observar os ensaios do grupo antes de começar o espetáculo.
O show estava marcado para 17h30m mas, já às 16h, os bailarinos se espalhavam pelo palco, prontos para um aquecimento sob um sol nada russo. Poucas nuvens pairavam no céu e os raios solares davam início ao movimento de despedida de uma magnífica tarde de inverno. Brasileiros e brasileiras se aglomeravam pelas beiradas do palco.
Arte contra o preconceito
As irmãs Débora e Zirley de Oliveira, moradoras de Deodoro, fizeram questão de assistir a tudo de muito perto. Às 10h30m, estendiam cangas ao lado do gradil que as separava da área “vip” e, munidas de guarda-chuvas, arranjavam maneiras de se proteger do sol. “Vim por causa do balé. Estamos aproveitando também para comemorar o aniversário do meu esposo”, comentou Débora, de 38 anos, acompanhada da família.
Desde crianças elas apreciam o balé, mas admitiram que, antes, cultivavam um preconceito. “Achávamos que o balé era feito apenas por pessoas brancas, pois nunca víamos dançarinas negras. Mas depois mudamos a nossa opinião e passamos a gostar cada vez mais da dança”, disse Débora. Sempre que podem, as duas marcam presença em apresentações de balé clássico. No entanto, ponderam que sentem falta de eventos gratuitos desse tipo pela cidade, principalmente na Zona Norte. “A maioria desses espetáculos é na Zona Sul”, lamentou Zirley.
Um inútil apelo à ordem
Às 17h, o número de espectadores era enorme. Para quem preferiu assistir afastado, ficou impossível permanecer sentado, tamanha era a multidão. Foi quando, antes de anunciar a apresentação de abertura, da Companhia Brasileira de Balé, a mestre de cerimônias sugeriu que todos se sentassem. O público respondeu com aplausos e constantes gritos de “senta” aos que insistiam em não aderir. Garrafas de plástico foram atiradas nos que teimavam em permanecer de pé. Um dos alvos era justamente o senhor com o largo e alto chapéu, apelidado pela gente furiosa de “cangaceiro”. Apoiado no gradil que o separava do palco, ele parecia não se importar: não demonstrava reação, nenhum meneio de cabeça. Do palco, a apresentadora persistia: “dá uma empurradinha dali, uma empurradinha daqui para todo mundo sentar e poder assistir”. E, observando resultado, acrescentou: “Isso! Agora sim tá bonito!”.
Com todos sentados, o espetáculo de abertura começou. A platéia se animou e a ordem não durou muito: embalado pela música, o público se levantou. Indignados, os poucos que resistiam em permanecer sentados protestavam. Mas não havia como conter a massa ansiosa por captar os movimentos inacreditáveis executados no palco. “Agora sim. Isso é que é Brasil”, um dos restantes sentados comentou, reiterando a falta de respeito. Em seguida, como não tinha saída, também se levantou.
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