Na internet, protestos, acusações e preconceitos à vontade

2 de dezembro de 2010
Por Luciana Pacheco

Na semana passada eu acompanhava a cobertura da implantação das Unidades de Polícia Pacificadora pelas favelas da cidade. Aplaudia-se cada nova conquista: “Finalmente uma política de segurança que gerava bons resultados”, era o clima do discurso da mídia e do governo.

Os críticos já apontavam as falhas do projeto e alertavam para a necessidade de se conceber um plano mais efetivo. Ainda assim, no fundo, eu não entendia a insatisfação de alguns moradores dessas comunidades. Afinal, mesmo que a situação nesses locais não fosse a ideal, não seria claramente um progesso com relação à realidade a qual estavam acostumados?

Descobri, então, nas redes sociais que a discussão já estava aberta. Em uma comunidade do Orkut, cujo título rejeitava explicitamente as UPPs com um xingamento, encontrei várias reclamações dos usuários, quase todos jovens moradores das favelas. Além dos ressentimentos pela proibição aos bailes funk, o que mais me chamou a atenção foi o verdadeiro repúdio que esses jovens demonstravam pela polícia, à qual sempre se referiam com muita agressividade. Expressões como “bando de assassinos” e “bala neles!” eram recorrentes. Quando um usuário, a uma certa altura, ousou adotar uma posição diferente da maioria e defender os policiais, recebeu uma enxurrada de respostas indignadas, que o acusavam de total ignorância por nem sequer viver na comunidade.

Protestos e xingamentos


Em uma das respostas mais diretas, um internauta escreveu: Aqui no Rio primeiro atiram depois perguntam... Quero ver tu pendurado no saco do BOPE depois que tu levar um tiro deles na fuça por engano e ainda falarem pro jornalista na cara da sua mãe que você era bandido... [Os policiais] são assassinos também, seu otário. Levam tudo pro lado pessoal assim como os bandidos.... Logo depois, o post polêmico foi apagado pelo próprio autor.

Continuei acompanhando a discussão. A comunidade era recente e, por isso, tive a oportunidade de ler todos os tópicos. Além da ojeriza declarada e unânime com relação à polícia, era impressionante a quantidade de pessoas que simpatizava explicitamente com os traficantes. Referiam-se a eles como ideais de resistência, exemplo de luta e orgulhavam-se do poder das facções, enquanto os policiais eram desqualificados – acusados, por exemplo, de serem “lobos vestidos de ovelhas”.

Tentei compreender os motivos dessa postura, com a qual não havia me deparado até então. Levantei a hipótese de que tal rebeldia, inconsciente e generalizada, poderia ter surgido do rancor alimentado pelas relações cotidianas com os policiais, ou seja, de repressão (e muitas vezes de abuso) e fazia com que esses jovens rejeitassem tudo o que os oficiais representam, ou seja, a lei, a disciplina e inclusive o Estado. Obviamente, essa foi uma conclusão minha, baseada em nada mais do que em meu parco conhecimento das coisas. Mas não me censurem. É inevitável tirar conclusões daquilo que observamos, mesmo que na maioria das vezes elas não sejam compartilhadas.

Com o início da onda de atentados no Rio e a primeira operação das forças oficiais, na Vila Cruzeiro, voltei minha atenção às notícias sobre o tema mais urgente. Depois das cenas históricas exibidas na TV de policiais expulsando bandidos, começaram a aparecer manifestações de apoio geral da população à ação do Estado, principalmente dos moradores das comunidades invadidas, que geraram imagens de impacto bastante exploradas pela imprensa.

Além de tudo isso, como eu já esperva, surgiu nas redes sociais uma onda de solidariedade para com esses mesmos moradores de favelas. O sucesso dos informantes da Voz da Comunidade, no Twitter, ilustrava bem esse fato. O perfil, derivado das ações comunitárias do jovem Rene Silva, se encarregava de informar os acontecimentos de dentro do Complexo do Alemão. Sua repercussão foi enorme. Segundo o jornal O Globo, o número de seguidores do @Vozdacomunidade subiu de 180, no sábado, para incríveis 10 mil, no domingo.

Tiroteio na rede


Toda a solidariedade, os pedidos de paz e agradecimentos ofuscavam a existência de um discurso como o da comunidade (da web) que eu tinha visitado anteriormente. No entanto, lá estava ele. A comunidade agora com uns 600 participantes a mais. E a discussão se radicalizara. Os que se identificavam como moradores desdenhavam das autoridades, duvidando de que a operação desse certo no Alemão. Atentavam para a união das facções e pediam abertamente uma reação dos criminosos. Alô FB, o Rio de Janeiro te ama, incentivava uma jovem.

Por sua vez, os novos participantes usavam do mesmo tom agressivo para defender as ações da polícia Vinham à tona preconceitos e a expressão da vontade coletiva de “limpeza definitiva” e, ainda, indiscriminada. Em um dos comentários, o internauta dizia: Só quero ver quando invadirem o barraco de vocês, cortarem essa internet ilegal de vocês. Eu vou rir muito só de imaginar a cara de cada um, pedindo pra não morrer.... Em outro, um usuário anônimo declarava: Esses pretos todos vão morrer.

Nos mais de 20 tópicos, criados de um dia para o outro, a disputa era clara. De um lado, um grupo declarava apoio incondicional aos traficantes; do outro, uma maioria de usuários anônimos defendia a violência policial contra aqueles aos quais se referiam não pelos crimes que cometeram ou de que são acusados, mas por sua condição social. Condição essa que não se restringia aos bandidos, mas caracterizava a população das favelas em geral. Além, ainda, das insinuações frequentes de que, se não há como diferenciar bandidos de inocentes, o jeito é acabar com todo mundo logo...

Decidi, então, sair do Orkut. Preferi acreditar que aquilo era a manifestação de uma minoria de jovens que queria apenas “tirar onda” nas redes sociais. Era mais reconfortante ir assistir à TV, onde o cenário era muito mais simples e bonito: onde policiais eram heróis que se diziam empenhados na sua missão de libertar as comunidades, onde senhoras escreviam cartas à imprensa agradecendo às “forças do bem”, onde criancinhas felizes brincavam em cima do antes temido blindado do Bope...

No domingo, voltei mais uma vez à comunidade da web para redigir este texto. Todos os tópicos polêmicos haviam sido apagados, segundo o moderador “devido à quantidade de spams”. Minha sorte é que eu havia copiado tudo no dia anterior. Imaginei que, com o desenrolar dos acontecimentos, logo não haveria lugar para aquele tipo de debate.

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