28 de novembro de 2010
Por Sylvia MoretzsohnNa passagem pela alfândega do Aeroporto Internacional do Rio, o policial comenta com o colega: “se não fossem os direitos humanos...” e a mão vai desenhando suavemente no ar o trajeto do helicóptero imaginário a metralhar o morro, “pum-pum-pum- pum”, olhos semicerrados e sorriso sonhador a saborearem antecipadamente a carnificina.
No táxi, a caminho de casa, a pergunta inevitável: como está a situação? O motorista assume o desafio da polícia: “deram um ultimato, acaba hoje às quatro horas”. E prossegue: “foram eles que pediram”.
Não falta a menção inevitável: “a culpa é mesmo dos direitos humanos”. É uma pequena variação da versão de sempre: “Direitos humanos é pra todo mundo, mas hoje só é pra bandido. Por que esse pessoal dos direitos humanos não aparece quando esses caras tocam fogo nos carros? Aí não aparece ninguém... mas é porque nunca aconteceu nada com eles. No dia que acontecer, mudam de lado rapidinho”.
Não falta, tampouco, imaginação para acabar com a “guerra”: “Eu tava comentando com a minha esposa, quer ver acabar logo com a banca desses caras? Era só começar a prender as mulheres deles”.
(O motorista talvez não estivesse bem informado, porque era exatamente o que a polícia havia feito na véspera, e os jornais do dia noticiavam na capa).
Foram cenas deste sábado, 27 de novembro, no retorno de uma viagem para um seminário internacional em Montevidéu que, coincidentemente, discutiria violência, pobreza e... direitos humanos, com numerosa participação de pesquisadores brasileiros.
Um dos trabalhos apresentados, aliás, pôde ser atualizado com as imagens mais recentes da “guerra”, e oferecia uma sugestiva comparação com operações anteriores que, tal como esta, prometiam vitória definitiva.
No trajeto de volta para casa, do aeroporto à Zona Sul, o trânsito fluía tranquilamente na tarde ensolarada. O Alemão está lá longe. Nenhum sinal da “guerra”. Apenas o cansaço com a repetição da mesma velha história.
- Leia também: Violência no Rio: a farsa e a geopolítica do crime
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