A radicalização em torno da liberdade de imprensa

9 de outubro de 2010
Por Isabela Calil


A liberdade de imprensa foi um dos temas mais explosivos do primeiro turno das eleições deste ano. A radicalização de posições entre governo e grandes corporações de mídia não facilitou o aprofundamento do debate, mas teve o mérito de pôr em pauta, mesmo num ambiente restrito, uma questão fundamental para a democracia: a necessidade de regulação dos meios de comunicação. A avaliação é de Venício Lima, ex-professor da UnB, colaborador do Observatório da Imprensa, da Carta Maior e autor de vários livros sobre a relação entre mídia e política. Mas... “isso não interessa a eles. Nunca. A nossa mídia tem uma tradição de não discutir a si mesma”.

Uma das declarações de Lula mais exploradas pela grande mídia, como indício da “tentação autoritária” de controle da imprensa, foi a de que “nós não precisamos de formadores de opinião. Nós somos a opinião pública”. Na opinião de Venício, se o presidente metaforicamente se referiu a “nós, a população brasileira”, estava certo:

“Na verdade, o dado novo importante é que a opinião pública brasileira não é mais coincidente com aquela dos chamados ‘formadores de opinião’ tradicionais, sobretudo editorialistas e articulistas dos jornalões. A internet dilatou o espaço do debate público, sem dúvida. Apesar de, infelizmente, isso não significar que ele esteja mais plural ou diversificado do ponto de vista das posições político-partidárias”.

Reação às denúncias


Venício discorda de que Lula tenha atacado os meios de comunicação. Considera que ele reagiu à série de ataques que passou a receber, a partir do momento em que começou a se desenhar a possibilidade de vitória governista no primeiro turno, quando “pipocaram escândalos e denúncias para todo lado”. Reagiu, segundo ele, de forma equivocada, mas disse o que os estudiosos da área falam há tempos.

“Que a grande mídia no Brasil é controlada por algumas empresas, até você que está iniciando no jornalismo claramente sabe disso. Que a propriedade cruzada é uma coisa que precisa ser regulada no Brasil, que é por causa dela que existem grandes grupos de mídia é algo evidente até para, como diria o Mino Carta, as pedras da rua”.

E arremata: “As declarações serviram como pretexto, como, aliás, tem servido há muito tempo, para essa grande mídia se apresentar publicamente como defensora das liberdades e o presidente Lula, seus aliados e seu partido como ameaçadores dessa liberdade”.

Se há os que veem o presidente como ameaça ao jogo democrático, não faltam os que acreditam na tese da mídia golpista que tentaria legitimar um golpe de Estado. Ainda que a imprensa não tenha a força que já teve e precisasse ter uma aliança não só com a oposição política, mas com os militares. A teoria é refutada pelo pesquisador: “Por mais golpista que a grande mídia eventualmente fosse ela não teria força isolada para dar um golpe nas instituições. No caso brasileiro, não”.

O crime e o escândalo midiático


Sobre a sucessão de denúncias, o pesquisador aponta a seletividade dos meios de comunicação:
“Algumas dessas denúncias podem ser – eu acredito até que tenham sido – denúncias fundamentadas e que evidentemente tem que ser apuradas. Mas a imensa maioria dessas denúncias era de fim eleitoral, com um claro objetivo de prejudicar a reputação política da candidata apoiada pelo governo. Tanto é que essas denúncias foram seletivas. Houve um jornalismo investigativo seletivo, porque investiga um candidato e não investiga o outro”.

Venício argumenta que a imprensa tem inclusive responsabilidade criminal quando denuncia sem fundamentação, porque precisaria respeitar o princípio de presunção da inocência. E que avalia mal as consequências dessas ações, porque denúncias não confirmadas podem acarretar em perda de credibilidade.
 
O pesquisador ressalta que é preciso separar crime de escândalo. “Crime é crime, o que vale são as leis; escândalo político midiático é outra coisa. Se cometeu crime, tem que pagar, tem que apurar. Mas não é a imprensa que faz isso, é a Justiça. O problema do escândalo político midiático é que ele gera todos os efeitos que provocam um enorme estrago na reputação pública de indivíduos e instituições, antes que as denúncias possam ser verificadas”.

A tensão entre governo e imprensa


O acirramento na relação entre governo e imprensa não é um caso isolado do Brasil. Na opinião de Venício, o que acontece faz parte da crise por que passa a imprensa no Brasil e da situação dos grupos de mídia latino-americanos:

“Historicamente, os principais grupos dominantes de mídia na América Latina sempre foram aliados dos que estavam no poder político, inclusive no período das ditaduras militares. O fenômeno que acontece agora é muito interessante porque vários grupos que chegaram à presidência sofreram a oposição direta da imprensa associada ao poder. Só para citar alguns casos: Venezuela, Bolívia, Argentina, Equador e Uruguai. E aconteceu no Brasil. Esses que chegaram ao poder enfrentando a oposição da mídia cuidaram de enfrentar uma questão que precisa ser enfrentada. Uma questão que ameaça os interesses estabelecidos mas que não vinha sendo enfrentada como precisa e que é a regulação da grande mídia. Na Bolívia e no Equador isso está acontecendo, a Argentina tem uma nova lei de meios de comunicação. Paradoxalmente, no governo Lula, todas – todas – as tentativas de avançar no sentido de algum tipo de regulação não vingaram, porque a grande mídia se opôs violentamente a ela.”

Depois do furacão


Venício considera que, após o embate eleitoral, haverá uma distensão. “O que qualquer pessoa de bom senso espera é que esse acirramento seja aliviado, que seja colocado em termos de um debate dentro da democracia representativa liberal. Você tem adversários, não significa que tenha inimigos. Que se volte a uma normalidade do debate democrático. Inclusive sobre a mídia. A grande mídia vai ter que, independentemente de quem ganhar as eleições, se dar conta de que ela precisa ser regulada, como ocorre no mundo inteiro. No Brasil esta é uma exigência história das transformações tecnológicas, da ausência de regulação que já tem décadas, o Código Brasileiro de Telecomunicações é de 1962. Essas coisas vão ter que ser discutidas democraticamente”. 

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